Drive My Car - Uma obra que enclausura e liberta personagens

Com quatro indicações ao Oscar 2022 (Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Filme Internacional, tendo vencido esta última), o longa-metragem japonês Drive My Car, do diretor Ryusuke Hamaguchi, dos interessantes e imperdíveis Asako I & II e Roda do Destino, e adaptado de um conto do renomado escritor Haruki Murakami, é uma obra que enclausura e liberta personagens quase que em mesmas medidas.

Dos apartamentos entre viagens, aviões, bancos traseiros de um carro ou os espaços da coxia e do palco de um teatro, Drive My Car mexe com os sentimentos de vários personagens cujos passados atormentam suas capacidades de melhor lidarem com o presente. Além disso, de forma bastante didática, lúdica e cuidadosa, o filme trata sobremaneira acerca da arte de roteirizar, dirigir e atuar. Com isso, não temos o tradicional metalinguístico ‘filme dentro do filme’, e sim, o teatro dentro do filme.

Personagens e diálogos, por vezes, confundem-se para esclarecer o espectador. O que para os personagens é e pode ser apenas atuação e leitura de roteiro, para o espectador, poderão soar como pistas e recompensas sobre o mais íntimo dos personagens principais. A forma como o roteiro da obra traz excertos de ‘Tio Vânia’, peça do dramaturgo e escritor russo Anton Tchécov, recompensa os espectadores que, diegeticamente, ou seja, a partir de diálogos não-expositivos e inerentes às funções dos atores de teatro dentro do filme de atores, passam a conhecer mais sobre as personas apresentadas a partir das leituras da clássica peça de Tchécov.

Com isso, Hamaguchi liberta-se para investir visualmente em tomadas que ora aprisionam e ora libertam seus personagens. Em distintas ocasiões, o aprisionamento ao passado impede qualquer desenlace no presente delas e deles. No filme, as dores parecem só serem despidas quando se está no palco ou quando inevitáveis diálogos e monólogos, já distantes do palco, suplantam todas as dores para acontecer.

Drive My Car, mesmo com as suas três horas de duração, não possui excessos. É o inverso: ele usa a própria duração para, com a lentidão necessária, nos entregar certos detalhes que passariam desapercebidos em um filme com duração bem menor. A calmaria narrativa é não apenas um recurso cinematográfico, mas move-se como um personagem pela estrada, ajudando a evitar sons e ruídos que cortariam a imersão. O que é bom, visto que em um filme já silencioso em sua forma, todo e qualquer som se destaca.

Ainda assim, perto do fim, há um momento-chave de ausência total de som, em que o presente, na tentativa de finalmente se libertar, veste-se de passado. Quase como um sonho, a neve branca toma quase toda a tela e o vermelho intimista e doloroso do carro-personagem, ambos em uníssono, comungam-se. São preciosos segundos bastante reveladores e poéticos.

Estamos falando de um filme estilizado e que bem sabe os locais em que deve colocar a câmera, como também é operístico na forma como conduz encenações teatrais e fílmicas, além de oferecer certas viradas no roteiro (os plot twists) que não possuem pressa alguma para impactarem o espectador. Falando em pressa, os créditos iniciais do longa-metragem surgem em tela apenas aos quarenta minutos de projeção.

Ainda que os Road movies em geral nos encantem (ou forcem nosso encantamento) ao exibirem paisagens deslumbrantes ou curiosas, Drive My Car vai além: mesmo em meio aos belos cenários campais e urbanísticos de Hiroshima, importa ainda mais o que acontece nos diminutos espaços de um carro vermelho.

Jônatas Andrade

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