Crítica: A Lenda de Tarzan

A Lenda de TarzanA Lenda de Tarzan parte de uma ideia curiosa: continuar a história do personagem criado por Edgar Rice Burroughs, trazendo-o como um herói lendário, mas que tenta viver uma vida comum e é inserido em um contexto político. Esse último quesito, aliás, não é exatamente uma surpresa considerando que o diretor dessa nova produção centrada no personagem é David Yates, que já mostrou ter uma queda por tramas políticas na minissérie Stateof Play (adaptada para o cinema em Intrigas de Estado) e ao comandar toda a segunda metade da franquia Harry Potter. Em A Lenda de Tarzan, Yates faz um filme que entretém, mas que não escapa de ter ideias executadas de maneira frouxa.

O roteiro escrito por Adam Cozad e Craig Brewer se passa no fim do século XIX e traz Tarzan (Alexander Skarsgård) tentando viver uma vida normal na Inglaterra, assumindo seu nome verdadeiro, John Clayton III, e ficando ao lado de sua esposa, Jane (Margot Robbie), enquanto se esforça para deixar para trás seu passado nas selvas. Mas quando George Washington Williams (Samuel L. Jackson) o chama para acompanha-lo até o Congo, a fim de denunciar possíveis abusos que a Bélgica está fazendo com o povo local, John retorna a suas origens selvagens, enfrentando no processo a ameaça do capitão belga Leon Rom (ChristophWaltz), que pretende captura-lo em troca de valiosos diamantes que podem ajudar o governo de seu país.

A motivação por trás da trama é essencialmente política e humana, mas esse aspecto acaba ficando meio de lado para que o roteiro conte uma história comum envolvendo os esforços de John para salvar Jane das mãos de Leon. Além disso, um dos grandes problemas de A Lenda de Tarzan é a estrutura do roteiro, já que por mais que Adam Cozad e Craig Brewer queiram continuar a história que vimos em outras ocasiões (como na famosa animação da Disney, de 1999), eles ainda sentem a necessidade de mostrar o passado do herói através de uma série de flashbacks que nem sempre surgem organicamente ao longo do filme, causando problemas no ritmo da narrativa. Para completar, chega a ser triste ver os roteiristas apelarem para diálogos pavorosamente expositivos para esclarecer alguns pontos para o espectador, como “Ele as conhece desde filhotes”, “Foi aqui que Jane cresceu” e “Eles estão cantando a lenda de Tarzan”.

Apesar disso, o modo como o filme aborda seu protagonista é interessante e bem desenvolvido, apresentando um homem que tenta recuperar na Inglaterra a vida que supostamente teria tido caso seus pais não tivessem se perdido nas selvas africanas, evitando inclusive que sua imagem como Tarzan seja usada politicamente por figuras poderosas. Assim, ele se esforça em ser John Clayton III mesmo que este não seja quem ele se tornou ao longo dos anos (em determinado momento, ao ficar sozinho em uma carruagem, ele solta um “uh” típico de macacos, como se precisasse conter seus hábitos diante das outras pessoas), sendo natural que ele se entregue a sua natureza animalesca ao retornar ao lugar onde se criou, principalmente quando precisa enfrentar os perigos que aparecem em seu caminho. E Alexander Skarsgård faz um trabalho eficiente nesse sentido, conseguindo fazer com que o personagem não se defina só por seus atributos físicos.

Quanto aos outros personagens, o roteiro claramente se esforça em desenvolvê-los de forma que eles tenham algum peso dramático, cumprindo esse objetivo razoavelmente. O George Washington Williams (uma figura real, aliás) interpretado por Samuel L. Jackson inicia a projeção sendo a porta de entrada do público ao universo do protagonista (os diálogos expositivos citados anteriormente são falados diretamente para ele), mas aos poucos ele ganha personalidade, além de ter uma dinâmica interessante e, por vezes, divertida com John. Já a Jane de Margot Robbie infelizmente surge como a típica donzela indefesa, ainda que ao longo do filme ela desafie os homens ao seu redor e claramente demonstre saber mais que os vilões. Finalmente, ChristophWaltz concebe seu Leon Rom (outro personagem real) com sua já clássica persona cinematográfica, o que já está quase virando um clichê por si só, usando seus maneirismos para criar um antagonista bastante cortês, como podemos ver, por exemplo, em seu modo de falar ou quando ajeita delicadamente os talheres em um prato. E apesar de inicialmente parecer inofensivo, o personagem é capaz de mostrar-se ameaçador quando menos se espera.

Na condução das cenas de ação, David Yates consegue dar intensidade a algumas sequências, como a luta entre o protagonista e um macaco, e divertir em outras, como na pancadaria que acontece no interior de um trem. Vale dizer, porém, que há momentos em que o diretor não consegue mascarar o uso da computação gráfica, chegando a criar uma breve perseguição em cipós a partir disso, com as figuras humanas virando meros bonecos digitais. Mas se nesse sentido a utilização da tecnologiafica evidente demais, o mesmo não pode ser dito sobre a concepção dos animais, que convencem até quando interagem com os humanos (a própria luta citada no início deste parágrafo é exemplo disso).

A Lenda de Tarzan deixa a impressão de que tinha potencial para render uma obra melhor do que a que vemos. O filme de David Yates funciona enquanto dura, mas acaba ficando longe de ser um trabalho marcante envolvendo seu clássico personagem.

Thomás Boeira

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