Após um período sem reviews por aqui, retorno com um episódio-chave para não só a temporada, mas como para toda a jornada televisiva que tem sido Louie. Sem contar que em meio a toda essa importância clara temos toda uma discussão alegórica acerca dos sexos e de como o personagem encara não só ele, mas a relação dele para com o sexo oposto. E ainda para com o sexo no geral.
A importância do episódio se dá em meio a todo seu contexto que tem início com a morte de um personagem errado. Louie nos submete a um miniarco sobre um morto que nem é o morto “dele” e daí pra frente tem início toda a tragédia subsequente que imperará no episódio com a maior morte na vida de Louie desde o final da temporada anterior: a morte de seu relacionamento. Mas voltemos a morte falsa inicial, que também serviu para dar mais tempo para a relação fraternal entre o protagonista e seu irmão mais novo. Tendo em vista que é justamente este que liga para o comediante de cabelos ruivos e conta a notícia sobre o enterro de seu tio Jack. Que na verdade não passava de um senhor de idade oriental que não tinha nenhuma relação com os dois. O que faz sentido para o debate levantado neste primeiro bloco: o da relação; ou melhor: o da relação inexistente. O morto não tem nenhum laço com os irmãos, nada, nenhuma das pessoas no velório os conhece, ambos são alienígenas naquele recinto. E ambos são alienígenas para si. Após o episódio falho, os irmãos retornam para a casa do mais novo onde Louie o deixaria de carro e seguiria para sua casa sem delongas como aparenta ser de costume quando esses dois saem assim, mas de repente um chamado de desespero agarrou Louie pelos cabelos e o fez subir para o apartamento do irmão que nunca tinha pisado antes! Daí pra frente temos não só esperteza técnica do comediante, como uma sensibilidade artística fantástico quando este começa a cena com o dono do apartamento ajustando uma espécie de interruptor automático ligado a um timer que serve para salvar energia, em seguida ele e seu convidado sentam no sofá e após alguns minutos de tensão social começam a falar, é então que o irmão mais nova passa a elogiar Louie e sua vida, como este vencera na vida, como tudo vai bem, como até o lado ruim da vida dele é bom se comparada com a sua, patética e solitária. Disso notamos a distância absurda dos personagens um do outro, emocionalmente, amigavelmente, de todas as formas possíveis, incluindo visualmente, num plano aberto dos dois sentados num sofá divididos por uma almofadinha, que pode ser pequena em meio a dois gigantes, mas que simboliza sua divisão de forma perfeita.
Em seguida passamos pelo momento que vai abalar o episódio inteiro e definir os rumos fatais de uma relação que sempre foi fadada a morte. A cena onde Louie apanha para uma garota. Mas apanha absurdamente feio, de dar dó, uma sova daquelas pra ficar marcada para sempre. E a chuva de socos e chutes começa sem nenhuma razão, ao menos não uma boa razão. Louie vê a moça abusando de um cara que aparentemente a olhava e daí tenta impedi-la, mas acaba levando a surra no lugar do cara. Essa violência feminina sem razão não só representa uma jornada interna do personagem que sempre foi exposta, como aparece num momento bastante pertinente que seguirá rumo ao ápice dos 20 minutos de TV da semana. Onde vemos a incapacidade do protagonista diante do sexo oposto, sua submissão, seu desarranjo social, sua falta de conforto, sua tendência a sempre apanhar e cair, ser jogado com força em paredes, ser chutado no chão, perder sua honra, dignidade. E logo em seguida, logo após uma surra homérica com quem ele se depara? Claro que duas pessoas do sexo feminino, suas filhas é claro, mas que não só estão ali e diante do contexto, de uma forma até opressora, coladas junto a câmera tentando saber o que aconteceu enquanto Louie tenta esconder a vergonha de forma patética até que cede e se depara com uma chuva de risos, uma ridicularização de sua imagem para com suas filhas novamente. Notem que já foi mais de uma vez (incluindo nesta temporada) que Louie foi salvo pelas pequenas. Louie nunca conseguiu status de macho alfa, claro que já deu lampejos como a temporada anterior onde conseguiu acalmar todas as mulheres de sua vida durante uma super tempestade. Mas nada que fosse definitivo, nada que fizesse nós enquanto expectadores sentíssemos que ele tem o controle da situação, não quando há mulheres por perto. Então após a surra seguida de humilhação por mulheres, qual o próximo destino do ruivo? Claro que é a Pâmela. Agora notem no primeiro enquadramento dos dois juntos nesse episódio: Bastantes distantes um do outro. Incluindo a Pamela sendo quase que escondida do Louie por uma barreira de madeira, uma espécie de coluna que lhe dá suporte enquanto faz graça da situação e caçoado protagonista das formas mais brutais possíveis, como era de se esperar. Até aí tudo bem, normal da personagem. Mas conforme o tempo passa, e Louie a pede para maquiá-lo para que assim ele disfarçasse as marcas da surra que levou e pudesse subir ao palco para seu stundup do dia, Pamela tem a ideia de fazer uma maquiagem completa feminina, o transformando assim numa espécie de mulher na superfície, (tanto que praticamente só maquia os olhos e a boca). Então acaba não sendo um exemplo total de travestismo, mas uma representação do subconsciente de Louie, seu lado mulher aparecendo de vez em um dia onde ele praticamente foi mais feminino que todas as pessoas do sexo feminino.
Dado esse episódio, por algum motivo Pamela se excita como nunca, e não só enlouquece Louie como acaba por finalizar a perda da masculinidade quando o vira de costas e o submete a penetração. Mas o “depois” acaba não sendo tão chocante assim e Louie aceita de bom grado as “mudanças” nupciais em prol de uma maior intimidade. Personagem abdicando de sua masculinidade em preferência a alegria alheia feminina (lembram-se da submissão constante?). É então que o golpe final é dado, a cabeça é cortada, a morte e a foice terminam o que não devia ter começado. Pamela termina com Louie, um ato aparentemente nobre; ela não quer o sofrimento do ruivo por conta de que ele cria expectativas de mais em cima de uma relação longa que aparentemente não vai acontecer jamais, ou realmente não vai acontecer, segundo a própria Pamela. Então os dois temas postos anteriormente se unem de forma massacrante e exterminam a relação que tanto torcemos durante todos esses cinco anos de série. E esse fim chega de uma forma brutal, mas nunca surpreendente. Especialmente se pegarmos o próprio episódio, como dito os dois temas retornam: morte e falta de masculinidade que leva a fins. Então o que recebemos é apenas o movimento lógico, triste sim, mas lógico estruturado pelo comediante. E é disso, após belíssimas cenas do mundano, de um dos momentos mais bonitos do casal, chegamos ao fim. A dança de Pamela com Louie maquiado vale como um belo presente de despedida, uma despedida que se tratando desses dois pode não ser definitiva, mas chega bem próximo de algo assim. Então como na vida chegamos a morte, ao fim de uma relação que teve seus bons momentos, seus momentos decisivos, definitivos e que se esvaíram com uma atitude repentina que vamos admitir, não fora tão repentina assim, né?
E encerrando tudo Louie apenas nos deixa com uma cena que ainda mostra a separação dele para com o irmão (estão de lados opostos de uma cabine num restaurante) e que serve basicamente para definir a série como um todo. Onde o irmão do comediante morre de rir da cara do Louie, sem disfarçar nem um pouco enquanto o protagonista apenas se encolhe na mesa e fica ali, emburrado, triste, perdido em meio a mais um banho de risos sufocantes. Desta vez, porém, o contraponto é que ele sofre isso de um homem, um ser de mesmo sexo que evidencia ainda o outro lado feminino de Louie de se submeter a acontecimentos como estes, como se fosse o posto de sua mãe, uma mulher que sempre que aparece é forte, decidida. Então o que temos com esse enxerto de cena e com o restante do episódio? A visão de opostos que Louie carrega: quanto mais admira e busca mulheres fortes, sejam elas suas filhas, suas namoradas ele vê seu lado feminino como frágil que não aguenta nada, submisso, quase que um estereótipo feminino dos anos 50/60. E disso, ele busca simbolizar com um simples momento, onde a comédia e a tragédia se encontram a comédia que envolve um episódio repleto de momentos genuinamente engraçados, como sempre e a tragédia do fim de relações, de violência, da tristeza pura, máxima. E não só isso é representado bem durante toda a obra de Louie, como aqui nesta última cena ele define de forma visual as representações clássicas das máscaras gregas, a que ri e a que chora. A que ri é seu irmão que se empanturra com a desgraça alheia como um gigante que devora mundos. E a tristeza aquela ali representada no comediante que se esquiva de si e do mundo, que tenta desaparecer perante o riso alheio, que tenta uma nova vida, um novo corpo, ou ao menos uma nova realidade onde não tenha um lado feminino estereotipado e nem esperanças de mais, pois esperanças lidam mais para tragédias do que qualquer coisa.
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