Crítica: O Lobo Atrás da Porta

21046661_20131003231727665.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxTenso, obscuro e psicológico, noir carioca surge com a força de um tiro na cabeça.

Por volta de 1960, no Rio de Janeiro, um crime passional chocou o Brasil inteiro pela tamanha brutalidade do acontecido. Uma jovem, de 22 anos, que se sentia inconformada pelo amante não largar a família, decidiu vingar-se, e acabou cometendo um ato monstruoso contra a filha do sujeito. O que a deixou marcada para sempre como "A Fera da Penha".

Certamente, o já ator, e agora diretor e roteirista, Fernando Coimbra, tomou de inspiração este caso policial, para o seu filme de estreia, O Lobo Atrás da Porta. Entretanto, o que mais chama atenção aqui, é como Coimbra abordou e descreveu esta história. Onde um conto extremamente demonizado recebe um viés mais humano, sem que isso soe como uma afronta perante a sociedade. Servindo até como exemplo global, em relação a alguns delitos contemporâneos, que vivenciamos e às vezes perdemos a noção de justiça e humanidade. Lemas estes que necessitamos, urgentemente, em tempos atuais.

Engendrando uma narrativa não linear, que mesmo aparecendo de forma ousada, mantem-se firme e elegante, o diretor vai explanando e reconstituindo o crime pouco a pouco, como uma espécie de quebra-cabeça, através da visão do delegado responsável pelo caso, interpretado, de forma convincente, por Juliano Cazarré (360) – ator que vem fazendo sucessivas participações no cinema nacional e internacional. Como é de costume, Milhem Cortaz (Tropa de Elite) empresta sua persona e dá uma perspectiva caricata a Bernardo. Um bom homem, que devido a problemas no casamento, vê em outra, novamente, a excitação sexual, mas ainda confessa amar sua esposa Sylvia (Fabiula Nascimento) e, principalmente, sua filha Taninha – seu maior álibi.

Mas é na sempre excelente Leandra Leal (Bonitinha, Mas Ordinária) que reside a grande força do elenco. Sua Rosa é tão dúbia em personalidade, que poderia enganar ela mesma. Impetrando uma das atuações mais competentes que pude conferir esse ano. Num momento a vemos como uma garota delicada, que parece ter sido seduzida, brotando como a maior vítima da situação; mais tarde ela se tornará uma figura vingativa, que perdeu o seu último fio de humanidade, quando realizou um ato monstruoso e impiedoso.

Dono de uma estética interessantíssima, o ótimo cinematógrafo Lula Carvalho (À Beira do Caminho), confere uma atmosfera noir à trama, por utilizar lentes mais escuras, com poucas tonalidades de cor, dando uma impressão obscura e de tristeza ao ambiente. Ou mesmo nas escolhas de ângulos incômodos e fechados, aproximando mais ainda o espectador daquele universo, e causando uma sensação espinhenta. Sendo também auxiliado por Valeria Stefani, que constrói um cenário curioso: ao mesmo tempo em que nos põe numa época distinta do presente, ela nos mostra, através de planos detalhes, como tevês e celulares modernos, que este é um filme atemporal, em todos os sentidos. Ainda amparada pela sufocante trilha de Ricardo Cutz.

São por esses elementos técnicos, críticos e artísticos, que O Lobo Atrás da Porta, aparece como mais um petardo dentre as produções nacionais. Que por sua vez, vive o que seria sua melhor safra. Com uma cinematografia riquíssima, em vários aspectos, e que pouco se deixa soar escapista, quando um autor põe a mão no projeto. O filme tem data de estreia para o primeiro semestre de 2014, mas vem colecionando prêmios, como o troféu Redentor de melhor filme de ficção da mostra Première Brasil do Festival do Rio 2013. São trabalhos assim, que fazem pessoas criar interesse de revirar um pouco da nossa história jornalística, para assim contarem, sob seus pontos de vista, fatos que não podem ficar somente no passado.

Texto originalmente publicado na cobertura do VI Janela Internacional de Cinema do Recife.

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