No último dia de filmagem de Tropa de Elite, no morro do Chapéu Mangueira, uma vã com armas cenográficas e quatro técnicos foi sequestrada, o que fez com que a polícia invadisse o morro atrás da equipe e das armas falsas. Os últimos planos para finalizar o filme tiveram que ser adiados por duas semanas e aquela locação estava fora de cogitação, por conta do atrito causado entre a produção e os traficantes locais, afinal de contas o acordo pra filmar por ali era: “Sem gambé (polícia) por aqui na nossa comunidade!”.
Com a equipe salva, novas armas adquiridas, o elenco pronto novamente e uma nova locação escolhida, o morro dos Prazeres, José Padilha estava pronto para terminar o filme, que havia sido uma baita aventura por conta de seus inúmeros perrengues.
Ao chegar até a nova locação para gritar “ação” Padilha foi interrompido por seu sócio e produtor, Marcos Prado, que dizia que o “Dono” (gerente do tráfico local) queria falar com eles. Tiveram de subir o morro.
Chegando no “point” dos traficantes, uma série de caras mal encarados e armados com grosso calibre abriram caminho para a conversa com o dono do morro que furioso deu uma bronca em Padilha e Prado, os responsabilizando pela invasão da polícia no morro vizinho: “Naquela hora eu pensei, tô morto. Fudeu. Ai o dono olhou pra gente e falou: ‘Vamo ali no campinho.’ Ai eu me caguei mesmo. Olhei pro Marcos e vi ele branco mas não tinha jeito, seguimos os caras por uma vielinha.”
A viela era tão apertada que eles andavam em fila indiana. O dono na frente com mais uns dois caras armados, Marcos e Padilha atrás e mais uns três caras: “Um dos traficantes andava com um colete com umas granadas presas em uns elásticos sem os pinos, e do nada, uma delas caiu no chão. Todos pararam, a bomba quicou no cimento umas cinco vezes e parou... e não explodiu. O cara que deixou a granada cair pegou ela e disse: ‘Desculpa. Sorte que essa porra é argentina’.
"No final, apesar do cagaço todo, os caras queriam que a gente arrumasse uma quadra pra garotada”. A granada não explodiu, mas o filme foi a maior explosão de 2007, que transformou José Padilha em um grande nome e das vielas dos morros cariocas, Padilha iria para os espaçosos corredores da MGM.
Alguns vários anos antes do incidente da bomba, Padilha estava entediado com sua vida de trabalhador do setor financeiro carioca, tomado pelos jovens de classe média dos anos 90, mas após trabalhar por anos em banco, o jovem amante de filosofia, economista e de esquerda estava deprimido sabendo que o dinheiro que ele ganhava para si e para a instituição em que trabalhava era fruto de um estratagema criado para tirar dinheiro dos que mais precisavam: “Aí deprimido, trabalhando uma porção de horas por dia num ambiente terrível, já para me demitir, recebi a ligação do meu amigo e hoje sócio, o Marcos Prado, dizendo que estava tirando umas fotografias sobre o trabalho infantil nas carvoarias e ai colou tudo pra mim”.
José Padilha pediu demissão do na época Banco Nacional, e propôs ao Marcos que juntos fizessem um livro com as fotografias e um documentário sobre essa terrível realidade das crianças e adultos que são explorados fazendo carvão mineral e vendendo para as grandes empresas do ramo: “Na época eu nem sabia o que fazer com uma câmera na mão, mas eu liguei pra uns lugares nos Estados Unidos e como eu tinha conseguido levantar a grana, consegui trazer um professor de cinema e documentarista que até tinha ganhado o Oscar, o Nigel Noble, pra dirigir o nosso projeto e eu aprendi a fazer cinema com ele. Nascia ali o documentário Os Carvoeiros de 1999, a produtora minha e do Marcos, Zazen Produções e minha incursão definitiva no cinema”.
O que atraiu Padilha na linguagem cinematográfica, além da possibilidade de fazer o contrário do que podia no banco, que era o “falar contra”, era expor aquela situação e tantas outras que ele tinha vontade de discutir, e também lançar um debate de forma universal e muito mais acessível que na literatura.
Após fazer um pequeno documentário para a TV fechada chamado Os Pantaneiros, Padilha se dedicou a seu primeiro trabalho como diretor, que já evidencia as marcas e predileção do diretor a determinados assuntos: Ônibus 174, de 2002.
O documentário conta a história de Sandro Barbosa do Nascimento, que saiu do anonimato ao “sequestrar” o ônibus de linha 174 em 12 de julho de 2000 em uma importante avenida da zona sul do Rio de Janeiro. O final do caso assustador todos já conhecem, afinal de contas tudo foi transmitido ao vivo por várias emissoras de TV, mas o trunfo do documentário escrito, produzido e dirigido por Padilha é mostrar quem era o garoto que sequestrou o ônibus e quais os fatores que o levaram a pegar uma arma e entrar naquele veículo, em um dia quente da capital carioca.
Garoto que teve a mãe brutalmente assassinada na sua frente, foi morador de rua e passava suas noites na famosa praça da Candelária, onde uma série de amigos seus foram brutalmente assassinados por policiais militares. Desse massacre, Sandro saiu ileso, mas esse episódio de sua história se tornou apenas mais um trauma na série que compôs sua vida. Neste documentário, Padilha constrói o primeiro episódio de sua trilogia sobre o descaso do poder público, que se completa com os dois Tropa de Elite.
“Eu queria mostrar que embora o Sandro do Ônibus 147 tenha sido um problema criado pelo estado, que os criminosos não são as únicas vítimas desta enorme bola de neve.”, e por conta disso José Padilha nos emerge no mundo de “Capitão” Alberto do Nascimento, (que não se chama assim por acaso), policial honesto do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro o BOPE, que apesar de fazer seu trabalho corretamente e ter princípios, é violento, e acredita piamente que resolveria o problema da corrupção da Policia Militar e do tráfico nas comunidades “Descendo o cassete” e “Sentando o dedo” em todos esses que ai estão, atravancando os caminhos deste destemido e incorruptível policial.
Tropa de Elite, de 2007, é um filme de muita coragem e muito fôlego que nos introduz ao interior dos batalhões da polícia do Rio, mostrando toda a corrupção e violência que lá dentro existe, e que é apenas um reflexo do – novamente – descaso do poder público, que cria monstros violentos e cegos que agem de forma perversa sobre os desfavorecidos e bestializados, categoria que, inclusive, os policiais se enquadram.
Apesar da forte carga política que o filme carrega isso é amenizado pelas várias reviravoltas que a trama trás e pelas eufóricas cenas de ação, o que interessava uma grande fatia da população, além, é claro, de ser uma realidade muito comum às milhares de pessoas que moram em comunidades carentes “gerenciadas” pelo crime em nosso país, o que fez do filme o maior “hit” do ano, mas não nas telonas e sim nas telinhas, e o mais impressionante, quase dois meses antes do filme ser lançado nos cinemas.
“Uma cópia que havia sido enviada para legendarem em inglês, ainda não 100% finalizada vazou e caiu nas mãos dos ‘pirateiros’ e ai o filme ganhou outra dimensão”.
Estima-se que certa de 11 milhões de pessoas assistiram ao filme em casa, através destas cópias ilegais, o que tornou Tropa um dos longas Brasileiros mais comentados da década e que se introduziu na cultura popular, onde Bordões como: “Coloca na conta do Papa”, ou “Pede para sair”, foram enraizados no vocabulário dos Brasileiros.
Apesar da forte pirataria, o filme não se deu mal em bilheteria e chegou a faturar 20 milhões, sendo a sétima maior bilheteria Brasileira de 2007. O orçamento do filme foi de 10,5 milhões.
Em 2008 o filme foi lançado em vários outros países, onde teve críticas variadas. Ainda ganhou o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim em 2008, ano que o líder do júri era Costa-Gravas, importante diretor Grego que fez filmes altamente políticos, como Z de 1969, o que tirava de vez a alcunha de fascista de direita das costas de Padilha, que foi acusado de fazer um filme “bandido bom é bandido morto”, quando se propõe, claramente, a ser outra coisa.
Seu filme seguinte não falava de violência, não foi recorde de pirataria e tão pouco fez furor ou sucesso de bilheteria. Trata-se do documentário sobre três famílias do estado do Ceará em estado de desnutrição aguda, Garapa, de 2009. “Tem a fome aguda, que mata, e a fome que é a pura falta de nutrientes específicos que são importantíssimas ao corpo humano e que faltam a essas famílias que eu mostro no documentário.”. Padilha reuniu uma pequena e fiel equipe e simplesmente seguiu essas famílias que iam procurar ajuda nas ONGs, o que resultou em aproximadamente 45 horas de material que tiveram de ser afunilados para quase duas horas de documentário, com uma estética muito propicia ao tema, que é a falta de comida, a falta de estrutura, a falta de atenção, mais uma vez, do poder público, e isso pode ser percebido por nós, pessoas confortavelmente atribuídas de tudo aquilo que os retratados no doc não têm, através da crueza da direção, a falta de cor, a falta de música, de cortes suaves, de fusões...
O título, Garapa, vem da bebida que acaba por ser uma das poucas fontes de “sustância” dessas famílias, uma mistura de água com açúcar, ou água com rapadura, que acaba por ser comumente dada às crianças.
Engenhosamente contado pela ótica dos que passam pela fome, e não de forma intelectualizada – quem estuda a fome – o filme recebeu pouca atenção de público e crítica, que chegou a falar que “Padilha falhou ao retratar a fome no Brasil”.
Tô adorando essa série especial que vocês estão postando com as retrospectivas e as entrevistas. Tá ficando como eu gosto, bem informativo e falando de cinema mesmo, como se deve. Agora. Só 2 vezes no mês? Tinha de botar esse historiador do cinema ai pra trabalhar mais pra nos enformar, em? Ele tem alguns curso em algum lugar? Adoraria ter aulas com ele. Sou do Rio.
Olá Marcos Paulo,
Que bom que está gostando do nosso trabalho. Obrigado pelos elogios.
Quanto a frequência da coluna, ela é quinzenal,e por enquanto não estou conseguindo encaixar na agenda uma escrita que seja semanal. Desculpa.
Infelizmente ainda não sou professor de Cinema, mas obrigado mesmo assim. Estou estruturando aulas de direção e produção de cinema digital, mas isso é algo para 2015 e só em São Paulo.
Continue ligado aqui no Cine Alerta que novidades virão e mais uma vez obrigado pelos elogios e por ler a coluna Cinerama.
Abraços,
Luan Cardoso