Cinerama: Ventos de Agosto

Fazer um grande filme no Brasil talvez seja uma das tarefas mais desgastantes e heroicas que me lembro de longe:

Primeiro deve-se encontrar uma história linda, grande, de força, que convença você e tantas outras pessoas e que não murche com os anos. Depois deve se passar essa história o melhor possível para o papel, mas de diversas formas, tanto em argumentos, como em roteiros cinematográficos, como em releases, depois em projetos longos e cheios de números, depois em estatísticas comerciais, depois em editais e depois em formulários e mais formulários trabalhosos e burocráticos. Finalmente vem a parte de conhecer e encontrar pessoas a fim de se arriscar contigo na empreitada e que vão aceitar fazer parte do seleto grupo de loucos que vão esperar meses ou anos para transformar aquelas palavras em imagens. Claro, ainda é preciso achar um financiador, encontrar a grana para tornar a coisa possível, e daí obtêm-se mais formulários aindapara que finalmente venham as imagens.

Todo esse processo pode durar anos, dias, semanas e manter a ideia fiel, consistente e coerente ao estalo inicial que se teve ao dizer “Vou fazer um filme disso” é muito difícil. O realizador ao chegar na mesa de Edição para montar o filme já está aos pedaços, um frangalho na maioria das vezes. Ao terminar o material o filme ainda tende construir uma carreira em festivais e ganhar muitos prêmios interna e externamente para que alguém aceite distribuir. “Ventos de Agosto” de Gabriel Mascaro é um caso desses. E por isso ele, como o vento, agora cai em nossas salas, depois de lutar contra diversas outras correntes.

Passando por diversos festivais internacionais e nacionais, finalmente no dia 13 de Novembro o longa chega nas telas de alguns cinemas pelo país, e o filme é muita coisa, mas principalmente, é uma obra de arte do cinema contemporâneo.

Com pé na área de artes plásticas e instalações áudio-táteis-visuais, Gabriel Mascaro acerta ao dar o nome do filme de “Ventos de Agosto” uma vez o que suas histórias são tão radiantes, espontâneas, naturais, leves e brandas como o vento que sopra naquela região castigada pelo esquecimento e pelos fortes ventos e fortes águas que lá teimam em bater. Como na música de Alceu Valença “mês de Agosto é mês de chuva, mês de Agosto lava a alma...”, e é nesse cenário espiritual, afetivo que as histórias desta pequena vila nordestina se chocam e se distanciam ao longo do filme.

Primeiro conhecemos Shirley, moça que deixou a cidade grande para viver em uma pequena e pacata vila litorânea cuidando de sua avó. Ela trabalha numa plantação de coco dirigindo trator e, mesmo isolada, cultiva o gosto pelo punk rock e o sonho de ser tatuadora. Ela está de caso com Jeison, um rapaz que também trabalha na fazenda de cocos e nas horas vagas faz pesca subaquática de lagosta e polvo. A impaciência e agonia de Shirley é silenciosa, já que sabe sua importância e função ali.

Logo, com a chegada das tempestades e da maré alta, um estranho pesquisador chega à Vila para registrar o som dos ventos alísios que emanam da Zona de Convergência Intertropical. Interpretado pelo próprio Mascaro, sua personagem é a do típico “cara da cidade”, que costuma aparecer para tirar foto de algum sapo, ou gravar alguma coisa em “algum lugarzinho lá” e se torna um evento na pequena comunidade, que se mostra curiosa e alheia diante das tecnologias trazidas do “mundo”.

Um corpo aparece e desta vez o protagonismo é de Jeison, que se importa e se indaga profundamente: “Se eu morresse por aqui, não gostaria de ser deixado de lado”.

Contemplativo, religioso (diria até que uma linda homenagem aos Orixás), filosófico, antropológico, um registro seco e extremamente respeitoso sobre a morte e a vida, sobre a perda e a memória, sobre o poder do desconhecido e a beleza da simplicidade local em se surpreender e ao mesmo tempo respeitar e saber contemplar essa mesma grandeza e vastidão diante de si.

Resumindo, algumas das mais belas imagens registradas nos últimos anos, fotografia com qualidade gráfica e textual e uma história em tom reflexivo e imersivo que precisa ser assistida na tela grande.

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