Uma volta de 360° é aquela que sai de um ponto e retorna a este mesmo ponto. Se você assistir a toda obra dirigida, roteirizada e produzida por Michael Mann, pode acabar sentindo que o cineasta tem dado voltas de 360° por toda sua carreira. Tramas semelhantes, conflitos que se repetem em seus personagens obcecados pelo trabalho. Mas o que isso significa? Será que Mann não tem criatividade e recicla suas ideias constantemente?
Bem, é difícil advogar a favor quando se coloca algumas cenas lado a lado: Em Fogo Contra Fogo, o policial vivido por Al Pacino repete quase quadro a quadro a atitude do policial vivido por Dennis Farina na série Crime Story ao chegar em casa e encontrar o amante de sua esposa. Já Sonny Crocket (Colin Farrell), em Miami Vice, se vê na mesma situação que Sam Cole (Tom Sizemore) em Robbery Homicide Division quando se envolve com a amante chinesa de um grande traficante.
É como se Mann tivesse escrito um roteiro de quase 600 páginas no final dos anos 70 e, desde então, vem pegando pedaços deste texto para criar seus filmes. De novo, falta de criatividade?
Mas como acusar de falta de criatividade, alguém que não se limita a apenas um gênero? Do policial ao drama, do suspense a cinebiografia, Mann parece ser alguém determinado a estudar o comportamento de seus personagens em diferentes ambientes. O policial de Crime Story é tão obcecado quanto o de Fogo Contra Fogo, mas ambos estão distantes 40 anos no tempo. O Muhammad Ali interpretado por Will Smith está tão disposto a ir até as últimas consequências quanto o Dillinger vivido por Johnny Depp. Ambos figuras históricas, vistos pelo prisma da lente de Michael Mann como homens incrivelmente centrados em atingir seus objetivos. Se um era um criminoso em um dos períodos mais difíceis da história americana, o outro vivia, porque não, à margem da sociedade, principalmente por questionar o governo dos EUA quanto à Guerra do Vietnã. Se os dois tem diálogos semelhantes quando descrevem suas determinações, não seria porque, quando no filme de um autor, deixam de ser personagens reais para se tornarem protagonistas daquela obra?
Bem, quem conhece o trabalho do diretor sabe de seu apego a detalhes, que vão desde colocar seus atores para treinar com policiais e criminosos de verdade a filmar uma cena de tiroteio no mesmo lugar onde ela realmente aconteceu nos anos 30. Vendo por esse lado, essa repetição de temas e padrões pode mesmo ser também fruto de um autor tão perfeccionista a ponto de voltar à situações já utilizadas apenas para tentar fazê-las melhor.
Não há dúvida que seus esforços no cinema para mostrar o embate entre os dois lados da lei atingiu o ápice em Fogo Contra Fogo, que funciona não apenas como um filme policial, mas como um drama autêntico, um estudo de personagens em seus respectivos meios, e como suas famílias e amigos são pegos no fogo cruzado de uma luta que parece não ter fim. Em determinado momento do longa, o ladrão vivido por Robert De Niro vislumbra o horizonte com o mesmo olhar distante que Depp em Inimigos Públicos. Ambos, ex-presidiários, contemplam a vastidão do mundo apenas como outra forma de encarceramento.
Da mesma forma, Miami Vice explora os limites do trabalho infiltrado, um tema que o episódio supra-citado de Robbery Homice Division, apenas arranha a superfície.
O objetivo desse ensaio em vídeo, portanto, não é mostrar Michael Mann como um diretor repetitivo, mas sim como alguém disposto a encarar seu trabalho como algo tão pessoal que não se importa em trazer de volta o que já fez, simplesmente para dar ao público a versão ideal de determinado momento, mesmo que para isso precise fazê-lo várias vezes. E como alguém que, por seu passado como documentarista, está interessado em reações humanas. Se seus personagens parecem variações de um mesmo tema em contextos diferentes, alguns reagirão da mesma forma que outros. A lente de Mann, portanto, deve ser encarada como um microscópio, pronto a analisar um organismo e suas reações ao meio.
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Parabéns, Alexandre! Sua ideia ficou clara no vídeo, devido a uma boa edição. Só umas imagens que ficaram estranhas (como pegar um trecho em 1080p e redimensionar para 480p), mas não compromete. Esse tipo de projeto é bom porque a gente entende melhor o estilo dos diretores, pois em podcasts a gente escuta "ah, tal diretor é assim, costuma fazer isso, aquilo" e assim a gente assimila melhor. Espero por outros.
Abraço.
Valeu, Max. Realmente, as cenas do Inimigos Públicos não ficaram legais em 480p… mas por problemas técnicos (também conhecidos como PC com idade avançada rsrs) não conseguiria editar em HD.
uma excelente interpretação da visão do diretor e suas características pessoais… parabéns pelo trabalho.
Há um tempo também venho observando essas repetições (ou não) no trabalho de Michael Mann, O tiroteiro que ficou famoso no final de Heat é quase o mesmo visto no final do longa em Miami Vice. A forma como a quadrilha de Robert De Niro invade e agirde as pessoas no assalto ao banco é praticamente o mesmo que o grupo de Jonny Deep assalta um banco em Inimigos Públicos. Os golpes que Sonny e Ricardo Tubbs dão nos seguranças de um traficante são os mesmos que o personagem de Tom Cruise dá nos seguranças de um traficante numa discoteca. A forma de olhar para o nada como acontece com o personagem de De Niro no janelão da sua casa, é o mesmo com Collin Farrell em Miami Vice. As casas dos personagens principais de seus filmes são sempre com designer moderno, 'clean´s', com janelões, com vista para o mar. Eles se vestem bem. São sofisticados e refinados. A única inversão que isso pode acontecer com os mocinhos da história ou com os bandidos. Ou ao mesmo tempo. Todos esses detalhes podem parecer repetitivos. Mas isso não detrai o seu trabalho. São elementos que ele sempre usa no seu trabalho, que acabam fazendo parte do seu estilo e que dão o tom da sua marca. Pode parecer até uma certa preguiça em querer apresentar algo novo, talvez té seja, mas seu trabalho continua intacto, valoroso e sempre ansioso de ver Blackhat estrear agora em 2015.