Datas festivas normalmente são referenciadas pelo cinema de horror, desde Halloween, dia dos namorados e até natal. Para essa páscoa, escolhemos falar de um filme surreal, que faz horror com a figura terna e fofa dos roedores orelhudos que trazem chocolate para as crianças nessa data festiva bíblica: A Noite dos Coelhos, de William F. Claxton.
O longa-metragem de 1972 começa sua história com um tom sério, mostrando um jornal televisivo que aborda a problemática da superpopulação no planeta, e a possível escassez de recursos oriunda da predação humana.
Ao mesmo tempo, fala a respeito da praga de coelhos e lebres, que se multiplicam facilmente, através de um documentário datado de 1954, mostrando que essa é uma questão já antiga, um problema que os homens normalmente tinham.
A história se resume em uma referência ao cinema de animais gigantes atacando uma cidade interiorana qualquer, enquanto seus habitantes são dizimados por um mal estranho.
A câmera de Claxton vai ao sudoeste dos Estados Unidos, em uma cidade do interior que teve problemas com Lepus (termo científico para os pequenos mamíferos), nela chaga uma família: os Bennett, com o chefe dela, Roy (Stuart Whitman) sendo um pesquisador científico, sua esposa e assistente Gerry, interpretada por Janet Leigh, famosa por Psicose (e que teoricamente só aceitou participar do filme por ser rodado perto de onde morava) e com sua filha, interpretada por Mellanie Fullerton, a menininha apaixonada por coelhos Amanda.
Apesar de brilhante pesquisador, Roy consegue ser ludibriado por sua filha, que troca de lugar um dos coelhos que seria morto graças a uma experiência com uma solução anti-praga desenvolvida pelo ministério da saúde dos Estados Unidos, deixando um animal mutante com outros bichos "normais" de sua espécie.
A partir daí a sorte da população humana seria alterada, tendo que conviver forçadamente não só com a dificuldade de controle de natalidade dos coelhos, mas também com um novo mal.
Claxton estava acostumado a dirigir episódios de séries western como Rawhide, e outras de ficção cientifica como Além da Imaginação e Thriller. O roteiro é baseado em um livro, chamado The Year of the Angry Rabbit, de Russell Braddon
Aparentemente ele foi uma das poucas pessoas que levou a produção a sério. Em algum ponto das filmagens, o longa chamaria Rabbits, ao invés de Night of The Lepus, mas os produtores acharam o corte tão absurdo que mudaram o nome, tirando a referência mais óbvia aos coelhos, e deixaram o trailer sem qualquer menção aos bichos fofinhos.
Já na primeira morte se nota o quanto o filme é "complicado".
Um caminhoneiro desavisado estaciona na estrada, no meio da noite, e é aterrorizado por uma estranha figura: um monstro, mostrado apenas em close up, mas já se nota a aparência de um coelho.
No mesmo local, pela manhã aparece o cadáver do sujeito, ensanguentado e retalhado, jogado na grama, querendo fazer crer que o bicho fez um homem adulto em pedaços, com cortes parecidos com o de um machado, mas, repleto de mordidas, além é claro de ficar clara a barriga do ator mexendo, graças a respiração do mesmo.
É tudo bastante difícil de levar a sério. Um dos plots mais complexos envolve Leopold, um cientista vivido por William Elliot que ao analisar a carga do caminhão, afirma que o conteúdo é uma substância viva de características de parasita, semelhante a vampiros, e que foram violadas ainda no caminhão.
Na autópsia, ele sugere que as mordidas parecem as de um tigre dentes de sabre, um animal felino pré-histórico, nada a ver com o bichinho herbívoro pacífico o que é o coelho.
Ao menos no quesito humor involuntário, não há o que reclamar. É muito bom como os coelhos se escondem nas sombras, tal qual animais caçadores.
A tentativa séria em estabelecer um predador a espreita da presa - os homens - é sensacionalista e maravilhosamente tosca.
Os efeitos nos coelhos grandes, as cenas em cenários de miniatura, as fantasias que dublês usavam, e a musiquinha trágica de Jimmie Haskell realmente ajudam a formar um cenário dantesco, digno dos contos literários clássicos, mas completamente deslocado do que causava medo na segunda metade do século.
Os efeitos sonoros maravilhosos, com as criaturas relinchando como cavalos, ou rugindo como leões ou ursos, também são engraçados, e mostram que não há um som guia formalmente escolhido para os bichos, talvez variando pelo nível de raiva deles.
As cenas de domínio dos coelhos são sensacionais, uma vez que os cenários são miniaturas muito mal disfarçadas. As cenas de ação com fundo verde são ainda mais artificiais. É difícil acreditar que os animais são ameaças físicas, mesmo ensanguentadas, até pela natureza deles em se alimentar só de plantas.
Se o soro ainda mudasse o apetite, poderia justificar a caça, mas eles não comem os homens, há só um desejo assassino sádico e bizarro.
Vale também destacar a tentativa de criar suspense, repetindo a mesma cena, repetidas vezes, com os animais correndo na direção do perigo, em câmera lenta.
Claramente se reaproveita a mesma sequência repetidas e repetidas vezes, resultando numa tentativa fajuta de amedrontar a audiência, com poucas chances de realmente causar medo.
Claxton se perde na tentativa de homenagear os filmes catástrofe e de horror atômico com bicho gigante dos anos 1950, mas involuntariamente, acerta no alvo ao trazer uma obra digna de risos, que reúne elementos de Twilight Zone. A ingenuidade de tentar justificar as cenas noturnas nos ataques com clichês de filmes de vampiro tem seu charme, mesmo fazendo com que a Noite dos Coelhos pareça um café com leite no cenário de horror de sua época, e um filme que divertirá o leitor nesse feriado de páscoa, caso precise de algo tosco para assistir.