Crítica: As Memórias de Marnie

omoidenomarnie02-posterCoube a Hiromasa Yonebayashi dirigir a última aposta do Studio Ghibli, produtora sempre elogiada pela crítica de cinema mundial, que sofre perdas cada vez mais graves desde que Hayao Miyazaki anunciou sua aposentadoria na direção de filmes. A melancolia predominante no imaginário dos fãs do estúdio também está presente no conto de Anna (Takatsuki Sara), uma menina orfã e sem amigos, que acaba de se mudar para a cidade de seus novos pais adotivos.

Não existe pressa na condução do drama, com uma construção lenta e gradual do estado de solidão da menina, focando nas dificuldades comuns a uma moça que chega a um novo ambiente. Passada meia hora de filme, Anna encontra a personagem título, uma menina loira, cheia de vida, que passa a ser sua amiga quase instantaneamente, por ter em comum com ela grande parte dos sentimentos que tem, inclusive o de isolamento.

Marnie (Arimura Kasumi) guarda segredos estranhos, especialmente em relação a sua origem e existência, levantando questões que discutem até as faculdades mentais de Anna, utilizando a carência da menina para discutir temas adultos e sensíveis. A relação de Marnie e Anna é de interdependência, fator comum entre amizades mais maduras. O paralelo não é à toa, uma vez que o tema discutido em relação a construção da personagem Marnie envolve uma intensa e bela discussão sobre a vida e as manifestações espirituais dela.

Apesar de não ser demasiado inspirado, o filme consegue reunir uma gama de assuntos normalmente indistintos, sob uma atmosfera que mistura o entretenimento infantil com uma abordagem sentimental de questões como a vida após a morte, fugindo do maniqueísmo exacerbado que normalmente permeia as fitas ocidentais sobre o assunto, sendo em absoluto um fruto do seu meio, no que tange a filmografia japonesa de animação.

O roteiro ainda toca em temas complicados, sobre troca de favores e questões envolvendo capital financeiro, em detrimento de bons tratos a menina adotada, sem ignorar ou subestimar a inteligência do infante. As surpresas, deixadas para o final, explicitam um sentimento terno e puro que já estava mais do que evidente durante todo o processo do filme, dando ainda mais significado para a amizade cheia de completude que ocorre entre as duas meninas. Apesar de esquemático, As Memórias de Marnie consegue ser um espécime afetivo, tanto em seu texto final, como no tratamento empático, que envolve o público no conto exibido.

- Texto de autoria de Filipe Pereira, editor do site Vortex Cultural

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