Crítica: Planeta dos Macacos: A Guerra

No que diz respeito a superproduções lançadas nos últimos anos, o ressurgimento de Planeta dos Macacos certamente é uma das coisas mais interessantes e surpreendentes. Com uma proposta que mistura a ideia de prequel (mostrando o que ocorreu antes dos eventos do excepcional filme original de 1968) com a de um reboot (dando uma repaginada em certos pontos que vimos anteriormente), a franquia voltou não só exibindo efeitos visuais excelentes, mas também maturidade e coragem para fazer alegorias e comentários político-sociais inteligentes e relevantes. Sendo assim, se Planeta dos Macacos: A Origem foi um exemplar eficiente e sua continuação, O Confronto, mostrou-se ainda melhor, este A Guerra trata de concluir a trilogia brilhantemente, se estabelecendo como o melhor longa da série desde o original.

Escrito pelo diretor Matt Reeves e por Mark Bomback, A Guerra se passa cinco anos após os eventos do filme anterior, mostrando um César (Andy Serkis) ainda mais evoluído junto com sua comunidade de macacos, que ele lidera buscando firmar um espaço onde todos possam viver sem se preocupar com os humanos remanescentes. Estes, por sua vez, se veem cada vez mais ameaçados diante do crescimento dos símios, tendo declarado guerra a eles.É então que, depois de um ataque realizado pelo Coronel (Woody Harrelson) e sua tropa, César parte em uma jornada para confrontar aqueles que querem o fim de sua espécie, sendo auxiliado nisso por alguns de seus fieis aliados.

Em determinado momento do filme, o dizer “Kong bom é Kong morto” pode ser visto sendo ostentado pelos humanos em uma parede. É uma frase que ajuda a estabelecer os temas que A Guerra busca explorar ao longo da história, com uma espécie agindo violentamente ao ver sua existência ameaçada de alguma forma, dando voz a um medo que inevitável e até inconscientemente faz com que tal espécie se torne tão monstruosa quanto aquela que acredita estar condenando. Podemos até levar isso a outro patamar, com os humanos se sentindo ameaçados por aqueles que simplesmente são e/ou pensam diferente deles, não querendo ver figuras como essas dominando um território que, supostamente, não é seu (nisso, o fato de a construção de um muro ser inserida na trama é um toque apropriado tendo em vista os planos da era Trump nos Estados Unidos). Com esses pontos, o roteiro consegue explorar com inteligência e naturalidade aspectos muito vivos na sociedade atualmente, desde a intolerância política e ideológica até o preconceito e a xenofobia (já diria o cineasta Eric Rohmer: “Todo bom filme é um documento de sua época”).

Mas, A Guerra não é admirável apenas pelos temas que aborda. Desde o princípio, Matt Reeves aposta em um tom sombrio que ganha força na tensão que ele impõe na tela, algo que percorre quase toda a história. São detalhes bem ressaltados pela fotografia de Michael Seresin e que chegam ao ápice nas sequências de ação. Estas, aliás, são conduzidas com segurança absoluta por Reeves, que aproveita o investimento do público nos personagens para fazer com que estes momentos sejam envolventes e inquietantes, desde o confronto inicial até o terceiro ato situado na base do Coronel e seus homens. É bom ressaltar em meio a isso a bela trilha de Michael Giacchino, que por vezes opta por tons melancólicos ao invés de algo mais épico, uma decisão interessante considerando que os conflitos do filme são essencialmente tristes, com vidas sendo perdidas em ambos os lados.

Para completar, é impossível falar sobre o longa sem mencionar a excepcional concepção dos macacos. Assim como ocorria nos exemplares anteriores (especialmente O Confronto), os animais não parecem meras figuras criadas em um computador, de tão convincentes e "humanos" que surgem na tela, o que se deve tanto aos efeitos visuais quanto ao trabalho de performance capture dos atores que os interpretam (durante a projeção, perdi a conta de quantas vezes esqueci que não são macacos de carne e osso que estão ali). E Matt Reeves várias vezes foca personagens como César e o orangotango Maurice (Karin Konoval) em primeiríssimos planos, como se fizesse questão de mostrar o brilhantismo do filme nesse aspecto.

Falando em performance capture, Andy Serkis novamente se destaca no papel de César,que se firma de vez como o personagem mais complexo de toda a série Planeta do Macacos, mostrando aqui como o ódio e o rancor são capazes de consumir alguém por mais que este preze por paz e compaixão. Em uma atuação que transmite uma série de emoções só pelo olhar, Serkis encarna a força de César com propriedade, fazendo dele um líder que inspira seus companheiros e que é inspirado por eles, de forma que a dinâmica deles chama a atenção pelo carinho e pelo respeito mútuo que todos têm uns pelos outros. Mas se Serkis é o grande nome do filme, Woody Harrelson (um ator do qual sou fã confesso) não fica muito atrás, com seu Coronel se estabelecendo como um contraponto perfeito a César. E é bom ver que o roteiro não o trata como um vilão unidimensional, o que culmina em um monólogo longo e até mesmo tocante no qual ele deixa suas motivações muito claras, naquele que certamente é um dos melhores momentos do filme. Outros destaques são o Macaco Mau interpretado com um carisma encantador por Steve Zahn, que serve eficientemente como alívio cômico, e a jovem personagem interpretada pela expressiva Amiah Miller, que consegue ser uma figura que faz o público ter um pouco de esperança na humanidade.

Ao sair de Planeta dos Macacos: A Guerra, o pensamento de que a franquia não precisa de outros filmes me veio em mente. Uma ideia que provavelmente não será seguida pelo estúdio, seja por conta do lado comercial ou pelo potencial alegórico da série. Mas, por ora, o que temos aqui é uma obra impressionante tecnicamente, rica em seu conteúdo e que encerra seus arcos narrativos de maneira digna e emocionante.

Thomás Boeira

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