A saga Evil Dead é uma das mais elogiadas do cinema em geral e é assim graças a muitos fatores, entre eles as mortes gráficas, a exploração de nojeiras e a criatividade na hora de abordar as suas temáticas. A franquia também é conhecida como uma das poucas do seguimento de terror onde todos os filmes são elogiados.
Eis que nesse ano de 2023, chega aos cinemas mais um capítulo da saga: A Morte do Demônio: A Ascensão é dirigido e escrito por Lee Cronin, cineasta acostumado a fazer filmes de horror de baixo orçamento.
Essa é uma produção conjunta entre os estúdios New Line Cinema e Ghost House Pictures, chega ao brasil distribuído pela Warner Bros e possui produção de Rob Tapert, que esteve presente na trilogia clássica e produziu também Darkman, algumas séries como Hercules e Xena: A Princesa Guerreira. Estão com ele como produtores executivos a dupla Sam Raimi e astro Bruce Campbell, pessoas presentes nos outros filmes.
As filmagens foram na Nova Zelândia, em Auckland, como foi também com o longa de 2013, o remake A Morte do Demônio de Fede Alvarez. Como o filme acabou de estrear esse será um texto onde tentaremos ao máximo fugir de spoilers.
Quando o filme sair em VOD podemos voltar para falar mais sobre da trama e com mais informações de bastidores.
Tal qual foi em A Morte do Demônio de 2013, há uma cena de introdução que funciona como epílogo, mas com um viés diferenciado do que Alvarez fez. O principal fator modificado é que dessa vez a sequência é bem-feita e tem propósito.
Cronin estabelece já de início que a sua abordagem será sangrenta e não nega que a cena inicial tem ligação com o resto do filme. Ainda assim há algumas exibições de poderes místicos dos Deadites - termo cunhado por fãs da saga para os mortos-vivos/possuídos da mitologia kandariana - que são exageradas e com pouco ou nenhum sentido.
Depois dos créditos iniciais mostra uma família, formada por uma mãe e seus três filhos. São eles a tatuadora Ellie (Alyssa Sutherland), mãe a chefe da casa, a filha mais velha Bridget (Gabrielle Echols), o rapaz Danny (Morgan Davies) e a caçula Kassie (Nell Fisher). Eventualmente chega outra parente, a tia/irmã Beth (Lily Sullivan), uma mulher independente, solteira, que trabalha com música e descobre estar grávida.
Apesar de curto, o filme se dedica a mostrar como cada personagem tem seu próprio traço de personalidade ou gosto diferenciado. Cada um deles tem seu momento próprio. Dan por exemplo é aficionado por som, gosta de brincar com discos de vinil e de brincar de DJ.
Já Kassie tem uma imaginação fértil e gosta de desmontar e desmembrar a sua boneca, parece ter uma curiosidade lúdica pelo macabro e acredita que o brinquedo tem poderes de proteção para a família.
Já Bridget acaba sendo a pessoa com mais responsabilidades da casa, depois da mãe, claro. Mesmo sendo tão nova ela já age como alguém que é obrigada a viver uma maturidade que não é sua. Ela dribla gracejos de meninos vizinhos, não parece ter tempo e nem interesse em retribuir flertes.
Se as crianças têm fantasias e hobbys escapistas o mesmo não se pode dizer de Ellie. Ela é uma mulher sobrecarregada, responsável e muito ocupada.
Dentro uma postura super protetora, ela não é uma pessoa isenta de problemas e preconceitos julgadores. Isso se percebe em como se refere a sua irmã Beth, sempre chamando ela de groupie quando ela apenas trabalhava na equipe de som de bandas.
Além de manifestar esse tipo de alfinetada para ela, era patente que falava para terceiros, tanto que os vizinhos de andar já conhecem a fama da irmã. O roteiro faz questão de deixar claro o quanto ela se importa com os outros e o quanto se doa, já que é muito carinhosa como mãe e como irmã.
Para essa personagem também fica claro que há uma culpa cristã, típica da mulher chefe de família, que se vê obrigada a trabalhar, a se desdobrar para cuidar dos parentes e que está sempre cansada, além da óbvia auto cobrança oriunda do fracasso em seu casamento.
Ela claramente se ressente por estar sozinha e por sobrecarregar Bridget, já trabalha muito e não tem como pagar para alguém cuidar dos filhos. Ellie passa para os filhos a sensação e o mal-estar de estarem sempre sem dinheiro e em crise financeira, tanto que qualquer possibilidade de arrumar verba eles abraçam.
Já Beth parece ser uma pessoa mais preocupada com trabalho e com a vida pessoal. Apesar de um pouco egoísta, ela demonstra apego a família, gosta muito dos sobrinhos e se ressente por não ter ficado perto da irmã no momento difícil recente.
Seu afastamento é claramente uma tentativa de fuga de responsabilidades. Até o seu trabalho parece ser reflexo dessa dificuldade de crescer, já que escolheu uma profissão ligada a arte. Considerando o clichê (preconceituoso) de que musicistas não trabalham e são os filhos rebeldes (e que não deram certo), imagine os trabalhadores que prestam serviços a esses músicos, entre roadies, técnicos de som e produtores.
Claramente há um julgamento ruim, de desdém, tanto que ela é comparada com uma tiete quando irrita sua irmã.
Beth está grávida e resolve conversar com a irmã sobre essa questão, mas ao chegar percebe que a vida dela está um caos, ainda mais complicada que a sua própria.
Ellie recém separou do esposo, não tem condições financeiras de se mudar e em breve, sairá do lugar onde está com os filhos, já que o prédio em que reside é velho e condenado, será demolido em breve.
Depois de um terremoto, Danny acha uns itens antigos, escondidos na garagem do prédio. É dito antes que o prédio foi construído em cima de um antigo banco e parte baixa tinha fama se comportar um cofre.
Com os atritos das placas tectônicas, se abriu uma brecha na garagem. Como Danny é uma pessoa de baixa estatura, ele consegue se esgueirar. Vê ali itens religiosos, imagens e ídolos cristãos, entre o material que encontra se destacam vinis e um livro.
Aqui há um certo acréscimo a mitologia, onde se afirma que esse é o terceiro livro de Naturon Demonto, que é o nome do Necronomicon nessa parcela da franquia.
O filme possui muitas cenas de nojeira, com possuídos brincando no sentido de ser zombeteiro, lidando de forma sarcásticas também com as expectativas dos personagens entes queridos dos repossuídos. Já o body horror não é tão assertivo, especialmente graças ao CGI. Certamente o longa poderia ter mais coisas em efeitos práticos, visto que algumas cenas com escalpos e membros decepados são muito boas.
A ideia de começar a história pelo campo é uma boa sacada. Conversa com o que naturalmente se pensa a respeito de várias sagas de terror, não só com Evil Dead mas também Sexta-Feira 13 e até Cabana do Inferno, ou seja, apela a algo familiar ao espectador, mas sem deixar de lado alguma inovações.
Cronin havia feito antes Bosque Maldito, um filme original, com uma ideia boa sobre paranoia e troca de corpo e que envolvia terror com crianças. A qualidade desse não é tão positiva, especialmente por ser um filme morno, mas boa parte dos elementos de sustos e criação de atmosfera de medo são importados dessa obra, amadurecidos e tornados mais graves e íntimos graças as relações familiares entre Ellie e seus filhos.
O cineasta poderia facilmente replicar o que Fede Alvarez fez de correto em 2013, mas não, resolveu contar uma nova história, que tem sua originalidade e que se passa em um cenário fechado, mas bem diferente dos casebres e cabanas onde se passaram os outros quatro filmes.
A saída é esperta, original e muito bem-vinda. O uso dos cenários urbanos é indiscutivelmente bem explorado. Ele coloca as aparições demoníacas combatendo as vítimas nos elevadores, escadas de emergência, garagens, dutos de ar. Não há lugar seguro e nem escapatória.
O longa é um evento claustrofóbico e bem orquestrado. Nos aspectos técnicos também há muita regularidade, como na música de Stephen McKeon, que em alguns pontos exagera, por ser intrusiva em vários pontos, mas compõe no todo.
Já a fotografia de Dave Garbett funciona bem, ajudando Cronin a valorizar os espaços, amplificando as sensações de medo e desespero da família, tornando o lar deles no lugar de receio em ser pego.
A Morte do Demônio A Ascensão não é audacioso. Entrega exatamente o que propõe: nojeira, gore, splatter, muitas mortes e sustos. Até o momento, não há nenhum material audiovisual ruim dentro da franquia, e mesmo que esse não seja tão inventivo quanto foi o trabalho de direção de Sam Raimi, não há do que reclamar em matéria de qualidade, além de abrir a possibilidade para ter outras explorações da mitologia dos livros malignos em outros ambientes.
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