O tradicional festival de cinema fantástico Cinefantasy chega a sua décima terceira edição, com programação ainda a ser anunciada e sessões presenciais para o início do mês de Junho. Dentro da seleção de longas e curtas-metragens há material do Brasil, América Latina e de todo o mundo, e o filme de abertura é este Dreamover, longa russo que mistura a melancolia tangente e o mundo dos idílico dos sonhos.
Dreamover é escrito e dirigido por Roman Olkhovka. Sua história se inicia em uma cena forte, com Dmitriy, personagem de Ilya Chepyrev mergulhando fundo, se afogando em meio a água que parece ser limpa como a de uma piscina, mais profunda como a de um rio ou mar, já estabelecendo que a fronteira entre o real e o irreal serão pervertidas ao longo dessa trama.
Isso na verdade é um sonho mau, um pesadelo e essa condição não demora a ser demonstrada desta forma. O personagem é perturbado pela condição recorrente de terror noturno, e decide ir até uma empresa que estuda o sono, aderindo a um tratamento clínico de manipulação dos sonhos, através de um aparelho semelhante a um discman antigo, que o mesmo conecta com fones de ouvidos na hora de dormir.
Dmitriy é um sujeito melancólico, em poucos momentos do filme se percebe um estado emocional depressivo, sem perspectivas, uma pessoa frustrada. Não demora a ocorrer uma afeição pela condição desacordada, o que deveria ser apenas uma mera distração se torna uma obsessão crescente pelo nostálgico, já que seus sonhos miram lembranças suas do passado.
Ele reencontra amigos que não via há muito tempo, e os contacta até no mundo real, estabelecendo portanto uma conexão entre esses dois universos distintos. Mas como uma droga, ele se vicia, e aos poucos perde a noção dentro da especulação do sonho.
A negação do tangível, do que se pode tocar e considerar realidade é um dos maiores cuidados de Olkhovka em montar sua história. Mesmo sem dar grandes detalhes da vida "presente" de seu personagem central é fácil perceber que ele é um sujeito amargurado, uma triste e solitária figura que não sabe o que fazer de seu tempo livre, que achando uma possibilidade de fuga, apela para ela sempre que pode.
Durante seus sonhos, Dimitryi é Demian, um rapaz jovem, vivido pelo próprio Olkhovka, e é bem diferente da versão mais velha. Tem sonhos, anseios de tornar-se um músico, e depois de algum tempo, é introduzida a personagem feminina Masha, de Angelina Savchenko, uma moça com interesse por fotografia que sonha em ser modelo, mesmo que tenha timidez demais para assumir essa condição.
Dreamover lida também com o conceito da negação, e mostra como um comportamento obsessivo pode intensificar a questão. Ao se ver sendo desagradado, Dmitriy entra em contato com o suporte da clínica de distúrbios nos sonhos, para viver dias diferentes dos que vive, mas como o material é experimental, não há como fazer grandes mudanças nos sonhos, tampouco escolher as memórias que se reviverá.
Daí o longa se torna um drama com pitadas de comédia amorosa, mostrando o cortejo entre Demian e Masha que lembra os filmes românticos franceses recentes.
O desenrolar do roteiro é curioso, pois avança vagarosa e gradativamente. Há muito cuidado em estabelecer que os dois não estão juntos por conta de desencontros comuns a vida urbana moderna.
A ideia de estabelecer uma ficção científica de contornos agridoces flerta com o cinema de horror, uma vez que lida com as tentativas de manipulação do destino sonhado, e ao menos nas primeiras incursões, o protagonista não obtém qualquer êxito.
Esse quadro muda na metade final, já que a máquina tem um nível de processamento limitado, girando sempre em torno de um número X de memórias. Desse modo, o vendedor entra em contato com o paciente, avisando que esses momentos se repetirão.
A condição de simulacro aparentemente é forte demais para a mente de quem a usa, aos poucos convence de que os fatos modificados dentro do sono alteram o mundo real. Nesse engodo, até mesmo o espectador pode ser ludibriado. Com a repetição de ciclos, Demian passa a ter mais consciência com as incursões, e o choque de personagens, a mistura entre ele e Dmitriy parece não fazer bem para o jovem, pois o insucesso do velho invade a rotina do rapaz.
Dreamover mostra um fim cíclico, retornando ao início pouco antes dos créditos finais. Olkhovka consegue pincelar bem questões tristes como a vontade de não existir e seu avatar mais sério, o suicídio, e faz isso sempre deixando turva e dúbia a percepção do que é real e do que é sonhado, e o faz de maneira triste, abraçando melancolicamente a nostalgia e a entrega ao passado que não se pode alcançar.
Ficha técnica: DREAMOVER
Ficção | Drama, Ficção Científica | 99’ | cor | 2021 | 12 anos | Rússia
Direção: Roman Olkhovka
Roteiro: Roman Olkhovka
Elenco: Ilya Chepyrev, Angelina Savchenko, Roman Olkhovka, Maksim Govorunets e Sergey Kuznetsov
Quando a vida se torna insuportavelmente infeliz, um velho solitário participa de um procedimento médico experimental, revivendo uma história de amor esquecida há muito tempo.
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