Quando começou o episódio eu comecei a me fazer perguntas existenciais como o próprio Louie se faz enquanto conversa com seu analista, que se esparrama em um sono quase que mortal para explicitar para o protagonista o quanto este é entediante e o quanto seus problemas são vazios (ou ao menos ele quer pensar assim). E em meio a estes questionamentos eu me peguei refletindo sobre a série toda e se haveria alguma possibilidade a mais, algo novo a ser apresentado, alguma novidade real, e em minha mente tudo foi se desconstruindo e acabei percebendo que ao menos para mim, a quarta temporada tinha atingido o ápice da criatividade de Louie e que daqui pra frente seriam só repetições, talvez até engraçadinhas, do que já foi feito.
Mas foi só esperar alguns minutos que a recompensa veio com tudo. Louie prepara de maneira delicada e calma um momento espetacular que causa risadas ao melhor estilo The Office de situação tensa e que nos faz querer desviar o olhar da tela. Tudo é construído com tanta naturalidade que quando acontece de fato, o choque nos atinge com tudo e somos obrigados a vivenciar o momento com a personagem central e sendo assim, fazer parte da experiência interna de sua obra, mesmo que de forma cômica, mas é essa experiência próxima ou aproximada que faz de Louie a série prestigiada que é. E é esse olhar que ele como personagem se obriga a ter de si mesmo enquanto ser humano que nos faz encarar tudo de forma vidrada e só nos lembra que estamos vivenciando algo para fora de nossas experiências individuais quando os vinte e poucos minutos de série se encerram.
Essa aproximação pessoal que atrai os demais para o aconchego dramatúrgico exposto nos arcos da série é um dos maiores triunfos do comediante enquanto criador/showrunner. Essa consciência de si, esse abrir da persona, esse destrinchar psicológico que constantemente é exposto é o que faz o programa ter tanta tridimensionalidade. E durante os vinte e poucos minutos desta semana de retorno Louie se fez mais uma vez defeituoso, quebrado, sem saber o que fazer, sem saber (literalmente) para onde ir, sem saco para “freetalk” (em determinado momento ele apenas desiste da conversa e admite que a filha dele é melhor que os indivíduos entediantes que ali se encontram tentando forçar algum assunto desinteressante). E tudo isso é mostrado de forma quase que obscura, com Louie usando um boné e muitas camadas de roupa, claramente representando seu “esconder” social, sua fuga do cotidiano, que, aliás, é o mote desse episódio: a volta do protagonista ao cotidiano, tentando fazer o que já devia ser parte de sua vida, indo a reuniões sociais dos pais na escola de sua filha. E como já dito, ou ao menos implicado, nada do plano dá certo e embarcamos numa comédia de erros que culmina numa cena forte em um hospital.
E essa jornada até convencional (a narrativa em Louie sempre foi clássica) de começo, meio e fim que equivale a exposição estética apresentada, num universo mundano que expõe o lado sombrio de seu protagonista e daqueles a sua volta (a moça lésbica que organiza a festa é quase que um arquétipo vilanesco), o que faz pensar sobre a psique em si de Louie e em como ele decide transpor isso para as telas. Caracterizando ao extremo aqueles a sua volta e diminuindo ao máximo o que acontece com ele mesmo. Quanto mais ele desaparece, fala baixo e não encontra sua personalidade e confiança, mais os personagens extravasam, se expõem e se engrandecem, seja para o negativo ou positivo. E é nessa via do mundano que vai de encontro ao belo que reside a obra do melhor comediante atual.
Aqui temos um exemplo que esclarece isso e que remete à um dos melhores episódios da série: Subway/Pamela. Onde na primeira cena do episódio temos um homem bonito, vestindo smoking e tocando uma obra belíssima em seu violino na plataforma do metrô. Louie repara naquela beleza extrema em meio ao local mais comum do mundo e começa a admiração. Admiração essa interrompida pelo aparecimento de um mendigo horroroso, sujo, gordo, com aspecto fétido e que começa a se lavar em contraposição a música sendo tocada pelo homem belíssimo. É esse choque do mundano com o belo formando um uno que faz a obra de Louis C.K. algo único de ser visto hoje em dia. Essa ideia de que o normal é feio e que sem a feiura o belo não existe, ou ao menos não faz sentido, e que o diário, o cotidiano representa essa feiura e que o belo é o que não faz parte, o que escapa desse mundano. Mas ambos só existem se coexistirem.
Então, é seguindo essa linha, que no episódio em pauta o personagem de Louie vai ao banheiro da barriga de aluguel e enquanto urina, temos uma câmera estática que calmamente mostra ao desabamento da personagem, que vive uma série de dramas e conflitos que não podiam ser ouvidos, e em meio a essa explosão interna sendo exposta ouvimos os sons fisiológicos do homem a porta ao lado sendo dispensados pela privada, privada essa que ouvimos encerrar todo o ritual mundano da vez. E após esse momento de ruptura da barriga de aluguel com ela mesma para com alguém externo é que temos um momento belíssimo onde podemos ver um homem afirmar para uma mulher o quanto ela é bela, o quanto ela remete a pinturas renascentistas, e por aí vai. A ideia é essa, pega o mundano, soma com o belo puro e o resultado é o belo cotidiano, a vida, por assim dizer. E o que seria a série Louie se não uma declaração de amor e talvez ódio e questionamentos sobre a vida?
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Que resenha maravilhosa, cara!
Só consegui ver o retorno hoje cara e olha, que série linda! Roteiro mais inspirado da TV… Agora com a melhor review!! \o/