Poltergeist: O Fenômeno do Terror Familiar

Poltergeist: O Fenômeno do Terror FamiliarPara boa parte do público consumidor de cultura pop, Poltergeist: O Fenômeno é um clássico do gênero terror. Dirigido por Tobe Hooper, cineasta que colecionava filmes inventivos e outros não tão bem-sucedidos comercialmente, essa seria a chance de conduzir uma obra comercial, condição essa dada pelo mago do cinema Steven Spielberg, que idealizou essa história aterrorizadora e familiar.

A trama acompanha a família Freeling, que passa a ter fenômenos estranhos ocorrendo em sua casa, na região suburbana de Orange County na Califórnia, no fictício bairro de Cuesta Verde

A família é formada por cinco pessoas: o casal Steve e Diane interpretados por Craig T. Nelson e JoBeth Williams, a filha adolescente Danna (Dominique Dunne), o filho do meio Robbie (Oliver Robbins) e a caçula de aparência angelical Carol Anne da icônica Heather O'Rourke.

Poltergeist O Fenômeno do Terror Familiar

Em uma primeira olhada é fácil atribuir aos Freeling a condição de uma família norte-americana genérica, formada por personagens comuns e sem personalidade, mas cada um deles é especial e singular, fato que já de início, confere uma caracterização própria dentro da premissa do filme.

O casal de pais parece ter sido obrigado a crescer rápido, dada a pouca diferença de idade deles com a filha mais velha. É fácil perceber isso por conta deles serem liberais o suficiente para fumar maconha sem cerimônias e com a porta do quarto de casal aberta, além de assumir que jamais bateram em nenhum dos três filhos.

Diane ainda se mostra bem-humorada quando as pessoas que trabalham na piscina da casa dão cantadas em Dana, lidando com bom humor com esses gracejos.

Já Steve é o protótipo do pai responsável. O sujeito trabalha bastante, é o mais bem-sucedido entre os corretores de imóveis da região, se esforça tanto que desfalece de estafa em frente a televisão quando chega em casa, viciado em trabalho como era Arnold Spielberg, o pai de Steven.

Diferente da esposa, ele parece querer se "endireitar", gastando seu tempo lendo biografias de figuras como o presidente republicano Ronald Reagan, além de adormecer ao som do hino americano, que é inserido de modo diegetico, já que sai da televisão ligada, pouco antes da mesma sair do ar e entrar na fase estática.

Poltergeist O Fenômeno do Terror Familiar

Curiosamente é nesse símbolo tipicamente tradicional, do pós hino que ocorre o primeiro contato da menina que mais tarde, haveria de ser capturada por forças sobrenaturais teoricamente mal intencionadas.

Spielberg escreveu o argumento do filme, e chamou a dupla Michael Grais e Mark Victor, para fazer o roteiro. Na narrativa é fácil perceber marcas de histórias do cineasta, especialmente com E.T.: O Extraterrestre, lançado no mesmo ano.

Para Spielberg era bastante importante que essa obra desse certo, e de fato, rendeu uma boa bilheteria. A fórmula é assertiva especialmente pelo enfoque na figura de Carol Anne, que é de longe a mais carismática entre as personagens.

A menina, que nasceu naquela mesma casa onde o filme ocorre, aparentemente tem uma conexão com o local, é sensível ao clamor das pessoas que tem seu sono perturbado pela construção das residências naquela região.

A suposição mais frequente entre os fãs é que o sono eterno dos espíritos foi violado pela construção da piscina dos Freeling, uma vez que se escavou um local mais próximo dos sete palmos do chão da superfície, e como Carol Anne nasceu ali, poderia ter uma conexão mediúnica com as almas.

Em Poltergeist 2: O Outro Lado, que teria participação de Grais e Victor no roteiro, seria estabelecido que Carol Anne era sensitiva, mas aqui, isso não é dado.

O contato com o espiritual é explicado por conta da localização das residências suburbanas terem sido fundamentadas em cima de um antigo cemitério, mas mesmo esses fatos tem suas pistas dadas ao longo do desenrolar da história, de maneira sábia, que segura o suspense por um bom tempo.

Nos anos oitenta, Steven Spielberg encabeçaria um projeto para televisão, de refilmar Além da Imaginação, e boa parte da premissa desse lembra o episódio Little Girl Lost, do seriado de Rod Serling.

No capítulo, Tina é a filha em uma família de classe média que é sugada por um portal para a quarta dimensão, e é resgatada por seu pai. Claramente, Carol Anne é uma versão de Tina, inclusive na situação de pressa, já que o tempo é um fator limitador da ação, além de outras coincidências entre ambas histórias.

Vale a pena ouvir o podcast do Masmorracine, sobre esse capítulo.

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A construção do medo se dá com pequenas demonstrações de que algo estranho existe na casa, primeiro com copos quebrando e talheres entortando, depois mosquitos importunam os moradores, e o cão Buzz passa a interagir com com alguém invisível. Desse indícios, somente o último parece um delírio fruto do uso de maconha, mas nenhuma delas é de fato algo terrível, ao menos na gênese.

Imaginar que tudo não passa de uma bad trip, é um bom pontapé, mas a trama não demora a mostrar que esta é uma batalha entre forças familiares e malignas. Na segunda meia hora de exibição o desespero já se instaura.

Spielberg tomou bastante cuidado com os aspectos visuais, tanto que contratou a a ILM - Industria Light and Magic, que trabalhou em Caçadores da Arca Perdida e Guerra Nas Estrelas para trabalhar tanto nos efeitos práticos quanto nos digitais.

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Essa mudança de foco e maior uso de efeitos começa a partir da visita dos paranormais lideradas pela Doutora Lesh (Beatrice Straight). O ingresso deles faz sentido, uma vez que chamar a polícia por conta do desaparecimento de uma criança de cinco anos na sua própria casa não parecia algo plausível.

Os primeiros ataques na casa são violentos. A velocidade do horror aumenta rapidamente, com uma árvore que ataca Robbie, sendo esse um dos medos de Spielberg tinha na infância.

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Reza a lenda que após o término das filmagens de ET, Spielberg estaria presente nos dias de filmagem praticamente todos os dias.

Relatos do assistente de direção John R. Leonetti (que futuramente dirigiria Annabelle) , é de que Tobe Hooper estava lá, mas as ações eram mais decididas pelo diretor de Tubarão.

Dentro dos simbolismos do filme, há alguns indícios que ajudam a fomentar essa teoria. A variação brusca da dinâmica familiar, que vai de um comportamento e espírito hippie, para uma super correção de pensamento e ação quase republicanos, podem ser vistos como a passagem do bastão da autoria, entre Hooper e Spielberg.

O promissor cineasta underground teria perdido o direito de contar a história como queria, para dar lugar ao sujeito que pensou a obra lá atrás e que se firmaria nessa e nas outras décadas como o sinônimo do cinema comercial de Hollywood.

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Boatos a parte, é fato que Spielberg esteve na maior parte dos dias de filmagem, e não é sequer propalado que houve briga entre eles. A relação era amistosa, mas certamente não deve ser agradável a Hooper ter sido veiculado como um mero subalterno em um filme seu.

Fato é que há muito mais indícios do cinema spielberguiano do que o do sujeito que fez Massacre da Serra Elétrica. Além do medo de árvores grandes, Spielberg também gostava de assustar suas irmãs, trancando elas no armário, com venda nos olhos, em um momento semelhante ao de Carol Anne, que não enxerga bem na dimensão para onde foi após ser sugada pelo armário do quarto.

Há quem associe Robbie a um alter ego de Steven. No documentário Spielberg de Susan Lacy, o cineasta afirma que seu pai era viciado em trabalho, como era o corretor vivido por T. Nelson, ainda que curiosamente ele esteja mais em casa do que fora no filme, se percebe que nos momentos chave, ele não está com a sua família.

Para um filho de pais separados, era importante fortificar a ideia de uma família lutando contra o mal para resgatar a unidade, daí se inserir como personagem, faz todo sentido.

Poltergeist: O Fenômeno do Terror FamiliarToda a sequência envolvendo a equipe da Doutora Lesh assusta bastante, com ilusões e contatos com os espíritos que facilmente derrubam a incredulidade dos personagens dentro da trama.

O auxiliar Marty (Martin Casella) protagoniza o momento mais nonsense do filme, primeiro por planejar fritar um bife no silêncio da madrugada, e depois, por conta da carne crua andar como se estivesse viva pela superfície da bancada da cozinha.

O gore aqui é ligado a nojeira da putrefação, com uma ilusão de que a comida estava cheia de minhocas e vermes, seguida por uma sequência no banheiro, com o sujeito desesperado tentando se limpar, vendo então sua imagem de putrefação mudar completamente seu semblante.

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Claro que visto hoje, é difícil não notar que é um boneco, mas a subida escatológica é uma ideia ousada, e é uma boa previsão da entidade fantasmagórica.

A exemplo de O Exorcista, os agentes bondosos contra o mal decidem apelar para alguém mais experiente e mais forte e é inserida a pequena e brava Tangina Barrons, personagem de Zelda Rubinstein, que além de atriz, se dizia também paranormal na vida real.

É curioso como depois de tudo que ocorreu, Steve resolve se mostrar cético com os poderes de clarividência que Tangina afirma que tem. Sua filha foi capturada por forças espirituais, sua casa está repleta de ações sobrenaturais potencialmente malignas, mas uma moça baixinha que diz ser médium, isso é inaceitável.

O visual escolhido para a personagem é fácil de subestimar, tal qual era com Yoda ou Mestre dos Magos, e graças a postura irônica e convincente de Rubinstein, é fácil se afeiçoar pela personagem, mas também há de se suspeitar de algumas de suas ações, pois seu diagnóstico próximo do final do filme, deu errado.

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A luta por trazer Carol Anne de volta é repleta de simbolismos, desde a corda jogada na fenda dimensional pela mãe, que reforça a ideia de filiação via cordão umbilical, até a confiança entre parentes, onde Steve e Diane finalmente protagonizam um beijo.

A sequência é emocionante, potente, mas não era o real fim ainda. O desespero toma conta de novo, em mais um momento de ataque quando os personagens estão indefesos. Claramente os pais da família subestimaram as chances de tudo dar errado.

A sequência final tem ataque de palhaço, referências a estupro, fantasmas que rugem como feras animalescas, portas de armário virando portais para o inferno, chuva de granizo, piscina cheia de lama e com caveiras - criadas pelo design Craig Reardon, que desmente o boato bizarro de que eram esqueletos reais - corrimão e batente de porta eletrificados, corredores que se alargam pelo infinito.

Diane luta, bravamente, contra sua casa, e sai de lá vitoriosa por muito pouco.

Um momento curioso é na já citada cena da piscina, onde JoBeth Willians cai, havia o receio da atriz em ser eletrocutada, já que em torno da água havia uma parafernália elétrica. Para convencer a moça, Spielberg teria gravado na água com ela, prometendo que se ela morresse, ele iria também para o além.

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De fato havia uma dedicação descomunal por parte dele e de sua equipe de produção, especialmente no intuito de tornar o cenário em algo vivo, e o sucesso nisso certamente foi alcançado.

Poltergeist: O Fenômeno é um terror jovem, feito para a família e não soa pejorativo nesse intuito, mostrando a vingança do mundo dos mortos contra os vivos gananciosos, mas focando seu maior terror na dissolução familiar como o maior dos medos.

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