Crítica: Poder Sem Limites

A estética de "filmagem encontrada" já chegou a seu esgotamento dentro do gênero terror (embora ainda leve o público para as salas de cinema). Por isso nada mais natural que experimentá-la em outro tipo de filme, principalmente um que está em seu momento mais glorioso: o de super-heróis. E, embora o mero fato de se trabalhar com duas fórmulas que agradam possa parecer um tanto forçado, a ideia funciona muito bem em Poder Sem Limites, mesmo com alguns escorregões aqui e ali. Dirigido pelo novato Josh Trank, o filme mostra Andrew (Dane DeHaan), um jovem colegial cheio de problemas em casa com o pai alcoólatra e a mãe gravemente doente, que depois de uma rave, encontra, com seu primo Matt (Alex Russell) e o aspirante a político Steve (Michael B. Jordan), uma estranha formação rochosa cujo brilho intenso lhes conferem poderes telecinéticos.


Desde a primeira cena de Poder Sem Limites, quando o espectador é apresentado ao protagonista vivido por DeHaan, o filme deixa tudo muito claro a respeito do ambiente onde este foi criado. O pai abusivo, aos olhos do filho um vagabundo que vive de uma pensão por invalidez, é apontado imediatamente como responsável por toda a revolta do garoto, principalmente por sua evolução ao longo da trama, conforme treina suas recém-adquiridas habilidades e pela forma quase doentia com que resolve filmar todos os momentos de sua vida. Deste núcleo é possível identificar algumas fraquezas do roteiro do também novato, Max Landis (filho de John Landis). A primeira vem justamente do pai vivido por Michael Kelly, que nutre um sentimento quase de ódio pelo filho, mas cuja natureza nunca é explorada. A segunda não é usar a câmera como barreira entre o garoto e o mundo, mas explicar isso de forma bem didática, mais ou menos na metade da narrativa. O complicado do visual "filmagem encontrada" é que aquilo deveria exibir reações expontâneas, mas quando se tem personagens explicando elementos que deveriam ser subentendidos pela audiência, tudo soa de forma artificial. E assim o é quando o primo de Andrew, apresentado como um garoto popular que tem como uma de suas grandes preocupações a manutenção de seu muscle car, cita Schopenhauer e Platão, simplesmente para incluir uma boba discussão filosófica na trama, que nunca evolui pra nada a não ser explicações que parecem ter saído do wikipedia.

Desnecessária também é a garota interpretada por Ashley Hinshaw, presente simplesmente por possuir uma segunda câmera, cujo uso é parte do terceiro ato e mesmo assim não justifica a personagem descartável. Mas apontando erros assim, pode-se ter a impressão que Poder Sem Limites é ruim. Não é. Apesar desses topeços, o longa é bem eficiente ao que se propõe: dar ao gênero de super-heróis uma narrativa incomum, conferindo, além de certa aproximação do público com os três adolescentes poderosos, boas cenas nas inúmeras demonstrações de suas habilidades. Um bom exemplo é o uso remoto da câmera por Andrew. Assim que desenvolve sua capacidade de controlar objetos com a mente, o jovem dispensa o uso das mãos para manipular sua "companheira" e passa a registrar vários momentos a partir de ângulos improváveis, culminando numa fantástica sequência aérea num momento de descontração do trio, quando aprendem a voar. A escolha do trio principal também favorece o longa (apesar do já citado problema com alguns diálogos) e, por serem atores desconhecidos, conferem um ar ainda mais "palpável" à idéia de tudo ser um registro pessoal de imagens.

O roteirista Landis e o diretor Trank também são muito felizes quando resolvem aderir à cenas bem humoradas, que podem parecer banais no início, mas funcionam como uma curiosa introdução ao primeiro incidente que denuncia a dúbia índole de Andrew. É um dos "truques" mais antigos do cinema, fazer o espectador rir com os personagens para logo em seguida ficar apreensivo por eles mas, bem empregado como é neste caso, faz valer seu uso.

Mas é mesmo no clímax que Poder Sem Limites se torna uma obra de super-heróis digna de grandes estúdios. O fato do diretor e sua equipe de efeitos visuais terem conseguido criar a sequência de ação final com o orçamento baixíssimo de 15 milhões de dólares, por si só, já é um feito digno de nota. Soma-se a isso a narrativa competente e o bom trabalho dos atores, e o que se vê na tela é um dos melhores momentos do gênero dos últimos anos. Tudo bem, existe uma enorme inspiração em Akira, mas é o "como acontece" que realmente conta, muito mais do que o fato em si.

Em meio a tantas produções sobre seres superpoderosos, baseadas em quadrinhos ou não, Poder Sem Limites surge como uma grata surpresa. Um longa cujo uso da estética batida a que recorre se justifica até na virada que a trama apresenta a respeito dos protagonistas. Talvez se os diretores de alguns filmes de terror conseguissem entender que a escolha da forma deve seguir um propósito maior do que o de atrair o público, as "filmagens encontradas" pudessem até voltar a fazer sentido dentro do gênero. Enquanto isso não acontece, talvez seja melhor o cinema ficar com experimentações como esta de Josh Trank.

Alexandre Luiz

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