Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James Cameron

Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James CameronPesquisar sobre a carreira de grandes cineastas é um exercício de curiosidade imensa e normalmente gera a apreciação de obras peculiares. Não é incomum pegar pérolas trash e produções de gosto duvidoso no iniciar de carreira de diretores e artesões do cinema mainstream. É o caso por exemplo de James Cameron, uma vez que sua estreia na direção foi em Piranhas II : Assassinas Voadoras

Obra lançada no ano de 1981, quatro anos depois de Piranha de Joe Dante, a proposta dessa versão é tão ou mais bizarra que a obra de 78, com uma abordagem cujos bastidores foram curiosos, uma vez que é uma produção entre Itália, Países Baixos (antiga Holanda) e Estados Unidos. No entanto, o elemento disruptor de fato é a régia de Cameron.

Produzido pelo estúdio Chako Film Company, foi distribuído pela
Saturn International Pictures nos Estados Unidos e pela Columbia Pictures no resto do mundo. Seu lançamento se deu antes na Europa, em agosto de 1982, só indo aos cinemas americanos em novembro do mesmo ano.

Como boa parte da filmografia B do cinema de horror italiano, esse possui alguns nomes. Entre as alcunhas em inglês estão Piranha II: The Spawning, Piranha II: Flying Killers, ou somente The Spawning. Curiosamente no Brasil o filme tem o plural no nome, mesmo que originalmente, chame-se Piranha ou não Piranhas. Coincidência ou não, o Alien de James Cameron também está no plural, chamando-se aqui de Aliens: O Resgate, lançado em 1986.

A história se passa em uma ilha caribenha e em atenção a isso Cameron conduziu as cenas externas na Jamaica e nas Ilhas Cayman. Algumas das cenas internas foram rodadas em Roma, na Itália, trechos esses conduzidos por Olvidio G. Assonitis, profissional egípcio, radicado na Itália, cuja carreira é totalmente ligada a cena de filmes B europeus.

Oficialmente o posto de Assonitis é de produtor executivo, mas ele dirigiu algumas sequências, a despeito de sua experiência com fitas de horror na água, como Tentáculos, que ele levou aos cinemas em 1978. O que se falava na época é que Assonitis conseguiu a verba necessária para rodar o filme junto a estúdios norte-americanos, garantindo assim um orçamento de $ 500.000 para produzir o longa, desde que um americano fosse creditado como diretor.

No livro Dreaming Aloud, escrito por Christopher Heard e em The Futurist de Rebecca Keegan, é dito que o futuro criador de Avatar trabalhou nos efeitos especiais do filme, reescreveu o roteiro, criou storyboards, procurou locações e filmou quatro dias.

Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James Cameron

Até então ele havia feito um curta, chamado Xenogenesis, foi assistente de produção (não creditado) em Rock'n Roll High School, também foi diretor de arte em Mercenários das Galáxias, consultor de design em Android: Muito Mais Que Humano.

Ou seja, era alguém da indústria, mas ainda sem grande destaque, fato que fortalece essa teoria de que o filme é mais de Assonitis do que dele. Curiosamente, a maior parte dos trabalhos de Cameron eram em produzidos por Roger Corman, que inclusive, havia sido produtor executivo em Piranha, mas essa parte dois não teve envolvimento do mago dos filmes B.

Outro fato curioso tem a ver com uma viagem que Cameron fez para a Itália. Seu cachê era pouco e ele decidiu gastar a maior parte do dinheiro com a passagem, escolhendo uma bastante cara. Resultado, quando chegou a Europa, não tinha muita verba para comer.

Ele se alimentava das sobras das bandejas do jantar em seu hotel, comia também pãezinhos que sobravam. Por conta disso, ele adoeceu, teve febre graças a desnutrição e supostamente, foi nessa época em que ele teve um pesadelo com um torso metálico, saindo de uma explosão e se arrastando pelo chão com facas de cozinha. Foi daí que ele tirou a ideia inicial de O Exterminador do Futuro, filme que ele lançaria em 1984.

A trama desse Piranhas II começa na água, com um casal conversando - tal qual no filme de Dante. A diferença cabal é que aqui os personagens são mal dublados, aspecto esse bem comum no cinema de gênero italiano, onde gente do mundo todo convivia no set, cada um falando em seu idioma nativo, sendo dublado na pós-produção.

O longa já se diferencia bem do anterior, mostrando um ataque na cena inicial, com o olhar dos peixes em primeira pessoa. Também aparece nudez, sem qualquer vergonha, embora esse seja bastante tímido nesse aspecto, perto do que poderia ser, afinal, é um filme que se passa em ambiente tropical.

Logo é mostrado um cenário com areia, na beira da praia, onde uma personagem sai da água reclamando que foi atingida por um bicho. Era na verdade uma caravela (animal popularmente conhecido como medusa ou água-viva), que queimou a sua pele.

A moça, Beverly (Tracy Berg) é salva pelo dentista Leo Bell (Albert Sanders), um personagem de visual caricato e atuação histriônica, como aliás era comum entre a maioria dos personagens apresentados.

Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James Cameron

Como é de se esperar em filmes de monstro, é difícil encontrar grandes dramas e protagonismos entre os personagens humanos, e Piranhas 2 não é exceção. O sujeito que mais se aproxima de um herói é Steve Kimbrough, um homem da lei, que patrulha o lugar de lancha e é interpretado por Lance Henriksen.

Além de cuidar da ordem dentro da ilhota, ele tem que lidar com sua ex-mulher Anne, personagem de Tricia O'Neil. Além de ter que lidar com o divórcio em andamento, ele tem que engolir o fato dela aparentemente ter superado ele sentimentalmente, já que está se relacionando com outro sujeito.

Henriksen depois voltaria a trabalhar com Cameron, em Aliens: O Resgate. Pautaria toda a sua carreira em participações de filmes B, como Pumpkinhed, Mutação 3: O Sentinela, Hellraiser 8: O Mundo do Inferno, Alone in the Dark 2: O Retorno do Mal, eventualmente fazia um filme blockbuster ou outro, como Alien 3, a animação Tarzan da Disney e o faroeste de Sam Raimi, a comédia Rápida e Mortal.

Uma coisa curiosa é que Cameron aparentemente pegou gosto e obsessão por filmar histórias que envolvam a água, seja com o mar ou oceano profundo. Ele faria na década de oitenta Abismo do Medo, nos anos 1990 deu a luz a Titanic, um drama cujo destino final é o um naufrágio trágico. Até Avatar fez um mergulho no mundo aquático, em Avatar: O Caminho das Águas.

A obsessão aqui se justificou especialmente nas cenas de corpos dilacerados pelos dentes dos peixes. Anne encontra o corpo de um colega seu, na água, com uma maquiagem maravilhosa de Brian Wade, que é também escultor das piranhas.

Wade se baseou em sketchs de Cameron, para criar os monstros. Abaixo uma imagem de um esboço do cineasta.

Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James Cameron

O filme dá um destaque para uma dupla de beldades, que são Carole Davis, que faz Jai, uma moça malvada, que maltrata um homem especial no cais só porque tem a oportunidade de fazer isso, e sua amiga Loretta (Connie Lynn Hadden) que é mais tímida, mas não impede a amiga de fazer as suas maldades.

Elas são um resumo do clichê das belas moças que merecem morrer. A verdade é que não há muito por quem torcer no filme, todos os personagens têm falhas morais pontuais, mesmo Anne é assim, uma vez que não tem muito apego ao seu matrimônio, além de ser curiosa, já que quer descobrir o mistério local, mesmo antes de perceber o mal que está para ocorrer ali.

Como ela é uma mulher e quer assumir para si a bravura, obviamente seria malquista por parte do público mais conservador. Fato é que essa é uma marca que encaixa Piranhas II mais na seara dos filmes italianos, que normalmente não tem receio em colocar mulheres em papéis de destaque, ao contrário do cinema de horror dos Estados Unidos, que colocam mulheres normalmente para serem salvas por homens.

Anne se junta a Tyler (Steve Marachuk), invade o hospital para fotografar o cadáver putrefato do sujeito que ela encontrou antes e é devida - e justamente - expulsa de lá por uma enfermeira.

O corpo do sujeito está repleto de buracos, semelhante a crateras, são mordidas na verdade e dentro do corpo se escondia um peixe, com asas, que trata de matar a enfermeira quando tem chance.

O laudo do legista afirma que houve uma pressão muito forte, um esforço mandibular, com mordidas tão intensas que atravessaram ossos. Não se conhece nenhum animal vivo que faça um ferimento semelhante a esse. A causa aparentemente tem a ver com experiências militares de anos antes, peixes assassinos feitos para destruir os rios do Vietnã.

Os animais então conseguiram fugir do tanque e passaram a matar civis na ilha. A aparência das criaturas aproxima eles de seres semelhantes a família das piranhas, no entanto essas são maiores, são modificadas geneticamente, fazendo assim um paralelo com a obra de Dante, ainda que justifique os ataques de uma maneira que não necessita de ligações com o filme de 1978.

Jai e Loretta morrem na água, de maneira cruel e engraçada. O curioso que mesmo com bonecos horríveis, a cena em si é bem legal, filmada de um ponto vista cuja distância ajuda a deixar assustador, excetuando a atuação ridícula das duas e o peixe falso que está em tela.

Piranhas II - Assassinas Voadoras : O subestimado e grandioso filme trash de James Cameron

Steve também é um personagem indócil. Em determinado ponto ele pede grosseiramente para Anne se afastar, já que duas pessoas assassinadas encontraram com ela pouco antes de morrer. Desse modo ou ela é suspeita ou uma possível próxima vítima.

Se o filme de Dante serviu de inspiração para filmes slasher, esse retribui a homenagem, emulando a estrutura de filme de assassino. No terço final o roteiro se dedica a tentar humanizar seus personagens, dando motivos singelos para que o espectador se importe com os sobreviventes da ilha. Mas isso só recai sobre o povo, já que as pessoas importantes da cidadezinha são odientas, o resumo da elite do atraso. Gente afetada, desonesta e escrota, são tão caricatas e malvadas que fazem os ex-casal se unir em prol do mesmo objetivo.

Essa diferenciação de pessoas é uma grande distinção dessa obra dos seus pares, deixando ele em um nível de importância bem maior que o capítulo anterior da saga e muito superior as sequências de Tubarão.

Quando ambos percebem que avisar que há um mal acometendo o lugar não é suficiente para colocar as autoridades em alerta, eles percebem que vão precisar alertar os outros sozinhos, mas ainda assim eles não conseguem parar as festividades e o luau que vai ocorrer na beira da praia.

Boa parte do horror do filme mira o absurdo nonsense, afinal, peixes que voam e matam no ar e em terra firme não é algo comum de ocorrer. Mas, em alguns pontos, há uma exploração genuína de terror.

Os vinte minutos finais contém cenas agressivas, com a mais pesada delas sendo a de uma vítima que se arrasta pela praia cheio de pústulas, quase como um zumbi, que se movimenta pelo cenário da noite, com uma personificação tão escura quanto o breu da noite.

Considerando que é uma coprodução da Itália, é difícil não associar esse a filmografia de Lúcio Fulci, Claudio Fragasso e Bruno Mattei, inclusive pelos absurdos ataques dos peixes voadores em um luau.

A natureza retribui a ignorância humana com violência, sangue e ataques sem escapatória. A sequência vai ficando estranha principalmente pelo fato de alguns hóspedes do resort, em meio a fuga, estarem procurando abrigo em piscinas cheias d'água, talvez pensando que piranhas são animais de água doce...como elas vêm do mar isso simplesmente não faz sentido.

Em muitos aspectos Piranhas II: Assassinas Voadoras supera o original, especialmente pelo fato de realmente explorar figura dos peixes assassinos. Fora isso tem momentos em que se leva a sério e até neles, acerta. As melhores partes são as galhofeiras, as cenas de humor, que em alguns pontos são propositais e em outras, involuntárias. Essa mistura tempera bem o filme, que soa charmoso demais em sua abordagem.

Deixe uma resposta