Durante o final de semana, fiz aquilo que todo fã da Marvel provavelmente também fez: a maratona da série original da Netflix baseada no Demolidor, e que faz parte do mesmo universo cinematográfico de Vingadores, Guardiões da Galáxia e, na TV, Agents of SHIELD. Conforme assistia aos episódios fui dando minhas impressões via redes sociais e reuni todas elas neste post, acrescentando os comentários sobre os dois últimos, que só estarão por aqui.
S01E01: apesar de alguns diálogos expositivos ridículos, como Matt e Foggy explicando pra corretora como pretendem trabalhar, o episódio inicial funciona bem, com uma ambientação sombria e brutal de um mundo que conhecíamos como um tanto colorido.
A apresentação desse submundo chega ao ápice na montagem ao final do episódio, que também aproveita pra indicar que as ações de Matt irão desencadear em uma escalada no mundo do crime, basicamente o que Gordon explica pro Batman no final de Begins, mas em Demolidor é mostrado e não explicado, o que compensa os diálogos expositivos citados anteriormente, ou seja, o roteiro mostra evolução já no primeiro episódio.
O grande destaque fica pra ambientação violenta da série, pelo menos nesse início, que apenas coloca as cartas na mesa e começa o "jogo".
Charlie Cox faz bem o papel do advogado cego e convence quando assume a persona do vigilante em início de carreira. As coreografias de luta são impecáveis e superam, até pelo valor de produção, que confere cenários bem interessantes à obra, as cenas de ação de Arrow, série que detém uma das melhores equipes de dublês da atualidade. O restante do elenco também não faz feio. Deborah Ann Woll faz uma Karen Page excelente, traumatizada o suficiente pra evocar o lado mais sombrio da história da personagem nos quadrinhos, já marcando a garota como alguém que já viu muito na vida, mesmo sem (ainda, pelo menos) ter entrado de cabeça no submundo.
S01E02: O segundo episódio usa uma estrutura batida: o herói machucado tendo flashbacks de um momento decisivo de seu passado, mas funciona por apresentar algo que havia ficado de fora do piloto. E o melhor, de forma bem orgânica.
Também apresenta a personagem de Rosario Dawson, que traz um easter egg do início das HQs do Demolidor, nos anos 60. Dica: o nome que ela dá ao Matt.
Algo que está me chamando atenção na série é a forte identidade visual dos episódios. As cores remetem imediatamente à fase do Brian Michael Bendis e aos desenhos do Alex Maleev no começo dos anos 2000 e a granulação nas cenas escuras (quase todas, já que ninguém é muito fã de acender luzes em Hell's Kitchen) traz uma textura marcante para a adaptação.
Novamente o destaque é ação. Com uma mistura de Operação Invasão e Oldboy, esta segunda entrada da série oferece uma das melhores batalhas em uma adaptação audiovisual de um personagem de quadrinhos.
S01E03: Murdock começa a desvendar a trama maior que envolve o crime organizado na Cozinha do Inferno. Boa sacada não focar na ação e desenvolver trama como uma história de tribunal.
Também é bom poder dar uma pausa no "triangulo amoroso" entre Karen, Matt e Foggy, única coisa que me incomodou na adaptação. Assim, o roteiro dá mais espaço pra mostrar a secretária dos advogados como algo além de um simples troféu ou futuro motivo de discórdia entre ambos.
E a primeira aparição do Fisk acaba sofrendo um pouco no impacto já que a série prefere apresenta-lo em um momento frágil.
Destaque técnico vai pra mixagem de som, inteligente e discreta, sem forçar a barra no sentido de radar do protagonista.
S01E04: Apesar de continuar construindo Wilson Fisk como um homem apaixonado (algo que faz parte da mitologia do personagem, mas que soa um tanto broxante à primeira vista) esse episódio finalmente estabelece o futuro Rei do Crime como uma ameaça física e imprevisível e Vincent D'Onofrio mostra porque foi escolhido para o papel. Não é fácil passar de um homem fragilizado perante uma linda mulher para um assustador vilão e o ator consegue isso perfeitamente.
O episódio foca as consequências da aparição do Demolidor, tanto no submundo, e por isso dá bastante tempo de tela para os vilões, quanto para as pessoas que o justiceiro deveria supostamente ajudar. No entanto, parece que a série sente a obrigação de mostrar uma cena de ação a cada nova entrada, algo que pode parecer interessante já que dá ao espectador o que ele quer, mas que se repetido demais pode engessar a narrativa.
S01E05: A "química" forçada de Karen e Foggy, o foco exagerado no romance de Fisk e Vanessa e o plano à lá Malcolm Merlyn transformam este no episódio mais sem inspiração até agora.
A trama parece ter estagnado neste ponto, mas o cliffhanger deixado nos momentos finais parece indicar mudanças no próximo.
S01E06: Com uma clara inspiração em um dos melhores momentos de Batman - Ano Um (sim, Batman e não Demolidor) o episódio tem uma premissa interessante, mas se torna um tanto arrastado pela falta de timing do roteiro, que segura demais a ação sem dar ao espectador alguma recompensa ao final.
O embate verbal do Demolidor com Fisk, no entanto, é bem interessante e ajuda a estabelecer as diferenças entre ambos.
Neste ponto da série fica a impressão que Drew Goddard tinha um direcionamento claro para a trama e que após sua partida (contribuindo apenas com dois roteiros) o novo showrunner, Steven DeKnight, mesmo com boas intenções, não conseguiu manter o mesmo nível e arrasta demais o conflito do Demolidor com o crime organizado, fazendo a história dar voltas em torno de si mesma, sem chegar a algum lugar bem definido. O primeiro arco se encerra neste sexto episódio, de forma meio anticlimática.
S01E07: Depois de dois episódios sem muito a acrescentar, a série dá uma bem-vinda pausa na trama principal para dar pistas de futuros conflitos. Scott Glenn encarna bem o enigmático Stick e protagoniza cenas tiradas diretamente da HQ O Homem Sem Medo.
Não sei se o que foi apresentado aqui ainda será abordado nessa temporada mas a impressão é que não e o episódio serviu mesmo de preparação para uma ameaça vindoura, que pode aparecer ou na segunda temporada ou ainda no seriado dos Defensores. Mesmo que não traga a recompensa nesse primeiro momento esta sétima entrada da adaptação oferece um respiro para uma trama que exibe sinais de cansaço.
Ainda assim, há espaço para um pouco da investigação de Karen e Ben Urich, subtrama que se encontra com outra, a que envolve Foggy e Karen, o elemento mais aborrecido de Demolidor até agora, principalmente por indicar uma provável, e desnecessária, rusga entre Matt e seu sócio.
S01E08: A série tem apresentado o vilão com uma tridimensionalidade singular. É bom por adicionar camadas a um personagem complexo, mas a falta de preocupação com a urgência também indica que os roteiristas tem mais planos pra vida privada de Wilson Fisk do que pra criminosa.
O background mostrado em flashbacks é um tanto clichê, mas funciona bem, pelo menos até a mudança de comportamento da mãe Fisk. Mas, não seria uma boa história noir sem uma figura feminina para servir de ruína. O que leva imediatamente à relação do Rei com Vanessa, uma mulher que também muda pelo bem do antagonista.
O roteiro faz algo muito interessante com a questão dos chefes orientais e como usam seus idiomas para afirmar suas posições de superioridade. E se torna ainda melhor por revelar como o Rei os manipula subvertendo essa ideia.
A trama evolui bastante no núcleo da investigação, o que é ótimo, e sinaliza que uma cisão entre Matt e Foggy pode vir também motivada por ideologia, o que minimiza um pouco a impressão incômoda de que Karen seria tratada como troféu pelo texto.
S01E09: o mistério e a pegada voltada para a ação dão o tom aqui. Novamente ligando o submundo da Cozinha do Inferno com os elementos introduzidos no E07 e que devem ser mesmo o mote para a próxima temporada, se torna um deleite para os fãs e para os novos espectadores.
Coloca um pouco mais de "cor" na série, ao apresentar melhor Nobu, além de finalizar com um momento clássico das HQs em um combate brutal entre *SPOILER* (assistam e verão).
O grande ponto positivo na subtrama da investigação feita por Ben, Karen e Foggy, é colocá-la finalmente no mesmo nível daquela feita pelo protagonista. Esse é o ponto em que a série dava voltas em torno de si mesma e que se tornava cada vez mais aborrecido. O espectador fica SETE episódios vendo três personagens investigando algo que tanto a audiência quanto o Demolidor já sabem!
S01E10: Um episódio intimista pra discutir a amizade de Matt e Foggy. Seria melhor sucedido se os diálogos de ambos não parecessem tão repetitivos.
A estrutura basicamente foi: cena com os dois conversando, corta pra Karen e Ben, volta pros dois conversando sobre a mesma coisa e usando quase as mesmas linhas de diálogos, corta pro Fisk, volta pros dois conversando ainda sobre a mesma coisa, com mais diálogos genéricos. Aliás, essa é palavra. Foi uma discussão genérica com Matt contando para o sócio coisas que já sabíamos, o tipo de vício perdoável em séries de TV cujos episódios se distanciam por uma semana e, por isso o roteiro precisa relembrar constantemente de ações passadas, mas não nas da Netflix, já que o serviço espera (e incentiva) de seus assinantes que confiram suas produções originais por maratona.
Aliás, Demolidor é a série da Netflix que mais usa dessa narrativa alongada só possível graças à disponibilidade de todos os episódios de uma só vez. É como se o programa fosse, de fato, um filme com 13 horas de duração, cujos atos são separados por 4 ou 5 capítulos. O primeiro ato dessa trama se encerrou no sexto episódio, o segundo no nono e a partir do 10 começa o terceiro ato. Assim, repetir informação não é nem uma ideia inteligente, nem orgânica para a narrativa proposta.
Um adendo: por conta dessa estrutura, me dei conta que o sétimo episódio, Stick, mesmo tendo ótimos momentos e Scott Glenn mandando bem como o treinador de Matt, surge como uma pequena sabotagem do texto, por importar mais com os conflitos que ainda virão (seja em uma segunda temporada ou na série dos Defensores) do que com aqueles em cheque neste momento da adaptação.
S01E11: Tenso e repleto de presentes pros fãs das HQs. Demolidor procurando informações com o Turk (ou Tucão, na época do Frank Miller), Melvin Potter e Matt finalmente percebendo que não pode continuar tomando porrada sem proteção.
Porém, o mais impactante fica guardado para os momentos finais em uma sequência cujo desfecho consegue ser plausível quando o espectador coloca na mesa todas as aparições de Wesley e como o personagem sempre se posicionou com tanta superioridade que o fez acreditar ser intocável.
S01E12E13: Chegando ao final da série fica muito claro que seu maior atrativo foi apresentar ao espectador e ao fã dos quadrinhos uma adaptação adulta, violenta e sombria que a Marvel jamais poderia entregar nos cinemas (já que estabeleceu seu universo e seu selo nas telonas como diversão familiar). O público-alvo do programa é muito mais os admiradores do Demolidor do que aqueles que não conhecem tanto assim o personagem, porém, a ambição foi a de entregar um seriado que fizesse jus aos melhores dramas da TV, como The Wire, Breaking Bad ou True Detective. Se foi bem sucedido nesta questão, já é outro assunto. Respondendo: não foi. Apesar de passar a impressão de uma trama complexa, o roteiro nada mais é do que uma história simples, esticada por 13 horas em episódios de duração exagerada.
A temporada gasta 7 entradas com uma investigação liderada por Karen, Ben e Foggy cujas descobertas já foram feitas pelo espectador e, pior, pelo protagonista. Apenas a partir do oitavo episódio, quando as tramas se encontram, é que algo novo é realmente adicionado à plot principal, tornando a maioria das cenas envolvendo a secretária e o sócio de Matt totalmente desnecessárias (e, pelo fato de indicarem um relacionamento para, logo em seguida, ignorarem completamente o que vinha sendo trabalhado, também se revelam perdidas e mal escritas).
Apesar disso, o conflito adicionado nos últimos dois episódios é suficiente para oferecer um desfecho digno, trabalhando algo que havia ficado diluído logo depois do E03: o embate interno de Matt entre sua vida de advogado e a de justiceiro mascarado, algo que surge em ótima forma no E13, fechando bem a temporada e ainda oferecendo a esperada evolução de uniforme (que também representa a aceitação do protagonista quanto a vida que escolheu levar).
Tecnicamente impecável durante toda sua empreitada, essa temporada deu sinais de cansaço, de falta de direção e de que poderia ser, a qualquer momento, canibalizada pela própria ambição. Por sorte, conseguiu oferecer ao espectador momentos inteligentes quando se propôs a ilustrar a ação do herói cego e coreografias empolgantes e brutais nas sequências de lutas (que foram várias e jamais repetitivas).
Basicamente, Demolidor entregou uma temporada muito mais focada em desenvolver um universo urbano cruel e violento (e consegue, dando ao fã aquilo que ele sempre quis ver desde que o herói sofreu sua reformulação definitiva nas mãos de Frank Miller) do que em criar empatia de seus personagens com o espectador. Apesar de surgir solto e carismático em um primeiro momento, Foggy Nelson, interpretado por Elden Henson, acaba se tornando uma figura irritante e mal resolvida, já que, como citado, o roteiro atropela o que vinha trabalhando na parceria com Karen (que já se apresenta como elemento falho desde o início, mas nem por isso deveria ser abandonado sem mais nem menos). Já o Rei do Crime sofre com uma exagerada fragilização que, embora seja muito inspirada por histórias recentes, parece se esquecer que essa abordagem nos quadrinhos só funcionou por conta de 40 anos de construção de um dos maiores vilões da Marvel (e que se apresentou, na época, como fundamental para compreensão de uma trama maior e bem amarrada). Na série, esse elemento sabota a própria ambição de tornar Fisk um antagonista multifacetado para torná-lo apenas um bandido constantemente a ponto de desabar em um ataque de melancolia.
Enfim, mesmo com altos e baixos, o saldo acaba se tornando positivo. A experiência de conferir uma adaptação de quadrinhos com o nível de violência apresentado, somada a uma direção de fotografia inspirada não apenas pelas paletas de cores do material original, mas por filmes policiais dos anos 70 e 80 e por um cuidado exemplar na construção deste outro lado do universo Marvel, se torna muito satisfatória, mesmo com uma trama arrastada e que deixa pontas soltas sem muito propósito (apresentar a motivação de Melvin Potter apenas no último momento, por exemplo, se torna um desperdício, já que o coadjuvante poderia oferecer um drama mais convincente do que o forçado por outros personagens). Resta aguardar para que, na segunda temporada, que deve acontecer, levando em conta o sucesso que o programa fez durante o final de semana de estreia na Netflix, a série consiga estabelecer melhor o equilíbrio entre ritmo e desenvolvimento de personagens (que também precisa ser melhorado, excluindo motivações clichês e a direção um tanto insegura) e entenda que para se equiparar à colegas do gênero drama, precisa oferecer algo mais além de litros de sangue (mesmo que os fãs se contentem apenas com isso).
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