Crítica: Trapaça

410503.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxNem Martin seria tão Scorsese quanto David O. Russel foi em Trapaça.

Vindo do chocante O Vencedor e do delicado O Lado Bom da Vida, David O. Russell parece mesmo ter achado seu caminho. Em seu mais novo trabalho, Trapaça, o cineasta mantém o bom nível, entregando algo que, certamente, fará muitos cinéfilos, órfãos de uma época inesquecível, sentir forte nostalgia. Digo isso porque, logo em sua abertura, identificamos, de cara, qual é sua principal intenção: homenagear, em forma e estilo, o trabalho de uma das figuras mais icônicas da história da sétima arte, o mito Martin Scorsese.

O fazer do filme é tão comparável que poderia, facilmente, se entender como um competente exercício narrativo ou uma pura imitação – nunca barata. Elementos figurativos como narração em off, personagens caminhando num leve slow-motion, em ângulos laterais, enquanto se ouve ao fundo uma antiga canção estadunidense e, principalmente, as gags e diálogos tão marcantes nos personagens de Scorsese, são fatores presentes que comprovam a óbvia finalidade do diretor.

Devo confessar que isso não me incomodou. Aliás, senti-me realizado por conferir, novamente, características tão marcantes que me fascinaram em títulos como Os Bons Companheiros e Cassino. Pois, como é sabido, Martin Scorsese é um homem que tem fases bem definidas em sua carreira. E, felizmente, não volta ao passado, nesse sentido, está sempre se reinventando. Logo, provavelmente, jamais veríamos algo do tipo sendo realizado pelo próprio.

Mas antes que este texto, assim como o filme, torne-se mais reflexo que imagem, entremos, então, em Trapaça. Um conto que, mesmo se passando na década de setenta, e contando a história de um real trapaceiro, bebe muitíssimo da fonte mafiosa americana. E, em meio a este ar costumado, fica fácil embarcar no universo do figurão Irving Rosenfeld (Christian Bale). Um golpista que, junto a sua sensual sócia e amante, Sydney Prosser (Amy Adams), é obrigado a colaborar com o intrépido agente do FBI, Richie DiMaso (Bradley Cooper), onde acabam se envolvendo, até mesmo, com a política nacional, através do candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). Mas com aparição e envolvimento da esposa de Irving, a histérica Rosalyn (Jennifer Lawrence), o trem acaba saindo dos trilhos e o plano tomando novos rumos.

Trazendo, como primeiro plano, o close de um Christian Bale (Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge) irreconhecível, com 18 quilos a mais e uma barriga gigantesca – outra das várias metamorfoses físicas do ator –, somos, de pronto, fisgados pelos personagens apresentados. E é justamente aí que está toda força do longa: suas figuras dramáticas. Que, sim, são perfeitamente bem desenvolvidas, com seus defeitos e encantos, mas que, acima de tudo, imprimem uma hiper-realidade. Fazendo com que o espectador compre o que está sendo exposto em tela e se envolva, ainda mais, com a trama, que se mostra deveras interessante, no que refere às intrigas.

Até mesmo porque, o título é detentor de inúmeras atuações absolutamente competentes. Como é o caso de Amy Adams (O Homem de Aço), que com sua Sydney está mais sexy do que nunca. Ou na figura surtada criada por Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes - Em Chamas), que teve inspiração para Rosalyn ao ver The Real Housewives of New Jersey. Bale também confere um ar desajeitado e, ao mesmo tempo, nobre à Irving. Fechando o ensejo temos Bradley Cooper (O Lugar Onde Tudo Termina), que vive um agente esquisito, e é a grande surpresa do novo cinema norte-americano.

Como já foi dito, David O. Russell emula o estilo Scorsese para construir sua narrativa, que flui de forma orgânica, no primeiro e segundo ato, contando, com naturalidade e bom ritmo, a história explanada de formato linear. Porém, com o tempo, começamos a sentir um pouco de peso na mão do diretor. Que no intuito de explicar, detalhadamente, como será feito a estratégia do plano armado e em tomadas expositivas de romances, que nada acrescenta a trama, deixa a fita com um aspecto inchado.

O roteiro, também assinado por O. Russell, ao lado de Eric Warren Singer (Trama Internacional), possui diálogos espertos e uma estrutura elegante. Tem uma enorme gama de personagens, com falas precisas que são fundamentais para construção de perfis. Como é o caso dos papéis vividos por Louis C.K. e Robert De Niro, que desempenham perfeitamente bem suas funções. Este último, não por coincidência, é caracterizado como o próprio Scorsese – ou, pelo menos, um de seus personagens –, com óculos de enorme armação e lentes de grau forte. Porém, é evidente salientar que o roteiro não apresenta o mesmo poder contagiante dos que Martin teve em mãos. Ou mesmo na montagem do trio Alan Baumgarten, Jay Cassidy e Crispin Struthers não se aproximar do dinamismo de Thelma Schoonmaker – antiga montadora do Scorsese, em todos os seus títulos.

Por outro lado, a sempre empolgante trilha dos filmes de O. Russell, assinada pelo experiente Danny Elfman (O Estranho Mundo de Jack), ganha, novamente, grande destaque na película, pois acompanha e narra, em segundo plano, todo seu andamento. E conta no cast com nomes como Elton John, Duke Ellington, The Bee Gees, America, Jack Jones, entre outros. A fotografia envelhecida de Linus Sandgren (Terra Prometida), repleta de grãos estourados e tons intensos, auxiliada pela excelente direção de arte de Jesse Rosenthal (Rocky Balboa), também impetra êxito por nos transportar à época referida.

Elogiado pela crítica e vencedor de inúmeros prêmios ao redor do mundo, Trapaça é o principal candidato a conquistar o Oscar de Melhor Filme, batendo de frente com o petardo contemporâneo do próprio Martin Scorsese, O Lobo Wall Street. Se David O. Russell merece o prêmio? Acredito que não, pois, ainda que, de um modo geral, seja eficiente, não é uma obra completamente original, em sua essência. E, mesmo sendo ele visto sem ação comparativa, é um filme que possui problemas em seu corte final, montagem e execução, soando prolixo após os créditos finais. E, no ano de obras-primas como Gravidade e Ela, seria quase uma afronta se este os vencesse – claro, num mundo justo, onde o Oscar fosse sinônimo de qualidade artística e não campanha de marketing.

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2 comments

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    Carla Machado 8 fevereiro, 2014 at 17:13 Responder

    Eu gostei, mas esperava mais , talvez por toda campanha nos EUA….
    Mas não sabia e quando dei de cara com Louis C.K. em cena, AMEI, amei.
    Uma grata surpresa. Adorei ve-lo mais que tudo.
    E como esta menina Jennifer é boa: ficou muito menos em cena e deu muito mais show de interpretação do que Amy.
    Enfim, acabei gostando mais das interpretações de todo o elenco fantástico do que do próprio roteiro e até da direção.

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