A Mão Assassina é um filme de comédia que brinca com clichês do terror e que é peculiar, justamente pelos experimentos escatológicos que faz. Sua ideia inicial é a de mostrar um rapaz que tem parte de seu corpo possuído por uma força maligna, trazendo assim uma exploração de gore com piadas tipicamente juvenis.
Do original Idle Hands, o filme lançado em 1999 é dirigido por Rodman Flanders, cineasta acostumado a trazer obras cômicas. Sua trama gira em torno de Anton Tobias, personagem adolescente, desocupado e vagabundo, que percebe que sua mão foi possuída por uma entidade maligna.
A obra não foi muito bem digerida pelo público na época. Não foi houve um bom resultado nas bilheterias, mas acabou se tornando um dos fenômenos de locadora, foi redescoberto e elevado ao status de clássico cult, embora tenha mais características de obra trash.
Veiculado pela Columbia Tristar, o longa conta com produção de Jennifer Todd e Suzanne Todd - que produziram juntos Amnésia de Christopher Nolan - pela dupla Andrew Licht e Jeffrey A. Mueller, que trabalharam em obras conhecidas, como Waterworld: O Segredo das Águas e O Pentelho. O longa tem produção executiva de Jeffrey Sudzin, de Confissões de Uma Mente Perigosa.
Flender trabalhou principalmente em seriados, dirigiu episódios de The Office, Suburgatory e da série de tv de Pânico. Também fez o estranho Bebê Maldito em 1991 e O Retorno do Duende em 1994.
O longa tem como protagonista uma figura curiosa: Devon Sawa. O ator ainda era iniciante, havia trabalhado em Gasparzinho: O Fantasminha Camarada de 1995. Com o passar do tempo, passou a ser requisitado dentro do filão do horror, protagonizaria em 2000 o icônico Premonição e passou a ser grande parceiro de Don Mancini, fazendo vários papéis na série Chucky.
O elenco é composto por figuras consideravelmente conhecidas. Além de Sawa há Seth Green, Vivica A. Fox, Elden Hanson e Jessica Alba no núcleo mais jovem. Entre os mais velhos, tem Fred Willard e Connie Ray como os pais de Anton, além de Sean Whalen.
Apesar de ser uma obra que mira parodiar as fitas super violentas das décadas anteriores, o filme acaba tendo alguns eventos pesados, como assassinatos provocados por jovens e até parricídio.
Por conta dessas "coincidência" o longa sofreu adiamentos, sendo lançado depois graças ao massacre na escola de Columbine.
Fora isso há algumas referências que tornaram esse um filme malquisto por plateias mais conservadoras. O nome de Anton Tobias é uma referência ao fundador da igreja satânica Anton LaVey, o mesmo que escreveu vários livros "profanos", incluindo a Bíblia Satânica. LaVey também compôs algumas músicas de louvor a figura do capeta.
A trama se passa perto do fim de outubro, próximo do dia das bruxas. Pela cidade de Bolan se percebem várias abóboras e decoração típica dessa época, inclusive com referências mil a filmes de horror.
Flender faz referências deliberadas ao clássico Halloween: Uma Noite do Terror de John Carpenter, filma sua história em Los Angeles Califórnia, quase todo em Pasadena. Até utiliza parte das locações que acabaram se tornando a fictícia Haddonfield onde Michael Myers atacava.
Há outras coincidências na locação, como o ginásio da escola onde é realizado o baile de Halloween, que é o mesmo usado nos filmes Buffy, a Caçadora de Vampiros de 1992 e Um Crime Entre Amigas (Jawbreaker) de 1999.
Houveram cenas no Sony Pictures Studios em Washington Blvd, também filmaram em North Madison Avenue, 589 East Jackson Street, 577 East Jackson Street e em Santa Clarita.
Atualmente é mais do que dado que o longa se pauta pela comédia, mas Seth Green confidenciou algo diferente, em uma entrevista dada em 2007 para o site The Onion AV Club. Segundo ele, a percepção de cada pessoa que participou da produção era meio particular, eventualmente, uma coincidia com a outra.
Ele, Sawa e Elden estavam convencidos de que era um grande drama com elementos cômicos, tentaram assim tornar o relacionamento como melhores amigos de longa data crível. Já Flender acreditava estar fazendo um filme no estilo do terror italiano, tal qual fazia Dario Argento, já os roteiristas queriam que fosse como o thriller de comédia Atração Mortal.
O estúdio estava confuso com essa multiplicidade de visões, decidiram então maquiar os personagens que retornam a vida como zumbis engraçados, seguindo a tendência que ouviram ser uma boa alternativa segundo as audiências teste. Depois dessas audições, decidiram aumentar os momentos onde o trio de amigos Anton, Mick (Green) e Pnub (Helden) fumam maconha.
A trama começa já dando alguns sustos falsos, mirando pegadinhas típicas do dia festivo. Também há jumpscares inofensivos, como uma aparição bizarra do gato do protagonista, que por sua vez, possui o sugestivo nome de Bones.
Ainda nesse início já ocorrem alguns acontecimentos bizarros, que envolvem mortes, mas que são pontuadas de uma maneira jocosa, especialmente graças música alegre de Graeme Revell, (O Corvo e A Noiva de Chucky). O protagonista acorda tarde e percebe que sua casa não tem mantimentos.
Como é um sujeito extremamente egoísta, sequer nota o sumiço dos pais, só percebe que está só quando descobre que não há comida para matar a sua larica. Motivado pela falta de suprimentos, ele decide que é o momento certo para ir atrás de mais droga, no caso, maconha, para isso liga para seus amigos Mick e Pnub.
Flender não tem qualquer receio em assumir que o seu filme é um besteirol, ele assumidamente faz um filme que até reúne elementos de violência, horror e exploitation, mas que foca mais em tiradas engraçadas.
Mesmo a jornada de Anton uma jornada rumo a um amor platônico passa por explorar tudo com piadas. Quando ele tenta se aproximar de Molly (Alba), há uma soma de clichês de farra e bebedeira, tal qual ocorria com outras comédias juvenis, das mais antigas como Porkys e Picardias Estudantis, e na série de filmes mais recentes como os vindouros American Pie, Eurotrip ou O Dono da Festa.
Os roteiristas Terri Hughes Burton e Ron Milbauer trazem uma narrativa que flerta com o grotesco, mas que não se leva a sério. Os dois tinham experiência com seriados tokusatsu dos Estados Unidos, escreveram capítulos de Mighty Morphin Power Rangers e Power Rangers Zeo. No que toca o drama adolescente, o texto acerta demais, inclusive nos acréscimos de escatologia, que também caem bem.
Sawa brilha demais em seu papel, especialmente quando percebe que seus pais foram assassinados e que estão em sua casa. Obviamente entra em pânico, e usa Duke, o cão dos seus pais, como escudo, na hora que vasculha tudo.
Vale lembrar que o pet que "interpreta" Duke é o mesmo cachorro que estrelou Caindo na Estrada, comédia clássica de Todd Phillips (da trilogia Se Beber Não Case e Coringa). O cachorro vivia ao lado de Paulo Costanzo no filme citado, estava chapado quase sempre e ainda falava.
A arquitetura da casa dos Tobias é ótima. A parte interna lembra bastante a casa de Norman Bates em Psicose, especialmente nos recintos do corredor e escadas que dão acesso aos cômodos.
Os segredos ali são ainda mais macabros visualmente que os da mansão localizada acima do motel, já que algo espiritual se instalou ali.
Como Anton é um sujeito avesso a assumir as consequências de seus próprios atos, ele se nega a acreditar que foi ele quem matou os próprios pais, mesmo quando acha o corpo deles dentro de casa.
Ninguém mais entrou na casa, mas ainda assim existe a possibilidade dentro do seu pensamento de terem sido os gêmeos Goldstein os autores do morticínio, personagens esses de uma lenda urbana local.
No entanto não demora a ficar claro que foi a mão direita dele, que está possuída por algo, provavelmente por uma força demoníaca. Aqui parece ser uma deturpação do conceito da mão maligna de Ash em Evil Dead, especialmente em Uma Noite Alucinante 2.
Os efeitos de gore são maravilhosos, embora não sejam tão elaborados. Funcionam a contento. A mão tem uma personalidade própria, não só no sentido de praticar o mau ou maltratar animais, mas também de pregar peças e até de consumir produtos diferentes do que Anton geralmente vê, tirando dos desenhos animados antigos Looney Tunes para ir até os filmes clássicos de horror.
Fugindo de qualquer possibilidade de trocadilho, mas a mão claramente é boba e acaba ajudando ele a se aproximar de Molly. Não fosse pela mão possuída, dificilmente a mocinha daria atenção para ele, uma vez que Anton não tinha muita ação nas paqueras com a personagem.
O texto não é politicamente correto e é bom deixar claro que essa é uma obra que representa o que era comum em sua época. Não há um julgamento ruim para a mão que passa pelas curvas da menina, ao contrário, ela gosta da atitude do rapaz, o julga como atrevido.
Outro ponto bizarro é que ela dá spoilers de suas ações, deixando recados escritos nas paredes, tetos e afins do que ela fez ou do que fará.
Mick e Pnub acabam sendo mortos pela Mão, mas ao contrário dos Tobias, esses retornam a vida, como zumbis, mas sem grandes explicações, ao menos não no início. Simplesmente retornam, assustam Anton e passam a agir como se estivessem vivos.
Não fica claro se aquilo é ilusão, devaneio ou se aquilo é real, caso seja o primeiro caso, também não fica claro se é fruto de uma bad trip ou ocasionada pela culpa do homicídio. Fica a sensação de que isso ocorreu como fruto da mesma intervenção sobrenatural que fez ele ter uma mão que mata.
Eles ficam fumando maconha juntos, ouvindo Rob Zombie, além de encontrar Randy (Jack Noseworthy), um roqueiro que se formou há 3 anos, e aconselha Anton a ocupar suas mãos. Ainda assim ela segue matando.
O espírito do filme conversa com o de outras obras escatológicas de Frank Henenlotter, especialmente Basket Case e Frankenhooker, claro, sendo bem menos nojento em sua exploração. Flender é bem mais comportado que Henenlotter.
Outra semelhança óbvia na direção é com Sam Raimi, que misturava bem comicidade com exploração do medo.
O cúmulo disso é quando Anton corta própria mão, mas de maneira ainda mais agressiva do que Bruce Campbell e seu Ash fizeram.
Todo o esforço do personagem para tentar decepar o membro é por si só uma comédia de erros.
Ele tem dificuldades em conseguir se cortar, e quando finalmente consegue, usa um forno de microondas para tentar assassinar a mão, mas não tem sucesso em sua empreitada de finalizar o trabalho de acabar com o mau. Não fica nem claro se ele conseguiria mesmo matar o seu membro possuído.
Há até um momento engraçado e curioso, da mão possuída fingindo-se de morta, dentro do forno, aguardando que alguém a liberte. Quando ela sai, tem uma coloração diferenciada, como se tivesse se queimado mesmo. Ela passa a ser cinza, também em atenção ao visual que Pnub e Nick tem, que por sua vez, imita o look dos mortos-vivos de George A. Romero.
A mão malvada vai atrás do seu tutor na festa de halloween, justamente quando ele vai ao encontro de Molly.
A Mão é interpretada por Christopher Hart, dublê de mão que fez o It/Mãozinha no filme A Família Addams de Barry Sonnenfeld e até em O Retorno da Família Addams. O desempenho dele é ótimo, especialmente quando ataca as pessoas e pratica suas malvadezas diante da tela.
O cúmulo do absurdo é que ela afia as unhas em um apontador na sala do professor, quando chega a escola. Nesse ponto, o aspecto dela é podre, e até explicável, dada toda a sua jornada. É visualmente legal, nojento e condizente com a epopeia do personagem.
Até na hora de fazer uma exposição em seu texto, há um clima de deboche. A personagens Debi LeCure de Vivica A. Fox é uma boa prova disso. Ela se apresenta como uma sacerdotisa druida que vai atrás de caçar o tal mal, que por sua vez se apossa do corpo da pessoa mais preguiçosa possível.
Flender permeia sua obra com várias referências a clássicos do cinema de gênero. Mick e Pnub estão assistindo Despertar dos Mortos (1978) na TV, antes disso aparece Anton vendo um trecho de A Noite dos Mortos-Vivos (1968), ambas obras de Romero, o pai dos zumbis modernos.
A trilha sonora é muito boa, com várias bandas de hard rock. Há músicas como Shout at the Devil do Mötley Crüe, também há New York Groove um cover presente em um disco de Ace Frehley, em uma iniciativa que colocava cada membro do Kiss à frente de um álbum diferente. Há também a presença de bandas mais novas e contemporâneas, como Rob Zombie, que aparece em tela com o videoclipe Dragula.
Também há uma apresentando da banda Offspring, cuja participação é mais ativa, como personagens na trama. O grupo de punk faz um cover de I Wanna be Sedated dos Ramones, depois toca suas próprias músicas. Até fazem tanto a parte da trama, já que o vocalista Dexter Holland é ecalpelado pela mão assassina, em uma cena orquestrada de forma que valoriza a galhofa.
Além deles há uma breve participação de outro roqueiro, no caso, Tom DeLonge, guitarrista do Blink-182, que interpreta o funcionário do drive-thru usando um chapéu de safári e dizendo “Tudo bem!”
A Mão usa um teatro de fantoches para azucrinar Anton no final. Quando o filme se aproxima de acabar, fica patente a completa falta de compromisso com a mitologia apresentada, já que as regras do tal relógio druida que a personagem de Fox apresentada momentos antes, são plenamente ignoradas.
Tudo em A Mão Assassina mira ser engraçado e nisso o longa acerta. Resulta enfim em um bom retrato do cinema B dos anos 1990, divertido, com um elenco afiado e muitos momentos nojentos e escatológicos. É uma pena que não tenha feito sucesso comercial, mas ainda assim vale a pena ver, sobretudo graças ao escracho com que é levado.
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