Argo, longa dirigido por Ben Affleck que estréia neste final de semana, conta a absurda história de como uma idéia ruim (a melhor de todas as idéias ruins, de acordo com um dos personagens) foi responsável por salvar seis funcionários da Embaixada norte-americana no Irã, refugiados na casa do diplomata Canadense após uma revolta promovida pelo aiatolá Khomeine. O mais interessante é que se trata de uma trama verídica. Mas, Argo também é um filme sobre filmes. Quando Tony Mendez (Affleck) resolve que a única forma de tirar os refugiados do país é fazê-los se passar por uma equipe de produção de um longa-metragem, a trama aproveita para fazer comentários sobre o sistema da indústria de Hollywood, apaixonados e críticos. O novo filme de Ben Affleck, portanto, são duas obras em uma. E são duas ótimas obras.
Quando focada na tensão vivida no Irã, Argo assume características de thrillers como os dirigidos por John Frankenheimer. Sim, o diretor é bom a ponto de poder ser comparado a um dos grandes nomes da sétima arte. Seu controle da situação é total e as cenas envolvendo a invasão da Embaixada americana logo no início da projeção já ditam muito do ritmo e de como o filme se esforçará (de forma bem-sucedida) para convencer o espectador de que tudo aquilo aconteceu de fato. Unindo imagens de arquivo, fica difícil distinguir o que é real e o que foi reconstituído. Affleck também se beneficia da eficiência de seu montador, William Goldenberg, que com transições impecáveis entre uma cena e outra, torna a narrativa extremamente fluida. O raccord entre os momentos é de uma beleza cinematográfica ímpar.
Para aliviar todo o drama, as sequências envolvendo a preparação para colocar o plano em prática seguem um ritmo mais próximo ao do que Steven Soderbergh fez com sua trilogia Onze Homens e Um Segredo, sem as piadas internas e as situações surreais, mas com humor suficiente para o espectador se sentir um pouco aliviado, mesmo que a todo o momento o filme o lembre da tensa situação no oriente-médio através de flashes de telejornais da época, outro ótimo recurso narrativo para contextualizar a história e afirmar sua veracidade. Com o auxílio de um elenco de apoio que conta com John Goodman, Alan Arkin e Bryan Cranston, não é surpresa tudo correr tão bem. Goodman vive John Chambers, o lendário maquiador responsável pelos símios de O Planeta dos Macacos e pelas orelhas do Sr. Spock na série original de Star Trek. O ator traz todo seu carisma à tona principalmente quando divide a tela com Arkin, na pele de um produtor de Hollywood. As cenas em que ambos tentam explicar para o protagonista como a indústria funciona são hilárias, principalmente na visão dos fãs de cinema.
E os cinéfilos com certeza irão adorar saber que o filme falso usado como disfarce para a operação de resgate, o Argo do título, é uma daquelas produções que surgiram após Star Wars, tentando capitalizar com o sucesso da saga espacial. É aí que o filme de Affleck faz seus comentários mais relevantes. Em uma cena, um dos refugiados, já disfarçado como parte da equipe de filmagem, tenta explicar para um soldado iraniano sobre o que se trata a falsa ficção científica que seria rodada naquele país. E quando é notável a fascinação de outros dois guardas pelo tema, através da inflamada demonstração do personagem, que inclui efeitos sonoros feitos pela boca e exibição de storyboards, fica claro como histórias sobre heroísmo são universais. E como o ocidente sabe aproveitar isso rompendo barreiras religiosas ou ideológicas. O impacto cultural dessas produções também é retomado no último momento do longa, quando caracteres surgem na tela para explicar o que aconteceu com Mendez e os outros personagens.
Sem cair na armadilha de parecer um produto do “imperialismo norte-americano”, Argo também alfineta decisões do governo e falta de senso dos próprios funcionários da embaixada que, seguros de que o povo do Irã nunca ivadiria o lugar, usavam um quadro de Khomeine como alvo para dardos.
Mas o que importa mesmo é a competência de Affleck, que só cresceu como cineasta e tem entregado um filme sempre melhor que o anterior. Dirigido por si mesmo, o ator até convence mais do que o normal e, mesmo canastrão, não faz feio como personagem central. Argo é uma das gratas surpresas do ano, competente demais em suas ambições e digno dos elogios que vem acumulando desde sua estréia nos EUA. Contando com a mais absurda das histórias, fascina o espectador da mesma forma que a ficção científica encanta os guardas iranianos citados anteriormente. Não por ser um produto ocidental para as massas, mas porque todo mundo gosta de uma boa trama heróica.