Crítica: Hereditário

Um tenso e angustiante estudo psicológico dos desarranjos familiares

Com o passar dos anos, filmes de terror ficaram ótimos em assustar, mas, pouquíssimos conseguiram, de fato, fazer o espectador sentir um medo genuíno. Há diferenças. Sustos fáceis, à base de jump scares, qualquer um pode fazer. Tornou-se algo banal. Mas, fazer o público sentir pavor, incômodo e perturbações, sentimentos que impregnam a mente, mesmo depois do filme ter acabado, é praticamente uma raridade nos dias de hoje.

Por isso que Hereditário deve ser visto e revisto por essa nova geração.

Claro, como muitas produções dessa nova safra do terror (A Bruxa, Ao Cair da Noite e Um Lugar Silencioso), Hereditário tem como principal característica o pavor psicológico, aquele que é mais sugerido do que mostrado. A diferença é que, aqui, há algumas cenas perturbadoras, um pouco mais explícitas, e uma construção melhor dos personagens (não à toa, o filme possui mais de duas horas de duração).

Personagens esses que representam muito bem o estereótipo das famílias com sérios problemas de convivência e de comunicação. A começar, por exemplo, por Annie, que acabou de perder a mãe (extremamente controladora), e que agora se mostra igualmente rígida com os filhos Peter e Charlie.

Estes, por sua vez, vivem em seus próprios e estranhos mundos particulares; Peter, como um típico adolescente tímido e cheio de dúvidas, e Charlie como uma menina reclusa, que, por sinal, fabrica os próprios brinquedos (alguns, bem macabros, diga-se).

Completando esse núcleo familiar bastante complicado e disfuncional, temos o patriarca Steve, muitas vezes, alheio ao que se passa na com a esposa e os filhos, sendo extremamente passivo diante dos problemas mais graves.

O que se pode perceber nesses personagens é que a falta de comunicação entre eles acaba gerando uma espécie de distância cada vez maior entre todos. E, paralelo a isso tudo, sinistros acontecimentos vão começando a fazer parte do cotidiano deles.

O diretor Ari Aster estreia aqui com o pé direito. Sua concepção para uma história, que, no final, pode parecer bem simples, acaba gerando interessantíssimas simbologias a respeito da família e da vida de uma forma geral.

Annie, por exemplo, trabalha fazendo maquetes, e justamente uma das primeiras sequências do filme é mostrar uma perspectiva onde os personagens principais parecem estar em uma grande maquete, como se alguém, ou “algo”, os estivesse controlando. Uma técnica até certo ponto muito simples, mas, bastante criativa dentro do contexto da trama.

Isso sem contar que o roteiro (também a cargo de Aster) é bastante perspicaz e inteligente ao não dar tudo de mão beijada para o espectador, e até mesmo subvertendo algumas expectativas, construindo um ambiente que consegue ser mais amedrontador do que muitos filmes da chamada cena do pós-terror (como o já citado A Bruxa).

A produção não quer apenas mostrar uma lenta e gradativa tensão, mas também nos dizer algo a mais. Algo que versa diretamente com a questão do luto, das expectativas familiares, da falta de controle que temos da vida e daqueles que nos cercam, entre outras possibilidades alegóricas. Sim, Hereditário não é “somente” um bom terror psicológico.

Somadas a essas qualidades, temos as atuações, que se mostram muito bem desenvolvidas, a começar por Toni Collette, que faz da sua Annie uma mulher um tanto amargurada pela morte da mãe, e insegura quanto ao seu próprio equilíbrio familiar. Uma interpretação com intensidade, digamos assim.

Milly Shapiro, como a enigmática e estranha Charlie, dá um ar sombrio necessário à sua personagem, deixando o espectador ansioso a todo o momento. Já, Alex Wolff, como Peter, tem uma atuação mais contida, porém, muito eficaz, e que vai crescendo no decorrer da trama, à medida que a importância do seu personagem vai sendo desenhada.

Por fim, Gabriel Byrne, mesmo em um papel relativamente pequeno em relação aos demais, consegue dar dignidade ao seu Steve, representando bem a típica apatia de um pai de família que demora a agir, mesmo quando, claramente, tudo ao seu redor está desmoronando.

Como outros filmes de terror psicológico recentes, Hereditário não é uma produção fácil de ser digerida (são muitas metáforas e dramas pesados a serem absorvidos em uma única assistida). Porém, a seu favor, temos um clima de terror e claustrofobia que realmente incomoda (algo que nem sempre muitos desses filmes atuais conseguem imprimir de forma satisfatória - Ao Cair da Noite, por exemplo).

Ainda assim, trata-se de um filme totalmente fora da curva em se tratando do cinema mainstream, e que, dada a devida chance, pode ser uma produção com muito a nos dizer sobre relacionamentos familiares, e mais precisamente sobre a culpa e o luto que cercam esses relacionamentos. Sentimentos que, em muitos casos, são o verdadeiro terror que as pessoas enfrentam.

Redação

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    Antonia Almeida 16 julho, 2018 at 15:06 Responder

    Recomendaram-me este filme e realmente é muito interessante. Tem protagonistas sólidos e um roteiro diferente, se tem uma coisa que eu não gosto nos filmes de terror atuais, são os screamers, e o que eu mais gosto é o terror psicológico, depois de vê-la você ficara com algo de medo. Os filmes de terror são meus preferidos, é o melhor. Meu favorito é It: A Coisa, acho que o novo Pennywise é muito mais escuro e mais assustador, Bill Skarsgård é o indicado para interpretar o palhaço. Aqui deixo os horários da estréia: https://br.hbomax.tv/movie/TTL612335/It-A-Coisa é realmente uma história muito interessante, uma das melhores de Stephen King, o clube dos perdedores é muito divertido e acho que os atores são muito talentosos. Já quero ver a segunda parte.

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