Boogeyman: Seu Medo é Real é um filme de horror que adapta uma das histórias mais famosas do mestre do horror literário Stephen King. A obra lançada em 2023 é conduzida pelo elogiado Rob Savage, diretor do segmento de horror B, especializado em produções assustadoras e sem grandes investimentos.
Aqui o esforço é o de contar uma história sobre luto familiar, em paralelo com a aproximação de um espírito maligno. Em alguns pontos, se mira um caráter dúbio, ponde em cheque a presença ou não de uma figura sobrenatural, mas em determinado ponto o longa se assume sim como a exploração de uma história de monstro.
O filme se chama The Boogeyman no original. Em algum ponto do planejamento se pensou em chamar o filme no Brasil de Bicho Papão: O Conto, fato que faria sentido. No entanto o termo aqui é utilizado de maneira infantil, tão largamente associado a um termo bobo que não causa mais qualquer reação amedrontadora.
A escolha por colocar o nome em inglês e um subtítulo foi bastante tola também, inegavelmente, já que parece ser um alvo de franquia. Esse é um filme desligado de qualquer cronologia, não há nenhum sentido de saga nele.
O elenco que Savage tem a disposição é curto, porém, é estrelado. A filha mais velha da família Harper é Sophie Thatcher, que interpreta Sadie, uma menina do ensino médio que parece melancólica e que piorou a instrospecção e timidez depois que perdeu sua mãe.
Ela tenta se desdobrar como estudante em período de formação acadência e como substituta de figura materna para sua irmã mais nova, a simpática Sawyer, de Vivien Lyra Blair, atriz que ficou famosa por ter feito a pequena princesa Leia na série Obi-Wan Kenobi. O pai delas é Will Harper, um psicólogo, interpretado por Chris Messina, que atende em casa.
Os três compartilham de uma tristeza familiar coletiva, tem uma sensação de vazio grandiosa e carregam uma sensação de estranhamento uma vez que estão orfãos de uma figura importante.
Eles fingem que está tudo bem, basicamente para não atrapalhar o lado sentimental dos parentes.
Essa foi uma produção que a 20th Century Fox considerava uma boa aposta. Na época de pré-produção havia um boom de adaptações de livros de King, a exemplo de It: A Coisa e A Torre Negra. Como o estúdio foi comprado, o projeto foi um dos muitos que foi deixado de lado.
Depois que retomaram o projeto, ele seria programado para ser um filme de streaming, mas acabou sendo lançado no cinema graças a um aporte de orçamento.
Chamaram então Savage, cineasta que trabalhou bem na pandemia, comandando Cuidado Com Quem Chama (ou Host) da Shudder e Dashcam. junto a Blumhouse. Essa foi uma coprodução canadense-estadunidense, rodado em Nova Orleans.
Essa é a segunda adaptação do material original, a primeiro foi um curta de 28 minutos, de Jeff Schiro, lançado em 1982. O conto foi lançado em março de 1973, na revista Cavalier e mais tarde em Night Shift, uma coleção de escritos curtos, feitos pelo escritor.
A obra possui argumento de Scott Beck e Bryan Woods, dupla que escreveu Casa do Terror, Um Lugar Silencioso e 65: Ameaça Pré-Histórica. O roteiro foi escrito pelos dois, junto a Mark Heyman, de Cisne Negro.
Tem produção de Dan Cohen, Dan Levine e Shawn Levy, trio que fez juntos Projeto Adam e Free Guy: Assumindo o Controle, com produção executiva de Scott Beck, Ryan H. Cunningham, Adam Kolbrenner, Bryan Woods, John H. Starke, Emily Morris e Robyn Meisinger.
A partir de agora falaremos com spoilers.
A premissa aqui é baseada em explorar um trauma psíquico, fato que aproxima esse Boogeyman Seu Medo é Real do clichê dos filmes de "pós-horror".
Ainda assim, a obra está longe de querer parecer pomposa e cabeçuda, como é normalmente o secto dos filmes que fazem parte desse pseudomovimento.
Após um péssimo dia na escola, Sadie retorna mais cedo para casa. Quando chega ela esbarra em um paciente de seu pai. O sujeito é Lester Billings, personagem do versátil David Dastmalchian. Ele é um homem aparentemente bom, que procurou o terapeuta graças a uma perda recente.
Os filhos de Lester foram mortos e ele é o principal suspeito, mesmo não tendo feito nada aparentemente. Em seu relato, ele afirma que algo dragou os meninos, consumindo eles de uma maneira que é difícil até de descrever.
Sadie só se depara com esse homem por conta do pai ter tentado ligar para a polícia, para que recolhessem o mesmo. Como era horário escolar ele imaginava que estaria sem as filhas em casa, então não tomou precauções maiores, tampouco recorreu a medidas mais drásticas e violentas.
Não há muita enrolação nesse início, a trama se desenrola de maneira rápida e direta, mostra Lester indo atrás da moça, mas não para lhe causar mal e sim para tentar se aliviar, uma vez que só quer falar para ela do infortúnio que está vivendo.
Como era de se esperar ele não a alcança a tempo, já que ela estranha a atitude dele e corre. Quando se encontra com ele novamente, o sujeito já está morto, enforcado, no cômodo que era o ateliê da mãe dos Harper.
O que não fica claro é se ele fez isso para tentar passar adiante a maldição, se ele foi manipulado pela "coisa" ou se ele não sabia como lidar e se viu obrigado a se matar antes que a entidade atacasse mais gente. Caso tenha sido a última ideia, certamente não deu certo.
Há claras semelhanças entre esse e Sorria, não só pela coincidência de ter sido alçado do streaming para os cinemas, mas também por lidar com personagens que tiram a própria vida e por ter uma condição de depressão implícita em mais de um dos protagonistas.
De certa forma, o longa de Parker Finn tirou o brilho desse Boogeyman, já que a maioria das surpresas de um já estavam mais do que exploradas no outro. Caso houvesse uma distância maior entre um e outros, certamente poderia resultar em uma recepção mais calorosa para o filme analisado nesse artigo.
Na trama as duas meninas tem momentos que são relativamente tranquilos, levando em conta que são pessoas cuja casa virou palco de uma morte. No entanto, a fala de Lester parece ter ganho vida, já que eventos estranhos ocorrem no lar dos Harper, especialmente com Sawyer, que reclama que há algo em seu quarto.
O desenrolar da assombração cercando a menina se dá de maneira bem lenta, ainda mais se comparar ao início frenético e cheio de informações do primeiro terço. Filmes que adaptam contos tem desses problemas, e o roteiro não lida muito bem com o fato de esticar a história e a premissa.
O monstro tem aparições quase sempre em flashs, em momentos muito rápidos e breves, quase sempre nos ambientes escuros. Ele povoa os pesadelos e momentos de devaneios da filha caçula.
Segundo Rita Billings (Marin Ireland), a esposa de Lester, o bicho-papão vai atrás dos vulneráveis, fato que encontra eco com relatos de religiosos que tecem comentários sobre aproximação de espíritos obsessores e encostos. Na maior das religiões cristãs, demônios tomam as pessoas ou as aterrorizam quando há alguma brecha, quando há espaço não lavado pelo sangue de Deus. Aqui o conceito é semelhante, mas sem o componente religioso.
O cenário da casa de Rita é simples e assustador, é uma residência cujo aspecto é envelhecido, parece um lar abandonado, cheio de velas, feita assim para espantar a escuridão. Há um bom trabalho de design, e a sequência é tensa, termina com tiros, já que Rita não sabe muito bem como lidar com a criatura.
O filme possui algumas fragilidades em seu texto, como o absoluto sumiço do pai em boa parte da exploração da história. Se passa quase um terço do filme sem que ele apareça. Will só retorna para recolher os pertences de sua esposa morta, como se a sua responsabilidade com a família, parasse no momento em que ele se despede de sua mulher.
É fácil encarar a postura dele como uma referência ao mal da ausência de pais, subtexto esse bastante comum em filmes e na literatura de horror, fato tão corriqueiro em produções que lidam com assombrações que acaba sendo um dos pilares no clássico A Hora do Pesadelo.
No entanto, parece que é apenas o caso de um desleixo com o roteiro. Como o personagem dele é bastante exigido no conto, é capaz que o trio de escritores não tenham se dedicado tanto a justificar os atos do personagem nos momentos que não compreendem a tradução literal da historieta de King. O conto original é basicamente a sessão de terapia com Lester.
Todo o horror dos Harper é original do filme.
Ao menos há um cuidado em retratar a condição de tristeza de um grupo familiar que perdeu alguém.
Até quando se gasta um tempo mostrando uma trama adolescente, o luto afeta. Sadie convida amigas para uma festa do pijama, tenta exalar uma normalidade que não é a dela, mas até esse festejo é estragado rapidamente, graças ao fato das meninas não terem trazido muito álcool.
Essa parte tem momentos bem engraçados, especialmente nessa questão de inconveniência, mas a sequência termina séria, bem dramática, com uma virada tão rápida de chave que chega a ser inesperada.
Savage tenta aumentar a duração com momentos que, em teoria, não levariam a trama para frente, mas até nesses trechos há um aumento do escopo do horror, com sinais bizarros e aparições pontuais do monstro. A certeza de que há de fato uma criatura malvada atrás dos personagens é bem aumentada ao longo da história.
O problema aqui é o monstro, cuja aparência é tão irregular que é difícil de definir. Como ela está quase sempre no escuro é difícil avaliar como ele é, até porque ele muda de forma.
Em alguns pontos tem um rosto de inseto, em outros tem braços longos e esguios, se movimenta igual ao Gollum de O Senhor dos Anéis. Para um filme como esse, era importante que o monstro metesse medo, se não toda a atmosfera pareceria algo banal.
Quando chega no final há algumas boas surpresas. Aparentemente Savage optou por pegar emprestado elementos de It:A Coisa para montar o seu bicho papão, já que o monstro se manifesta baseado no receio de cada pessoa.
Quando Sadie o enfrenta, ele abre uma bocarra, de dentro dela saem braços. Essa configuração é bizarra e assustadora, de uma maneira quase indizível e indescritível, claramente houve a intenção de representar um monstro de H.P. Lovecraft.
Boogeyman Seu Medo é Real é um filme de horror leve e divertido, uma boa introdução para novas plateias, no entanto, carece de identidade. É parecido demais com tantos outros filmes, e aparentemente tem receio em se assumir como uma adaptação de Stephen King, tentando soar mais realista e mais sóbrio do que a maior parte das produções baseadas em escritos do autor.
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