O Que Fazemos Nas Sombras é um filme de vampiros que se tornou muito famoso ao longo dos anos, não só graças aos seus próprios méritos, mas também pela fama tardia de seus realizadores. Obra que mistura elemento de comédia e horror através de um estilo de mockumentary, é portanto, uma ficção que finge ser um documental, que se vale de um humor que parece escrachado, já que é ridiculamente hilário, mas reúne em si uma inteligência considerável, já que é milimetricamente pensado para desafiar o status quo.
Coprodução entre Nova Zelândia e Estados Unidos, a narrativa conta histórias, no plural, de alguns mortos vivos que dividem a mesma casa antiga. O grupo é registrado em seu cotidiano por uma equipe de filmagem de um documentário que passa meses com eles, não ficando claro se era para denunciar que eles eram loucos ou se realmente acreditavam que eles sofriam com vampirismo.
Essa versão longa é oriunda de um curta metragem de 2005, chamado What We Do in the Shadows: Interviews with Some Vampires. As duas versões são parecidas, dirigidas e escritas pela dupla Jemaine Clement e Taika Waititi, com a segunda sendo obviamente mais expandida que a primeira.
A obra foi rodada em cinco anos, editada e lançada em 2014. Entre pré-produção, filmagem e edição foram necessários 9 anos para levar o filme às telas. Parte da dificuldade em montar o roteiro foi o elevado número de filmes e programas de TV de vampiros que ficaram populares ao longo desses anos.
Essa versão tem como produtores Emanuel Michael, Chelsea Winstanley e Taika Waititi.
A dupla de roteiristas afirmou que as influências do filme foram Os Garotos Perdidos, Drácula de Bram Stoker e Entrevista com o Vampiro, obras fortemente citadas, referenciados ou meramente imitadas no filme. É possível encontrar referência também aos filmes populares Blade: O Caçador de Vampiros, Crepúsculo e a série Buffy: A Caça-Vampiros.
Era dito na época que apesar de a obra se inspirar no clássico romance Drácula de Bram Stoker, Clement ainda não tinha lido o livro até a época de lançamento, em 2014.
O filme rodou o circuito de festivais, passou no Sundance Film Festival em janeiro, no Berlin International Film Festival, no estadunidense Stanley Film Festival além do Sydney Film Festival. Na Nova Zelândia estreou em 19 de junho de 2014.
As gravações foram extensas, cerca de 125 horas de bruto, boa parte delas improvisadas pelo elenco. O processo de edição levou quase um ano, sendo um grande esforço para encaixar o bruto em um corte de 90 minutos. Os diretores cogitaram disponibilizar todas as filmagens online, para que os fãs possam assistir e eventualmente editar sua própria versão, mas isso não ocorreu, ao menos não foi disponibilizado tudo.
O título original do longa é What We Do in the Shadows. Na Argentina e Equador é Casa Vampiro. No Canadá é Vampires en toute Intimité, na Croácia é Kad padne mrak, na República Tcheca é Co děláme v temnotách. Na Itália é Vita da vampiro - What We Do in the Shadows, na Turquia é Aylak Vampirler e em Portugal também chama O Que Fazemos nas Sombras.
O filme foi filmado na Nova Zelândia, com cenas em Rita Angus Retirement Village em Kilbirnie, Yeung Shing Restaurant, The Big Kumara, Mr Thank You, Boogie Wonderland, Glassons 80 Cuba St, Aro Valley, 36 Para Street. Victoria Bowling Club e Te Aro em Wellington.
O morro onde os vampiros se desentendem com os lobisomens - Mount Victoria - é o mesmo morro filmado em O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, onde Frodo e os hobbits fogem do Cavaleiro Negro e se escondem sob as raízes de uma árvore. Além disso, o prédio usado para as tomadas externas da casa dos vampiros costumava ser o escritório de Peter Jackson.
Os estúdios por trás do filme são a Da Unison films, Defender Films, Pank Road Post Production, New Zealand Documentary Board, New Zealand Film Commission, Funny or Die e Resnick Interactive Development que não foi creditado como tal.
A distribuição na Nova Zelândia foi da Madman Entertainment, da Metrodome Distribution no Reino Unido, além da Paladin e Union nos Estados Unidos.
Clement e Waititi escreveram 150 páginas de roteiro, mas não mostraram o script para as pessoas de equipe e elenco. Para os atores descreveram apenas os traços gerais da personalidade dos personagens e o assunto de cada cena, às vezes fornecendo apenas o começo e um final para cada sequência.
O objetivo era manter uma atmosfera espontânea, permitindo que os atores se surpreendessem com os acontecimentos, pegando assim o efeito surpresa com algumas das situações pitorescas do filme.
Cada um dos personagens principais é semelhante a um vampiro de um famoso filme de vampiros: Petyr é análogo ao Conde Orlok de Nosferatu, Deacon reflete David de Os Garotos Perdidos, Vladislav é uma imitação do Drácula de Gary Oldman, Nick lembra Edward de Crepúsculo e Viago é como Louis de Pointe du Lac de Entrevista com o Vampiro.
O elenco é formado por Taika Waititi como Viago von Dorna Schmarten Scheden Heimburg (né von Blitzenberg) de 379 anos. Ele é mostrado como o sujeito tenso da família.
Em um dos seus retratos, Viago é identificado como um conde. Waititi fez até um vídeo promocional para o site de namoro da Nova Zelândia FindSomeone, com o nome Viago von Grossenhymen. A inspiração parra o modo de agir e andar dele foi em parte retirada do androide de Star Wars C-3P0 e em parte copiado da mãe de Taika.
Vladislav the Poker, tem 862 anos, é um ex-tirano com poderes de sedução e domínio mental muito potentes. Clement baseou sua atuação no Drácula de Francis Ford Coppola e refere-se a si como Vlad, the poker, uma brincadeira com o infame Vlad, the impaler (o empalador), o potentado da Transilvânia do século 15 que foi a principal inspiração para Drácula.
Viago e Deacon vieram da Alemanha para a Nova Zelândia, embora Deacon seja originário da Romênia, junto com Petyr. Está implícito que Vladislav também é da Romênia, até pela referência ao Empalador.
Johnny Brugh, que assinava Johnathan Brugh faz o Deacon Brücke, vampiro de 183 anos que funciona como o jovem rebelde do grupo, que gosta de tricotar, pratica danças eróticas e de hipnotizar humanos. É o mais descolado do grupo, ao menos tenta ser assim.
Ben Fransham é Petyr, de 8.000 anos - um vampiro semelhante ao Conde Orlok, personagem de Max Schrek em Nosferatu que vive no andar de baixo do apartamento em um caixão de pedra e geralmente se mantém sozinho.
Ele foi concebido como desprovido de personalidade, mas quando o ator estava maquiado Fransham simplesmente improvisava, até por seu equipamento ser muito caro para rodar apenas cenas dele estático. Foi daí que saiu a cena dele ouvindo música.
Cori Gonzalez-Macuer faz Nick - uma vítima que desejava ser transformada em vampira por Petyr. Stu Rutherford é Stu, o melhor amigo de Nick que apresenta aos vampiros a tecnologia moderna.
Rutherford não havia desempenhado um papel de destaque em nenhum filme antes deste. Ele foi figurante em Boy e trabalhava meio período como analista de negócios em uma empresa de Wellington, a LanWorx.
Foi contratado para trabalhar com computadores, teria um pequeno papel no filme, mas acabou aumentando a sua participação. Jackie van Beek interpreta Jackie, um humano próximo de Deacon, que limpa a sujeira dos vampiros e os conecta com potenciais vítimas.
Também há Rhys Darby como Anton, o líder de um bando local de lobisomens. Darby e Waititi também trabalharam juntos Nossa Bandeira É a Morte, série de comédia iniciada em 2022, onde eles fazem Stede Bonnet e Barba Negra respectivamente.
Ethel Robinson é Katherine Heimburg, o amor da vida de Viago, também há Elena Stejko, que faz Pauline - ex-namorada de Vladislav a quem ele chama de "A Besta". Jason Hoyte é Julian, o novo namorado de Pauline e Karen O'Leary como o Oficial O'Leary - uma policial que é chamada à casa dos vampiros.
Mike Minogue faz o Oficial Minogue, um policial que é chamado à casa dos vampiros. Ele afirmou ser um parente distante da cantora/atriz Kylie Minogue, mas ele é conhecido por brincar e fazer piadas, possivelmente estava brincando ao falar disso.
Taika dirigiu Loucos Por Nada em 2007, Boy em 2010, depois dirigiu A Incrível Aventura de Rick Baker, os curtas Equipe Thor, Equipe Thor: Segunda Parte, além de Thor Ragnarok, Jojo Rabbit, episódios em The Mandalorian e Thor: Amor e Trovão.
Ele e seu parceiro Clement estão em fase pré-produção da versão para o cinema de Incal, quadrinho autoral que reuniu o artista visual e quadrinista Moebius e o diretor e roteirista de cinema Alejandro Jodorowsky.
Clement vinha do papel de vilão Boris The Animal em MIB: Homens de Preto III, depois fez o narrador Tamatoa em Moana: Uma Mar de Aventuras. Teve um bom papel na série mutante Legion.
Ele é o criador da série O Que Fazemos nas Sombras, que esteve no ar entre 2019 e 2023, além de Wellington Paranormal, que é um spin off desse filme.
Emanuel Michael produziu Loucos Por Nada e Boy, O Último Concerto e Grandes Esperanças. Chelsea Winstanley produziu Jojo Rabbit, Night Riders e Ka Po.
Um filme derivado, intitulado We're Wolves entrou em desenvolvimento, mas até então, não teve grandes avanços. Ele seria um mockumentary também, seguiria um grupo de lobisomens que vivem em Wellington, na Nova Zelândia.
O spin-off que ganhou as telas foi Wellington Paranormal, já citada nesse artigo, como uma produção Taika Waititi/Jermaine Clement. Tem foco nos policiais que chegam na casa após a briga entre Deacon e Nick, que investigam vários tipos de fenômenos paranormais.
O filme inicialmente não foi muito bem em sua terra natal. Graças a isso a distribuição para os Estados Unidos chegou a ser cancelada para os cinemas. Um esforço dos diretores fez com que exibições do longa ocorressem nos EUA após uma campanha de arrecadação no Kickstarter. A obra ficou tão popular que acabou se tornando o filme mais pirateado do ano de 2014.
A casa onde moram os vampiros funciona quase como uma república, mas só fica claro a completa ausência de seriedade, quando o Viago de Taika aparece.
Até então os letreiros determinam que o registro em documentário é sério, e que cada membro da produção usa um crucifixo, para não ser atacados pelos sugadores de sangue.
O Conselho de Documentários da Nova Zelândia, introduzido nos créditos obviamente não é uma organização governamental como é dito na intro, mas sim uma empresa especializada em produções de comédia.
Viago é o primeiro a acordar, às 18 horas em ponto, ou seja, é tão regrado e metódico que faz o que seria o equivalente humano a acordar no amanhecer. Ele é quem desperta cada um dos seus camaradas.
O último a ser acordado é Petyr, o mais velho entre eles, que conta com 8.000 anos, um vampiro que que vive no andar de baixo do apartamento em um caixão de pedra.
A aparência dele também lembra a versão televisiva para A Mansão Marsten ou A Hora do Vampiro (do original Salem's Lot) dirigido por Tobe Hooper e lançado em 1979. Lembra também, obviamente a versão de Willem Dafoe em A Sombra do Vampiro, filme dramático que trata Max Schreck de Nosferatu como um vampiro real.
Além dos vampiros e dos personagens que orbitam eles, há Jackie, a personagem que limpa a sujeira dos vampiros e os conecta com vítimas em potencial. Sua interprete Jackie van Beek estava nos primeiros estágios da gravidez durante as filmagens.
Há vários momentos peculiares na rotina, como o fato de acumularem louça suja por anos, sem nem perceber. A justificativa é que cinco anos para um imortal pode ser uma semana para humanos.
Outra questão nonsense é que Vladislav é solícito na hora de mostrar sua câmara de tortura...até sorri para a câmera, mostrando o lugar como se fosse um cômodo comum, um evento banal, tal qual uma pessoa apresentando banheiro ou cozinha quando chega uma visita.
Outro número curioso é a cena em que Viago aparece mostrando um colar de prata de sua antiga amada, segurando o mesmo com luvas, para não se machucar. Quando ele aproxima a joia de seu peito, queima ao simples toque.
O humor é todo na base do constrangimento e dos gracejos típicos de situações ímpares.
Eles andam pela cidade à noite, conversam com outros vampiros, de maneira estilosa, mas não condizente com a época em que se passa. Acaba soando engraçada por conta disso.
Vários números cômicos aparecem, de vampiros que foram transformados quando crianças e se dedicam a matar pedófilos, ou seja, se tenta dar a eles uma função social, um papel naquela sociedade.
Os bares e casas noturnas que os vampiros visitam são bares reais no distrito de entretenimento de Wellington, localizado em torno de Courtenay Place. Isso ajuda a dar substância e contexto ao filme, faz ele parecer real, apesar da premissa ser ridícula.
Durante as filmagens a equipe de produção perdeu um esqueleto/corpo de poliestireno carbonizado depois de jogá-lo no porto. Taika Waititi comentou que como o esqueleto era realista, a equipe teve que divulgar um comunicado à imprensa dizendo que se alguém encontrar esse corpo carbonizado na praia, não se assustar, afinal é apenas um adereço. A cena em si foi uma das muitas que foram descartadas.
Assuntos pesados e espinhosos são tratados de maneira leve e extremamente cômica. A cena de Viago preparando o cenário para morder uma vítima, cobrindo tudo com plástico e papel para não sujar - ele tem uma compulsão por limpeza tremenda - acaba de maneira meio trágica para ele, com o sujeito atingindo uma artéria que espalha sangue para todo lado.
O momento é ridiculamente hilário, resulta em um símbolo tragicômico justamente pela frustração do personagem, que tenta em vão não se mostrar constrangido naquele momento.
O registro de quando vão dois humanos servir de alimento para os vampiros (Nick e Stu) é maravilhoso e patético ao mesmo tempo. Apela para o bizarro e é hilário de tão tosca que é a perseguição.
O grupo de lobisomens é mostrado como um núcleo estranho e demasiadamente selvagem. Ele tem o hábito de cheirar a virilha um do outro, imitando assim os hábitos caninos de animais domésticos.
Mesmo sendo seres seculares, eles aprendem coisas novas, mas só conseguem entender de tecnologia e internet graças a Stu.
Momentos da rotina culinária são mostrados, como Nick passando mal, porque comeu batata frita - ele vomita sangue e tudo - também há piadas com masturbação em caixões. Essa parte acaba soando pesada e meio escatológica.
Dado o orçamento pequeno, os efeitos especiais são até ok. Usam e abusam de figurinos e efeitos práticos, utilizando CGI em breves momentos. A sequência da polícia entrando na casa, quase achando várias coisas suspeitas, é maravilhosa, especialmente porque a música de Plan 9 brinca com o volume, sempre aumentando o grau dela, quando estão prestes a ser descobertos como assassinos, mas isso não ocorre. Se brinca com essa expectativa à toa mesmo.
Há piadas com um baile, onde Viago afirma que queria ir de Blade. Entre encontros com a besta e brigas toscas, eles farreiam, tal qual humanos comuns. Tentam aparentar uma normalidade, ainda que soe macabra e bizarra afinal, eles se baseiam em tropos do horror.
A cena com os lobisomens é bem-feita, dadas as dificuldades do filme em gerir orçamento. Há um bom uso de efeitos práticos. Considerando que esse é um filme de comédia, é bastante elogiável isso.
Ainda há uma piada final, onde Viago assume uma relação com uma amada humana, pessoa com quem ele se relacionou anos antes. Ele decide procurar ela, para transformar ela em vampira, mas ela é já idosa, fato que gera um sem número de piadas.
O que Fazemos nas Sombras é ridículo e hilário, consegue fazem muito com pouco dinheiro. É possivelmente a melhor coisa dentro da filmografia de Taika e o maior trabalho de Jemaine como realizador. É uma obra memorável, divertida, trash e uma boa alternativa para quem gosta de mockumentarys.
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