Frankenstein: O Monstro das Trevas é um filme bastante peculiar, especialmente graças ao seu gênero. Lançado em 1990, foi o último filme que o Papa do Cinema Pop Roger Corman dirigiu. Sua forma de contar a história proposta mistura ficção científica futurista, viagem no tempo, elementos de terror e referências a famosa história de Victor Frankenstein, misturado a momentos com pessoas reais e históricas, que convivem em tela, embora sejam retratadas de maneira bem diferente do que os relatos costumeiramente dão como verdade.
O filme é lembrado também por reunir em seu elenco figuras famosas como Raul Julia, Sir John Hurt e Bridget Fonda. É uma coprodução ítalo-estadunidense, que foca sua narrativa na vida de Joe Buchanan, um cientista que estuda a possibilidade de viajar no tempo e que vive no século XXI. Em determinado ponto ele entra em um atalho no céu, que o faz rumar para uma aldeia suíça do século XIX.
Nesse cenário ele bate de frente com personagens literários, alguns ficcionais e outros ligados a autoria de histórias de horror e ficção cientifica, participando assim de momentos históricos, de crimes e de experimentos bizarros.
O roteiro ficou a cargo do diretor (e produtor) Roger Corman e de F.X. Feeney. Ed Neumeier (na época preferia Edward Neumeier) também tratou do roteiro, embora não seja creditado como tal. A premissa se baseia no livro Frankenstein Unbound, de Brian Aldiss, que assinava Brian W. Aldiss.
São produtores Kobi Jaeger e o cineasta, com produção executiva de Thom Mount. Jay Cassidy e Laura J. Medina são produtores associados. Nick Dudman faz a maquiagem especial e Carl Davis é o responsável pela música.
O filme teve sua estreia na Suécia em novembro de 1990 no Stockholm International Film Festival. No Uruguai e nos Estados Unidos da América estreou no começo desse mês também, no México chegou aos cinemas em dezembro enquanto no Brasil foi veiculado em janeiro de 1991.
O título Frankenstein Unboud é uma referência ao título completo do romance original de Mary Shelley, Frankenstein; The Modern Prometheus (em portugues Frankenstein ou o Prometeu Moderno) e ao drama lírico do poeta P.B. Shelley (Percy Bysshe Shelley) Prometheus Unbound, autores de sucesso, que foram inclusive casados.
O filme também podia ser encontrado como Roger Corman's Frankenstein Unbound. Em países de língua espanhola como Argentina, Peru, México, Venezuela é chamado de Frankenstein perdido en el tiempo. Na Itália é Frankenstein oltre le frontiere del tempo, na Espanha La resurrección de Frankenstein e Frankenstein desencadenat em catalão. Já em Portugal é Frankenstein Revisitado.
Na Dinamarca tem dois nomes Frankenstein - Et monster genfødes e Frankenstein's Evil Eye. Na Finlândia é Frankensteinin arvoitus, já na França é La résurrection de Frankenstein. Na Grécia é Frankenstein: I alli opsi, na Hungria é Az örök Frankenstein.
O filme foi rodado em sete semanas, entre junho até agosto de 1989, com gravações na Itália, especificamente na Lombardia, como cenas na comuna do Como em Bellagio, também em Bergamo e Milão.
É uma obra da Panda Film e The Mount Company. Nos EUA foi distribuído pela Twentieth Century Fox, no Reino Unido quem lançou foi a Blue Dolphin Film Distribution e a Warner Bros. No Brasil chegou direto em vídeo pela Warner Home Vídeo
Esta é a primeira direção de Roger Corman desde que fez Águias em Duelo em 1971. Durante toda a sua vida, o profissional foi um artesão do cinema B, produziu centenas de filmes e dirigiu outros vários.
Pela época dessa versão de Frankenstein produziu Punhos Sangrentos, Os Últimos Dias da Vítima, Ira de Mutante, Império do Medo, A Vingança de um Kickboxer e Pecados Imortais.
Durante a sua vida dirigiu filmes de crime organizado, como Destino de Um Gângster, depois comédias com pitadas de horror como Um Balde de Sangue e Loja dos Horrores, obras de gosto duvidoso como O Homem dos Olhos de Raio-X, versões de contos de Edgar Allan Poe como O Corvo e O Solar Maldito, além de obras de cunho erótico como O Insaciável Marquês de Sade, além de filmes de teor violento como Os 5 de Chicago e Batismo Fatal.
F.X. Feeney escreveu apenas três obras, no caso esse, também Anel de Corrupção e o curta Changeling de Irene Miracle. Foi produtor executivo nesse último e coprodutor do telefilme Z Channel: A Magnificent Obsession.
Neumeier é conhecido por ter escrito e criado o personagem principal de Robocop: O Policial do Futuro. Também escreveu Tropas Estelares. Apesar de não ter ganho créditos de redação, teve seu nome exposto em um pôster quádruplo britânico, que entregava a "Ed Neumeier" o tal crédito.
Brian Aldiss teve outras obras adaptadas, algumas inclusive celebradas como A.I.: Inteligência Artificial que foi um projeto inicialmente conduzido por Stanley Kubrick, mas que acabou sendo dirigido por Steven Spielberg. Outra obra adaptada de seus livros foi Até Que a Morte os Separe.
Kobi Jaeger produziu Salty, A Adorável Foquinha, foi produtor executivo em O Processo, dirigiu e escreveu Kamasutra - Vollendung der Liebe e um episódio da série Salty.
A trama começa com John Hurt andando na neve, enquanto registra em áudio uma narração, na verdade, um monólogo, já que o caráter narrativo passa ao largo dele. Não fica claro se é uma voz em off, se é a gravação para um futuro registro escrito, embora fique patente que isso tem a ver com fins de pesquisa.
Esse momento faz uma clara brincadeira com a temporalidade do filme de Corman com o livro de Mary Shelley, já que nesse início não parece que ele se passa em 2031, em Nova Los Angeles como é dado. Aparenta na verdade o cenário das primeiras palavras do capítulo inicial do Prometeu Moderno.
Não demora até aparecerem cenas em um laboratório ultra-tecnológico, embora pareça "retro", já que o aparato high tech combina mais com o que era visto nos seriados como Jornada nas Estrelas: A Série Clássica e Perdidos no Espaço. É tudo claramente muito falso e nesse espaço o doutor investiga brechas no tempo.
Joe Buchanan logo vai para a estrada, faz pesquisa no campo também. A boro de seu veículo de alta tecnologia, um carro-conceito Italdesign Aztec de 1988. Enquanto está conduzindo, dispensa o piloto automático, conversa com uma voz feminina, que é a inteligência artificial que comanda a máquina automotiva mega paramentado que ela é.
O carro é um personagem bem estabelecido, um coadjuvante sensacional, diga-se, com mais camada e complexidade que a maioria dos humanos apresentados aqui.
Ao chegar em casa ele vê duas crianças sepultando uma bicicleta, aparentemente, as pessoas valorizam demais as coisas, em detrimento dos humanos. Essa é a sua família, mas ele não gasta muito tempo com eles, já que o script não se preocupa em dar importância a eles. No céu precipitações estranhas o ocorrem.
A camada de ozônio está destruída, a vida na Terra pode acabar e quando começa uma tempestade o doutor tenta salvar seus filhos. Do céu sai um estranho guerreiro, de roupas antigas e lanças, que derruba o doutor.
Sem perceber o cientista e seu carro acabam atravessando o tempo, viajando para um passado remoto. A natureza do seu trabalho é exatamente essa, de viagem no tempo, mas ele demora a perceber o que de fato ocorreu.
Quando Buchanan acessa a inteligência artificial do carro, ele não aparenta surpresa, parece demorar alguns segundos para cair a ficha e aceitar que está em um universo diferente. Sua única reclamação de fato é o de não haver televisão, satélites ou rádio.
Ele não gasta muito o seu tempo refletindo, simplesmente explora o cenário, passa por uma floresta, onde vê muito sangue e restos mortais, depois chega a uma taverna, onde consegue entender onde e como está, depois de uma breve e grosseira conversa com o Barão que Raul Julia faz.
Frankesntein lê um jornal datado de 1817, fala inglês, assim como todos em volta dele e diz estar em Secheron, na Suiça. Até pergunta por que um doutor como ele não está em Genebra.
Victor se impressiona com o relógio digital do forasteiro, fica intrigado sobretudo pelo uso que ele faz de eletricidade. Buchanan fica intrigado com o nome do sujeito, já que leu seus estudos - que até então não eram publicados - até tenta pegar carona em sua carroça.
Ou seja, fica claro que nessa realidade, Mary Shelley não fez uma ficção pura e simples em seu romance e sim adaptou uma realidade que ela testemunhou.
Logo depois é mostrado um julgamento, de Justine Moritz (Catherine Corman, fotógrafa famosa e filha do diretor). Lá ele observa uma bela moça desacompanhada, Mary Godwin, de Bridget Fonda, ao saber que ela é amante de Lord Byron, a identifica como a autora famosa Mary Shelley.
Ele se aproxima da moça, depois de perceber que ela não publicou nada, discute com ela e com pessoas em volta, se dando conta que ela participa de uma espécie de culto ao amor livre, com Byron e com P.B. Bysshe Shelley.
Após as confabulações, ele vai para a floresta e encontra a tal criatura monstruosa, a mesma que William encontrou antes. O ser é feito por Nick Brimble, que recebeu um crédito de "apresentação", apesar de ter participado de oito filmes de cinema antes, tanto em produções do Reino Unido quanto dos EUA, bem como em muitos dramas de televisão de alto nível. Esteve em SOS Titanic, House of Cards da BBC e Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões.
O visual da criatura difere demais do que se viu nos clássicos filmes da Universal. Ele não lembra o monstro que Boris Karloff fez, tampouco as versões da Hammer Films. Tenta ser fiel ao livro, sua forma é feia e bem grotesca, de forma bastante fidedigna mesmo.
O roteiro contém incongruências e deixa várias perguntas sem respostas, especialmente no que tange clichês de viagem temporal.
Buchanan volta ao passado, já sabe de tudo, causa interferências no destino de personagens que até então não eram reais e que provavelmente só ficaram famosos graças a chegada dele.
Os diálogos são péssimos, expositivos e muito ridículos. Essa condição torna a trama tão suspeita que faz perguntar se não é fruto da imaginação do protagonista. Apoiando essa teoria há alguns estranhos trechos, onde aparece ele em uma maca, sofrendo interferências de alguém que lembra ele mesmo, com pele mais escura que a sua, munido de uma grande seringa.
Esse trecho é um momento bem grotesco, Corman filma esse trecho de uma maneira tão estranha que lembra levemente os momentos de exorcismo do profano Os Demônios de Ken Russell. Seria tudo isso uma sessão de tortura e esse é um devaneio dele? Talvez.
Ele leva Mary para passear de carro, até mostra o livro dela impresso, assume ser do futuro. Mary também não parece se importar muito com o carro, embora resolva ter com o doutor justamente após passear com ele.
Eles se beijam e aparentemente transam. Pouco antes de se entregar, Mar fala que Percy e Byron pregam o amor livre e ela o pratica. Em outros pontos, os outros escritores também aparecem, mas não tem uma participação muito digna de nota, fora a citação. Estão lá protocolarmente.
Nessa obra de época ele é econômico ao mostrar a pele desnuda das mulheres, o que é no mínimo curioso, por conta de os filmes que Corman produzia terem muito apelo ao onanismo.
Apesar do roteiro se perder em meio aos seus enlaces sentimentais forçados, a história segue, mais ou menos como a versão resumida do famoso livro. A criatura vai atrás de Elizabeth Lavenza, a personagem de Catherine Rabett.
Não existe o cuidado sequer de desenvolver o carinho e os sentimentos entre o casal, a criatura só aparece, a mata e então Raul Julia lamenta a perda de sua amada.
O monstro causa estrago, mata pessoas decapitadas, arranca o coração da mulher, arruma uma forma de salvar Joe Buchanan, para que ele possa ajudar ao mestre e ao experimento.
A meia hora final corresponde a um momento estranho, uma teoria da conspiração, que faz perguntar se não estaria Victor e o monstro reunidos no mesmo objetivo.
Enfim isso se mostra real, o cientista louco quer usar o carro para arrumar uma forma de conduzir eletricidade. A princípio se pensa que o personagem de Victor Frankenstein quer construir uma noiva para a monstruosidade, mas não fica claro isso, exceto no final. Essa construção de mistério é bem-vinda, resultando em um dos poucos cuidados com o conteúdo do roteiro.
Já Brimble vive um personagem rústico, grande, forte e esperto, mas que é limitado intelectualmente, tanto que não sabe diferenciar o carro de um homem - uma vez que a máquina pensa e fala - nem sabe dizer se Joe Buchanan ou William Frankenstein (o irmão do seu criador, morto pelo próprio monstro) foram feitos por Victor ou não.
Se a criatura é assim, qual seria a sorte de Victor em conseguir ressuscitar sua amada morta, utilizando o mesmo método que utilizou para dar o sopro de vida ao seu filho bastardo? Essa questão também permeava o livro de Shelley, mas aqui tem ainda mais camadas e razões para achar tudo nefasto.
Corman faz uma especulação insana sobre a obra da escritora. se baseia em outro livro, mas o tempo todo recorre ao Prometeu Moderno como material base. Não seria injusto comparar esse com o esforço de Francis Ford Coppola em Drácula de Bram Stoker, é inclusive mais nesse estilo do que o Frankenstein de Mary Shelley que Kenneth Branagh estrelou e dirigiu.
Os momentos finais, na casa de máquinas, cheia de aparelhos tecnológicos e luzes gritantes reforça a ideia de que tudo é apenas um momento de devaneio, uma fantasia de viagem no tempo, como se fosse uma simulação de Holodech, retirada de um episódio ruim de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, que inclusive, estava em exibição em 1990.
Explica? Não...nem se esforça para isso, já que acaba de maneira trágica, com quase todos os personagens mortos, sem garantias de que as linhas do tempo serão minimamente restauradas.
Frankenstein: O Monstro das Trevas é de um mau gosto atroz, revela que Corman estava enferrujado como realizador. Tem os defeitos que ele sempre carregou em sua carreira como realizador, mas sem o charme eventual que ele carregava em suas obras. É irregular, até diverte, mas não faz muito mais do que isso.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários