As Criaturas Atrás das Paredes de Wes Craven não é um filme de terror, mesmo com um nome chamativo e apesar de reunir boa parte dos elementos comuns ao gênero, e sim uma história de mistério com elementos de aventura visando as crianças.
O longa de 1991 tem um protagonista infantil, Poindexter 'Fool' Williams, personagem de Brandon Adams, que descobre uma menina orfã em sua vizinhança, chamada Alice (A.J. Langer), que vive com dois tutores bem estranhos, em uma casa que tem uma aura ainda mais esquisita em comparação com os adultos que moram nela.
A trama se desenrola a partir dos primeiros encontros entre os dois, um menino preto e uma garota branca, com ambos fazendo parte de famílias "incompletas", que carecem de figuras básicas de autoridade.
O roteiro de Craven é um pouco confuso, varia entre os clichês de sociedade secreta maléfica e segredos escondidos nos armários (no caso especifico, o interior das paredes dessa residência), além de abordar questões do cotidiano de a uma criança negra da zona urbana dos Estados Unidos.
Fool é representado como um rapaz comum, que brinca e gasta seu tempo com Leroy (Ving Rhames), um trambiqueiro que namora sua irmã.
Esse artifício serve também para reforçar um dos temas recorrentes na filmografia do diretor que é abordar histórias de famílias disfuncionais, ainda que aqui isso seja tratado com normalidade e naturalidade nesta trama específica.
Dentro da filmografia do diretor, essa produção se coloca no mesmo hall de A Maldição dos Mortos Vivos e Música do Coração, se baseando mais no drama do que no medo e escolher Adams para o papel principal foi uma boa escolha.
O ator mirim vinha de boas participações em seriados como Um Maluco no Pedaço. Vale lembrar que esse é um dos muitos filmes do diretor que contém um elenco formado majoritariamente por negros, tal qual ocorreu em Vampiro no Broklyn, tendo papéis importantes não só para a Adams e Rhames, mas também para Bill Cobbs e Kelly Jo Minter.
O roteiro de As Criaturas Atrás das Paredes tem fortes semelhanças com A Maldição de Samantha, peça trash de Craven lançada alguns anos antes. Em ambas histórias um rapaz se interessa por sua vizinha e passa a ter com elas aventuras proibidas, com a diferença da troca da fase da puberdade pela infância, fato que dá a história um ar mais lúdico, curiosamente mais semelhante ao livro de Diana Henstell que originou o longa de 1986.
De diferente na trama há o argumento de que o homem pode ser o causador do mal, mostrando brancos conservadores e suburbanos subjugando uma parcela da população em um gueto de submundo, criando para esse "povo" uma condição de subvida.
Há uma clara referência a escravização do povo negro na "terra da oportunidade", e em como os sucessores dos escravagistas dos Estados Unidos - simbolizados aqui como a classe média - é incapaz de perceber seus erros do passado, tendo a reprisa-los no presente, fora a óbvia e complicada referência a maus tratos infantis, já que Alice é tratada de maneira bem violenta mesmo antes de mostrar o povo que habita o concreto da casa.
A construção do mistério é orgânica e o suspense é bem desenvolvido. A sensação de que o perigo está à espreita é revelado de maneira gradual e surpreende essa fluidez em um filme cujo elenco central é juvenil. Tudo soa bastante natural.
A utilização do gore é inteligente, e um momento específico chama a atenção, quando o personagem chamado apenas de Homem de Everett McGill tira vísceras de um corpo pendurado de cabeça para baixo, chocando a audiência com a violência, agravada com o mesmo sujeito jogando uma mão humana para o cachorro comer.
As pessoas escravizadas, que moram dentro das paredes são tratadas pelo casal de vilões como coisas, como criaturas que não tem humanidade, e obviamente é o casal que carece de sentimentos minimamente humanos.
No entanto o maior dos pecados certamente é a descriminação. A família de vilões tenta afastar Fool e Alice pelo fato dele ser negro, servindo como um paralelo ao comum pensamento de boa parte das famílias brancas que tem receio de ver suas meninas com homens de origem africana.
Não bastasse a clara referência a psicopatia do casal de tutores, ainda seria acompanhado por um comportamento de segregação e preconceito, além de referências a práticas sexuais pouco usuais, como bondage e sadomasoquismo.
As questões raciais lembram o cinema de Jordan Peele e sua produção "recente" Corra!, longa que trata de "paranoias" raciais de personagens negros, que enxergam nos brancos um receio pela conquista de direitos básicos, tal qual ocorre aqui entre os personagens do Homem e da Mulher (interpretada por Wendy Robie) como o equivalente aos velhos caucasianos que fazem experimentos com jovens pretos na obra de Peele.
O conceito de pessoas vivendo nas frestas lembra o mundo subterrarão de Nós, do mesmo realizador, em outra obra que também lida com questões de discriminação racial, embora aumente o escopo da crítica a toda a humanidade abastada e não somente ao homem branco endinheirado.
Se a obra de Craven não é brilhante, ao menos serviu para inspirar cineastas que desenvolveram argumentos interessantes e histórias de horror bastante inventivas.
As Criaturas Atrás das Paredes é um filme confuso, ao tentar abordar temas sociais tão diversos, acaba diluindo sua crítica, e generalizando questões como a associação de um comportamento insano e maléfico com praticantes de BDSM.
Ao mesmo tempo ousa em dar espaço dentro do cinema de gênero a um elenco que normalmente não protagonizaria obras assim, e perverte o drama infanto-juvenil colocando temperos assustadores em sua formula, e dessa forma, mesmo que seja problemático em se definir em gênero, o longa soa charmoso na perversão de aparências e clichês, colocando as pessoas "visualmente" monstruosas como vítimas e não como causadoras do infortúnio, quase como um Goonies pervertido ao extremo.