Toc Toc Toc: Ecos do Além é um lançamento do cinema de horror que foi imediatamente abraçado pelo público fã do cinema de gênero, apesar de ter sido um fracasso de bilheteria. Longa de Samuel Bodin, está para estrear no dia 31 de agosto, focando em uma história de horror familiar bizarro.
O filme se chama originalmente Cobweb, que seria um nome obviamente bem melhor do que o escolhido no Brasil. Curiosamente esse nome foi utilizado em vários outros países da América do Sul. No cinemas lation0-americanos como Chile, Colômbia, Argentina, Peru e México é possível achar como Toc Toc Toc ou com pequenas variações, acompanhado do subtítulo El Sonido Del Mal.
Distribuído pela Lionsgate, essa é uma produção da Point Grey Pictures e Vertigo Entertainment. A direção ficou a cargo de Bodin, famoso pelo fan film Batman: Ashes to Ashes , que traz um combate do Morcego contra Arlequina, além de ter dirigido a série Marianne, da Netflix.
Foi escrito por Chris Thomas Devlin, roteirista do recente O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface. No entanto o nome que mais chama a atenção aqui é a o do produtor Seth Rogen, ator de comédia que se aventurou a produzir obras de estilo distinto, baseada em quadrinhos, como Preacher, The Boys, Invencible e o recente As Tartarugas Ninjas: Caos Mutantes.
Estão com Rogen também Evan Goldberg, diretor de É O Fim e A Entrevista, além de James Weaver, parceiro desses dos últimos em The Boys e também nos filmes citados. Os outros produtores são Roy Lee, experiente profissional que trabalhou em dezenas de filmes de horror, como It: A Coisa, Doutor Sono, Noites Brutais, além do iniciante Andrew Childs, que trabalhou como produtor executivo do futuro filme Salem's Lot de Gary Dauberman.
O protagonista do filme é um menino bonzinho, chamado Peter, conhecido por ser solitário, tímido e possuidor de uma imaginação bastante fértil. Essa caracterização o faz o candidato ideal para crianças maldosas, que praticam bullying com ele, na escola.
Ao longo da história é percebido que ele que não possui tranquilidade sequer em casa, uma vez que é perturbado por estranhos barulhos da residência, que parecem batidas ou sussurros. Segundo seus pais, esses sons são apenas barulhos comuns de uma casa velha, uma vez que a residência onde estão de fato é uma casa antiga.
Peter é chamado por seus entes queridos pela abreviação Pete, e mesmo sendo calado, é um menino encantador, difícil de não simpatizar.
Ele é interpretado por Woody Norman, do recente Drácula: A Última Viagem de Deméter, e está bem melhor nesse, uma vez que é uma criança digna de torcida.
Já os seus pais são feitos por atores famosos: Mark é interpretado por Antony Starr, o Capitão Pátria de The Boyz, enquanto Carol é feita pela veterana Lizzy Caplan, conhecida por Meninas Malvadas, Masters of Sex e por Cloverfield: O Monstro, além de dezenas de produções que envolvem Goldberg e Rogen.
Os dois pais tem uma postura suspeita, carregando em si personalidade distintas. Mark é calado e contido, já Carol é emotiva e paranoica. Parece estar o tempo todo segurando um peso e um mundo de emoções conflitantes.
Como Peter não tem contato com mais ninguém, a postura estranha dos pais passa despercebida, afinal, aquela é a linha de normalidade para ele, o mais comum em quesito de relação familiar. Isso serve de comentário também sobre a configuração das famílias ocidentais, uma vez que toda sorte de peculiaridade é normalmente justificada graças a certos contextos.
Desse modo, não há família anormal ou disfuncional, e sim particularidades que são aceitas em nome da instituição que é a sagrada unidade familiar.
Os acontecimentos de Cobweb se passam perto da época de Dia das Bruxas, na cidade de Holdenfield, que obviamente, faz referência Haddonfield, a fictícia cidade de Halloween: A Noite do Terror, localizada em Illinois. Há muitas abóboras espalhadas pela cidade, assim como decorações com temas assustadores em alguns comércios, mas nada muito chamativo.
Nesse trecho inicial também se nota um bom uso da música original, assinada por Drum & Lace, conjunto que tem se notabilizado por participações em obras de horror, tendo marcado presença na série Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado e no proto-slasher They/Them: O Acampamento.
Aqui a música compõe bem a atmosfera idílica e mega estranha, facilita a sensação de paranoia e de que algo terrível se aproxima.
A obra foi filmado em Sofia, na Bulgária, mas quase não se nota a localidade estrangeira, já que a maior parte das cenas se dá em ambientes internos.
Como esse filme é recente, optamos por avisar que falaremos com spoilers.
O filme brinca o tempo todo com a percepção do menino, que enxerga problemáticas e monstruosidade em tudo, inclusive em seus pais.
Antes mesmo de Peter ouvir a tal voz em sua casa ele já enxerga seus parentes como figuras amedrontadoras. A fotografia de Philip Lozano facilita essa percepção, registrando as sombras dos pais como algo grandioso, tal qual na imagem acima.
Em meio a solidão, Peter escuta batidas na parede, que vão se intensificando a medida que a história passa e que seus problemas pessoais aumentam. O filme é cuidadoso em estabelecer dubiedade, ele pode estar imaginando tudo aquilo, pode ser paranoico ou pode estar enxergando esses sinais como tentativas de comunicação com um amigo imaginário.
Fica claro que ele não está inventando desculpas ou fatos contra si, apesar de Mark e Carol tratarem esses barulhos como algo não real. De fato há batidas nas paredes, embora não fique claro se elas são constantes ou não, se ocorreram apenas uma vez, sendo repetidas apenas na ideia do menino.
Ainda assim há uma dedicação a esclarecer tudo, tanto que Carol desperta no meio da noite para conferir se há algo errado com a parede da casa. Aqui há referências as fitas antigas, como em Bonecas Macabras, que é focado em uma menininha imaginativa, que acaba percebendo algo errado e fantástico à espreita, como também abraça o ideal do clássico infantil Criaturas Atrás das Paredes de Wes Craven, que possui uma temática bem semelhante a esse.
Peter é excluído, mas não há motivo para ser tão isolado. Ele é apenas um menino introspectivo. É completamente injusta a perseguição que ele sofre, assim como a violência a que é submetido. Ele sofre basicamente por existir, aludindo assim, a boa parte da motivação de bullys reais. Não é incomum que uma criança persiga outra unicamente por que é maior ou mais forte, e o filme registra isso muito bem.
A partir desse ponto até se justifica o fato dele ser calado, ele inclusive deve reforçar essa condição, já que falar contra seus abusador não deve ter garantido a ele qualquer segurança.
Sua melhor amiga é uma pessoa que não tem a sua idade, no caso, a professora substituta Miss Devine (Cleopatra Coleman), uma moça recém-chegada na escola, que parece bastante atenciosa e solícita, algo raro por Holdenfield.
Para Pete não é incomum conviver somente com adultos, ainda mais diante da violência que sofre. Ele tem receio de conviver com outras crianças e vai reforçando essa má sensação, quando lida com Brian, o menino interpretado por Luke Busey, que é o mais agressivo entre seus colegas.
Mesmo fazendo parte de uma família que conversa bastante, Peter se sente em um ambiente sem atenção. Os diálogos entre familiares são esquisitos, quase sempre frios, passam por diversos assuntos, entre eles, um boato de que uma criança desapareceu na vizinhança, justamente na época do dia das bruxas.
Isso causou muita tristeza na comunidade. Por esse motivo a família acaba exagerando na proteção ao menino, deixando ele dentro de casa quase sempre, proibindo ele de ir atrás de doces no halloween.
No desenrolar de sua solidão ele ouve uma série de discursos, vindos da voz que está dentro da casa, que aliás, diz que também é uma criança. Entre esses, há um conselho para que revide a violência que sofre no colégio. Como não possui muito parâmetro sobre o que é uma conversa saudável com pessoas se sua idade, ele atende o conselho, especialmente depois que a voz alega ser Sarah, sua irmã perdida.
Peter fica em dúvida se a conversa de fato ocorreu, fato é que ele assume aqueles conselhos como algo bom, e empurra Brian quando ele tenta agredi-lo. Sem ter noção do quanto de força deveria usar, ele acaba quebrando a perna do menino, e é expulso do colégio.
Os pais obviamente se irritam com essa questão e agem com raiva, mas ao invés de baterem no menor, eles cometem outro tipo de agressão, levando ele a um lugar escondido da casa, no porão, acorrentando ele, para que sozinho ele pense em seus atos.
Carol reage de maneira super emocional. É carente, parece ter submissão ao marido basicamente por ele possuir poderes sobre si. Quando ela chora, se desespera, é completamente desequilibrada.
Já Mark é de uma frieza impressionante. Ele parece estar se contendo o tempo inteiro, já que se nota que ele quer gritar e falar muito, mas é sucinto, mantendo a voz sempre baixa. Ele não age como um pai abusivo normalmente faz, sequer ameaça que fará algum mal, ele só age e todos o respeitam, abaixam a cabeça e não discutem.
Ao longo da história o menino tem pesadelos assustadores, que transformam seus pais em aparições monstruosas e fantasmagóricas.
Desnecessário dizer que esses trechos não são literais, mas as fantasias demonstram bem como o menino vê os seus parentes próximos.
A professora tenciona encontrar Peter após sua expulsão, mas é aconselhada pelo diretor da escola (Jay Rincon) a não ir até lá, afinal, o garoto não relatou sinais de abusos, nem morais e nem sexuais.
De fato, com o passado de desaparecimento de crianças, qualquer família de Holdenfield tem muitas razões para instalar uma rede de proteção exacerbada, mas isso não convence a mulher, que decide ir até a casa da família e toda uma sequência tensa ocorre, já que ela ouve barulhos de batidas, dessa vez de Peter, que está no porão, tentando falar com ela.
Bodin cria tensão, faz o espectador acreditar que o pai da família golpeará a docente com um martelo, mas isso não ocorre. Rapidamente a família volta a conviver em paz, ainda que esse estágio de tranquilidade seja claramente frágil.
Eles comem bolo de abóbora juntos, perdoam Pete por seus erros, devolvem ele ao seu quarto, mas os pais ainda parecem suspeitos, filmados de uma maneira sombria, tanto no sentido literal, afinal quase não há luz na casa, como também no campo sentimental, já que eles tem um comportamento soturno.
É como se tudo que ocorre dentro da casa fosse fruto de um pesadelo infantil, incluindo a intervenção de Devine e as conversas com a parede que Peter tem.
A dubiedade é aos poucos deixada de lado, ficando claro que Peter não se ilude ao conversar com alguém. Sua mãe se desespera quando percebe que ele rasgou o papel de parede, tendo contato com a pessoa através de um buraco.
A partir daqui falaremos mais sobre as viradas da trama. Leia sabendo disso.
A pessoa que fala com ele diz que foi escondida ali por seus pais. Sarah tem interpretação de voz de Aleksandra Dragova, mais conhecida por ser dublê em filmes como Assassino sem Rastro e Oferenda ao Demônio.
O desempenho da atriz é bom, ajuda a dar gravidade a situação singular que é apresentada. Aparentemente Sarah foi escondida ali também em um dia das bruxas, depois de contrariar os seus pais. Foi posta no porão, com correntes, tal qual o caçula foi mais cedo no filme.
Depois de perceber que o caçula é suscetível a sugestões, ela pede para que Peter revide o abuso dos seus pais. Ele obedece, temperando a sopa de Mark e Carol com o veneno que tem cheiro de canela, o mesmo que seu pai utilizava para matar os ratos que estavam na parede - na verdade utilizava para conter Sarah, que não consumia isso, obviamente.
Curioso que a menina não caiu nesse ardil, mas duas pessoas de meia idade só perceberam que estavam sendo mortas quando já era tarde demais.
Peter não só envenena seu pai e sua mãe, como corta a linha telefônica, para que eles não pudessem chamar a emergência. A cena de morte de Mark é agressiva, com ele vomitando uma gosma preta, que é expelida junto com partes de seus órgãos internos.
O menino que parecia inofensivo claramente tem um pensamento homicida enraizado em si, essa família passava por muitos problemas, para além do fato de ter um integrante escondido da luz solar.
A mãe tem um destino ainda pior, vomitando enquanto persegue o menino, com uma faca afiada em punho. Depois de ser chutada por ele e ser cortada pela arma branca, Carol avisa para não liberar a menina que habita as paredes, mas Pete ignora a parente moribunda, toma as chaves escondidas na roupa da parente, para abrir o relógio, que era a porta de entrada de Sarah para a dimensão interna da casa.
Mesmo depois que os pais do menino morrem, ainda há algumas boas surpresas, como a invasão domiciliar de Brian e seus amigos, que usam máscaras de halloween bem criativas, mérito de Alan Gilmore, o responsável pelo design de produção.
Gilmore tem muita experiência, foi diretor de arte em obras como a série The Tudors e o filme X-Men: Primeira Classe. Também assina o design do recente O Exorcista do Papa. Nesse trecho específico há referências a boas obras, especialmente ao clássico telefilme australiano A Fortaleza, de Arch Nicholson lançado em 1985, onde garotos usam capacetes de bichinhos para esconder suas identidades enquanto sequestram pessoas, além do clássico de invasão domiciliar Os Estranhos, de Brian Bertino, lançado em 2006.
Sarah é poderosa, dá cabo dos delinquentes rapidamente, deixando Brian como um dos últimos. Essas ações são calculadas para ocorrer de uma maneira tão cuidadosa que esconde a aparência dela, o que aliás, é sábio, já que assim o mistério é mantido pelo máximo de tempo possível.
A menina reclama de ter vivido sempre as sombras, escondida nas partes internas da casa, apenas por ser fisicamente estranha. Com o tempo ela deve ter desenvolvido habilidades sobre humanas, tanto que sabe manusear as pernas de uma forma que parecem braços sobressalentes.
No entanto era impotente quanto aos seus pais, não ficando claro se ela realmente não conseguia de libertar, ou se apenas devia obediência a eles, ficando ali até que seu irmão fizesse justiça para ela. A postura de Mark certamente influenciava para que ela fosse contida, ele devia ter algum poder maior sobre a filha, seja literal ou simbólico.
Bodin acerta em sua direção na maior parte do tempo. Consegue harmonizar elementos de suspense, horror e melancolia. Sua condução é paciente, constrói bem a tensão. Ainda consegue ser macabro, mas não é vazio nem nos momentos contemplativos.
As atuações também são boas, sobretudo a de Caplan. que consegue variar bem entre o arquétipo de mãe temerosa e de mulher supostamente histérica. Starr não acerta tanto, mas não compromete a trama, enquanto Norman está muito bem.
O que de fato diminui o filme é o CGI do monstro. Mesmo possuindo efeitos práticos bons, exibidos ao longo de todo o filme, mesmo tendo um gore considerável, a obra insiste no uso de um CGI barato e muito mal pensado.
Ainda assim, o saldo é positivo, apesar de outros pesares, como a montagem meio confusa em alguns pontos - demérito de Kevin Greutert, da saga Jogos Mortais - e brilhante em outros - graças a Richard Riffaud, que trabalhou em Marianne com Bodin.
Esse é o tipo de filme que a Lionsgate certamente tentaria transformar em franquia, não fosse ele lançado na gringa bem na época do lançamento de Barbie e Oppenheimer, fato que o fez ser um fracasso de bilheteria.
Toc Toc Toc Ecos do Além tem bons momentos, especialmente na construção de medo. Sua maior riqueza é o fato de pouco explicar, deixando que a imaginação do público preencha as lacunas deixadas. É uma pena que um produto tão legal tenha sido tão mal divulgado e mal pensado em matéria de marketing, até por ter um potencial para virar uma saga, mas ainda assim ele é autossuficiente, servindo maravilhosamente como obra solo.
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