
Nosferatu: A Symphony of Horror é um experimento curioso. Lançado em 2023, um ano antes da versão de Nosferatu de Robert Eggers, esse é um filme que adapta o clássico do expressionismo alemão, com um caráter bem diferente das outras encarnações do clássico.
Obra com orçamento pequeno, ela é caracterizada por ter um uso contínuo de tela verde e CGI de qualidade baixa, já que não houve grande investimento, além de ter consigo um elenco que tem em Doug Jones o seu chamariz maior.
Dirigido por David Lee Fisher, esse longa é quase um fan film, que resulta em um exercício ensaístico, uma adaptação o mais literal possível de Nosferatu de F.W. Murnau, obviamente, com som e linguagem em inglês.
A obra ainda imita o conjunto imagético relacionada ao expressionismo alemão, já que o mesmo diretor também fez The Gabinet of Dr. Caligari em 2005, que adapta O Gabinete do Doutor Caligari, filme de 1920, dirigido por Robert Wiene.
A obra acaba sendo por tabela uma versão de Drácula, o romance de Bram Stoker, já que a versão alemã de 1922 era uma versão pirata do livro clássico do vampiro primordial.
O visual e a tecnologia
O uso da tecnologia de captura de movimento e o uso de cenários modificados digitalmente faz lembrar os filmes que Frank Miller dirigiu.
Lembra especialmente o bom Sin City: A Cidade do Pecado, dirigido pelo quadrinista e por Robert Rodríguez, além do criticado Spirit e a continuação do primeiro, Sin City: A Dama Fatal, também com participação de Rodriguez na direção.
As outras versões
Vale lembrar que já havia outra refilmagem do filme de 1922, no caso, Nosferatu: O Vampiro da Noite, com direção de Werner Herzog, protagonizado por Klaus Kinski.
Também se destaca o sucesso recente Nosferatu, de Rober Eggers e outras imitações, como o italiano infame Nosferatu em Veneza, lançado em 1988.
A equipe e dados de estreia
O roteiro é de Fisher, baseado no texto de Henrik Galeen e Murnau, Foram produtores Donald A. Barton, Jenna Cedicci, Emrhys Cooper, Christopher Duddy, Paula Elins, Marvin Nuecklaus, Leonard Pirkle, Johnny Steverson e Derek Zemrak. Mindy Zemrak fez a produção associada.
A obra estreou em 11 de novembro de 2023, em Novi, Michigan, em uma premiere. Depois teve algumas exibições nos EUA em novembro ainda. Chegou ao Reino Unido e Estados Unidos em outubro de 2024.
O título original é Nosferatu: A Symphony of Horror em atenção a forma como batizaram o clássico nos países de língua inglesa. Na maioria dos lugares se chama apenas Nosferatu.
A obra foi feita pelos estúdios BeamScreen Productions e Zemrak Pirkle Productions.

Quem Fez:
Fisher é um grande fã e entusiasta do cinema alemão, especialmente o que tange o movimento do Expressionismo Alemão.
Ele fez direção, roteiro, montagem e efeitos visuais do já citado The Cabinet of Dr. Caligari.
Jenna Cedicci produziu Stacy's Mom, o curta Woman Child, também Daddy Issues.
Emrhys Cooper atuou nesse, como Thomas Hutter e em Mamma Mia: O Filme, produziu The Harrowing
Christopher Duddy produziu Clube das Lobas, O Mágico Sanguinário, foi produtor executivo em Nota 12 em Confusão: O Cruzeiro dos Loucos.
Trabalhou nos efeitos visuais de O Segredo do Abismo, O Vingador do Futuro, também no departamento de elétrica e fotografia em Heróis Muito Loucos.
Paula Elins foi figurinista nesse, em Vagina Dentada, Django Livre, Rock of Ages: O Filme e Os 6 Ridículos. Produziu The Cabinet of Dr. Caligari.
Marvin Nuecklaus foi produtor nos curtas Wasser: Werke, Cutting Room e Crossroads. Também produziu a minissérie Historical Homos.
Leonard Pirkle foi produtor executivo em Fallen Angels, produtor em Santa's Dog. Johnny Steverson foi produtor executivo no curta Nexus e em Alien Planet. Derek Zemrak foi produtor executivo em King Cobra e produtor associado em Avengers of Justice: Farce Wars.
A obra recebeu críticas mistas, com elogios a atuação de Doug Jones como Conde Orlok.
Narrativa:
Da parte da história, não há muita diferença para o filme original.
Há uma clara vontade e imitar o clássico, em um exercício que lembra um pouco o Psicose de Gus Van Sant, que replica boa parte das cenas de Psicose de Alfred Hitchcock, embora a versão de 1998 tenha temas atualizados e até vestuário e figurinos modernos, ao contrário dessa.
Aqui o que se vê é uma obra de época, se nota inclusive uma forma bem peculiar de tratamento entre personagens. O casal de protagonista chega a ter uma postura caricatural.
O Thomas Hutter é feito pelo britânico Emrhys Cooper, enquanto Ellen é feita pela musa Sara Carter de Smallville e Falling Skies.

O homem avisa sua amada que vai encontrar o homem mais rico de Wisborg. O faz de forma anunciada, da maneira mais expositiva possível.
É curioso como Fisher acaba usando as suas linhas de diálogo de uma forma completamente óbvia e didática, em um movimento que lembra o início dos filmes falados, especialmente o cinema de monstros do estúdio Universal.
No caso dos clássicos de Tod Browning, James Whale e cia fazia sentido ser assim, afinal o advento de falas no cinema era algo novo, dessa forma conversas que expunham muito era lógico, quase necessário.
Em sua forma frágil de contar história, Fisher referencia outro secto de exploração temática de monstros.
A estranheza visual
As imagens passam por uma técnica que torna toda a visualização estranha e até um pouco incômoda. Se usam filtros que lembram demais o artificio utilizado para aprimorar fotos, vídeos e reels das redes sociais atuais.

A tecnologia de captura funcionava em Sin City também graças ao investimento.
Esta é uma obra de baixo orçamento, financiada por vaquinhas on-line e pela arrecadação de fundos organizada por fãs, que apoiaram campanhas coletivas de arrecadação, unicamente para ver uma versão mais fiel ao clássico.
É sempre bom ter isso em mente, na prática, esse é um produto feito por fãs, tal qual ocorreu com Never Hike Alone ou Vengeance, que são continuações de fãs para a franquia Sexta-Feira 13.
Motivações
Hutter tem motivações semelhantes as da sua contraparte do século passado. Ele odeia o prédio em frente a sua casa, justo o que será vendido ao conde.
O rapaz encontra o chique Bulwer (George Maguire) um homem que acredita no amor e em valores sentimentais um tanto genéricos, questões essas que nem deveriam ser citadas, já que dificilmente seriam odiados por alguém normal.
O intento do sujeito tão comum que chega a ser caricato o modo como ele se valoriza.
Bulwer serve como a base de normalidade para o espectador, já que ele considera o empregador do rapaz, o senhor Knock (Eddie Allen) um homem ruim.
Antes mesmo do encontro com a criatura monstruosa já são postas lado a lado duas motivações distintas, uma boa e outra malvada.
Quando o tal chefe finalmente aparece, demonstra ser alguém rabugento. Diante da câmera revela primeiro a sua careca. Dessa forma, por um instante, fica a dúvida sobre quem aparecerá, se é o patrão ou o Monstro.
É Knock mesmo, o correspondente germânico a Renfield.
A carta
O sujeito só sossega de sua irritação e contrariedade ao receber uma correspondência, que inclui um envelope com sangue, cujo vermelho destaca no resto de ausência de cor na cena, além de também ter uma carta com instruções em uma língua indistinguível e vários símbolos.
Para surpresa de Hutter, é justo o prédio odiado por ele que Knock está vendendo para o senhor. Depois dessa conversa ele conta isso ao seu amigo Wolfram (Jack Turner) na mesa também está Ruth Harding (Joely Fisher, de O Maskara) a irmã desse último.
Nesse ponto se percebe que Fisher resolveu manter até a apresentação semi teatral do filme mudo.
Depois dos compromissos sociais, Ellen se preocupa com a partida do seu amado, diz que o ama, enquanto o marido tenta convencer ela de que o seu receio não tem fundamenta.
Depois disso ela aparece em sua cama, acordada, sem conseguir pregar os olhos, de repente esta sonhando, se vê esperando uma criança, depois se enxerga com os cabelos soltos (e lindos) andando pelas ruas, até que a cinematografia muda para a cor vermelha.
A viagem
Hutton chega da viagem de trem, vê um homem cego e louco, creditado como Blind Guy, interpretado por Thomas Ian Nicholas.
O sujeito é indelicado, pergunta ao homem se não há médicos por ali, pois parece um lugar remoto.
Na estalagem onde para, fala com um homem velho e simpático (Richard Van Vleet) que lhe serve comida e água. É esse sujeito quem primeira alerta o protagonista sobre Orlock. O aldeão chama o nobre de Pássaro da Morte e sugere que o rapaz não vá até lá.
Diferença em relação ao clássico
Uma das diferenças narrativas entre esse e o filme de 1922, mora na lascivia do protagonista, já que ele observa de maneira suspeita a empregada voluptuosa, Florica (Sara Montez) que mesmo sem falar a língua de Hutton, se insinua para ele.
De uma forma bem conveniente, ele retribui o flerte, virando a noite com a moça.
Ele nem sequer planejava se hospedar, mas consegue passar a noite na estalagem, depois de muito insistir com o dono do lugar. Depois, ainda tem contato com um homem cego, que parece ser um dos prenúncios de perigo.
A tela verde incômoda
Alguns cenários em tela verde gritam artificialidade, especialmente em lugares fechados. Há um grave exagero no uso da técnica, claramente, de um modo que até retira o espectador da concentração básica no filme.
Esses momentos são feios, mas não chamam tanto a atenção negativamente como quando aparecem cenas na floresta, que misturam imagens de arquivo com os atores reais, de uma maneira que não convence nenhum tipo de espectador, nem o mais desatento.
Isso ajuda a atrapalhar a introdução do cocheiro, que vem a ser um óbvio disfarce do personagem de Doug Jones.
A parte da fachada do castelo é bonita e assustadora e a apresentação de Orlock idem.
De primeira parece alguém formal, cuidadoso, pálido e silencioso, com um sotaque bem característico. Ele aparece com um sobretudo, com capuz pontudo.
O conde convida o rapaz a entrar, depois, lê os papeis documentais, levando as folhas até perto dos seus olhos, demonstrando o óbvio: ele é um senhor de muitos anos, mais perto da morte do que do auge de sua existência.
Lee Fisher copia inclusive a forma de enquadro dos alemães, colocando a ação em um canto da tela, com o vazio do castelo preenchendo o resto da imagem, enquanto os barulhos do lugar assustam Hutter.
As mudanças na estética
O filme só abre mão desse estilo na hora de mostrar a aproximação do Conde, que se interessa pelo líquido vermelho que sai das mãos do rapaz quando ele se corta.
Vampiros se nutrem de sangue, Orlock não é diferente, mas assim que ocorre o choque, a filmagem volta ao outro estilo.
Depois de uma noite de conversas e reflexões - cujo fim Hutter convenientemente não lembra, afinal tomou vinho e foi mordido no pescoço, conforme dito na carta para Ellen - Thomas tenta convencer o conde a comprar outra propriedade, mas ele não quer, diz ter razões pessoais e particulares para comprar este local
Logo depois ele tem um estranho sonho e um presságio, que coincide com a visita misteriosa que sua amada sofre em casa.
Enquanto em casa, Ellen é assistida por Cophram, Ruth e pelo médico Wolfram - que inclusive diz que ela apenas sonhou e teve pesadelos medonhos.
Thomas percebe que seu contratante não está acordado pela manhã, vai então até o porão e vê um caixão de madeira, velho, que tem uma fresta por onde se pode enxergar o interior, caso chegue pert.
Orlock está dentro dele.
Pouco depois o nobre abre os olhos, desperta silenciosamente. Hutter olha o lado externo do castelo e vê caixões sendo levados até a parte da carga de carroças, junto inclusive ao misterioso cocheiro.
Como Hutter encontra o vilão antes dele partir, dizendo que sabe quem ele é e que vai atrás para salvar sua esposa, fica claro que não pode ter sido Orlock quem atacou Ellen, no entanto isso não é explorado.
Depois é mostrado que Knock, o patrão de Thomas, está preso em um lugar para loucos, onde ele diz que seu mestre virá. Nesse ponto, acaba tendo contato com professor Scievers (Time Winters) e com o seu guarda, Grunewald (Brian Hanford) onde dá gritos sem sentido, vocifera frases de efeito, como "sangue é vida", seguido de um ataque ao doutor, que é retribuído com socos, da parte do segurança.
Os métodos aqui são bem agressivos.
A viagem e a chega do conde
O filme mostra em detalhes a viagem de navio até Wisborg, com as mortes à bordo e com a tripulação amedrontada, inclusive com um marinheiro febril, que teve um pesadelo terrível.

Ele diz que um velho se alimenta do sangue dos vivos, para manter sua alma viva.
Aqui se apela para todos os clichês atuais de vampiro, para traduzir uma versão do clássico alemão, inclusive colocando em tela versões idênticas das cenas.
Imitando o clássico
Nem Herzog e nem Eggers copiaram momentos icônicos do filme mudo, tiveram a dignidade de não replicar alguns dos momentos. Como era esperado, não foi esse o caso aqui.
Há uma tomada de Doug Jones levantando do túmulo em um único movimento, de pé, ereto, mostrando suas longas unhas, as mesmas que inspirariam José Mojica a fazer o visual de Zé do Caixão. Também há a famosa cena de Orlok no navio, saindo enquanto todos morreram.
Jones parece estar se divertindo, ao imitar Max Schreck nos momentos canônicos, fica claro que ele está gostando de toda essa emulação.
Os momentos finais tentam recriar o bom desfecho de Murnau, mas quase nada acrescentam, usa-se bem a questão das sombras, tanto Jones quanto Carter estão bem
O acréscimo de uma trilha mais atual tempera bem o trecho, mas ele se perde com as interrupções, com as discussões de Bulwer e Thomas sobre a peste, que parecem tolas.
Os conflitos ficam confusos e aqui a morte de Orlock é ainda menos justificadas, no final se tenta deixar a mensagem de que a era da inocência acabou, mostrando Hutton e seu amigo na casa ainda, só com a pedra marcada como lembrança, dianre da visão do prédio maldito caído.
Esse Nosferatu: A Simphony of Terror vale pela curiosidade, pela atuação de Doug Jones e Sarah Carter e pelo trabalho de maquiagem. É um ensaio que mira imitar um estilo, mas não acrescenta muito além disso. Fica a curiosidade para ver se Fisher resgatará outras obras do expressionismo alemão, de preferência alguma que não seja tão óbvia.