Finalmente, após dois episódios que estranhamente soaram como pilotos da série, Constantine teve seu primeiro exemplar interessante, lotado de referência aos quadrinhos e com uma abordagem que, embora continue apostando no “caso da semana” parece parte de algo maior, tornando também a aventura mais relevante até aqui.
John Constantine investiga a lenda de um disco de vinil amaldiçoado, que faz quem o escuta ser possuído por uma vontade irrefreável de matar, seja outros ou a si mesmo. Há na trama, um pouco da lenda do bluesman Robert Johnson, que teria feito um pacto com o Diabo para garantir seu sucesso. Essa mesma história já serviu de base para um episódio de Supernatural, inclusive, mas se até Sleepy Hollow usa lendas urbanas já mostradas na série dos irmãos Winchester, essa comparação já não é tão válida assim. Mas o que realmente chama atenção do fã de quadrinhos é o número de referências contidas no roteiro de David Goyer e Mark Verheiden. E mesmo quem não conhece o personagem nas HQs, vai perceber a construção de uma trama mais abrangente, que deve permear pela primeira temporada.
Logo no começo do episódio John revela a Zed que fez parte de uma banda punk chamada Membrana Mucosa, já que a primeira vítima do vinil assassino é justamente o produtor musical que gravou o primeiro e único disco do grupo. É uma boa citação, pois é algo que teve grande presença nas HQs mais antigas do mago, e faz parte da construção do personagem. É importante ele ter feito parte da cena punk, isso ajuda a definir melhor sua personalidade anárquica. Porém, a grande referência do episódio é ao “Primeiro dos Caídos”, personagem criado por Garth Ennis para o arco Hábitos Perigosos. Aliás, a influência do autor pode ser sentida também em alguns pontos da história, como a forma irônica que trata a idéia de pactos com o Diabo, e a atitude de dois capangas que acaba levando a um problemático desfecho, que quebra um pouco o andamento do episódio. O importante é que o “Primeiro dos Caídos” é uma presença sentida por todo o roteiro e fica impossível não imaginar quando o personagem vai aparecer.
Quem também dá as caras em The Devil’s Vinyl é o Papa Meia-Noite (Michael James Shaw) em caracterização certeira, dando ao personagem uma participação dúbia, assim como sua contraparte de papel. Meia-Noite sempre se divide entre inimigo e aliado (mesmo que inadvertidamente) de Constantine e o episódio trata de mostrar isso de forma convincente, sem descaracterizar as atitudes de ambos. O sacerdote vodu estréia com a promessa de retornos eventuais, aumentando a lista de coadjuvantes da série de forma positiva.
A parceira do protagonista, Zed, também se mostra bastante útil na trama, chamando atenção até mesmo de Chas. Sua participação certamente não se resumirá a companheira observadora e deve evoluir conforme a temporada caminha. Claro, ela ainda é o elemento de ligação com o espectador, servindo para fazer as perguntas que movem a história. Sua presença traz um grande número de exposição no que se refere às regras do mundo da magia, o que incomoda um pouco. Toda vez que Constantine precisa fazer alguma coisa, ele também deve explicar o porquê e como o feitiço ou encantamento funciona, diminuindo um pouco o ritmo e o senso de urgência. Goyer também introduz uma maleta para John, contendo inúmeros itens mágicos para auxiliá-lo na aventura, trazendo uma dose exagerada de conveniência. Se ela estiver à mão em todo episódio, o personagem não precisa nem ter parceiros, já que tudo necessário para desvendar suas missões está lá dentro.
O grande problema do episódio, no entanto, está no terceiro ato, que foge um pouco do clima de mistério e suspense e parte pra um clímax um tanto quanto “apoteótico”, soando deslocado dentro da narrativa mais cadenciada que o roteiro e a direção de Romeo Tirone estavam conferindo à aventura. Por outro lado, gera a sequência mais interessante da série até aqui, com John enfrentando um exército de pessoas controladas pelo disco infernal, ouvindo Anarchy in the U.K. para não cair no feitiço do blues amaldiçoado.
Apesar de ainda não soar diferente de companheiras do gênero, a série de Constantine dá os primeiros sinais da criação de uma identidade própria, com citações suficientes para agradar quem já é fã do personagem e elementos de história contínua para atrair os espectadores que não tem mais paciência para séries apenas focadas no procedural. E, mesmo falho, o episódio se mostra inventivo em vários momentos com uma atmosfera sombria que remete aos quadrinhos da linha Vertigo, trazendo também elementos aventurescos e um tanto exagerados, comuns na versão do personagem recém-publicada pela DC pós-reboot. Dessa forma o seriado finalmente explora seu potencial, tentando agradar a gregos e troianos, sem fazer feio frente ao espectador.
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