
A nova versão de Nosferatu para o cinema foi por um bom tempo apenas uma promessa. A obra que refilma o clássico do expressionismo alemão é capitaneada pelo diretor estadunidense Robert Eggers e essa encarnação ganhou ares de lenda urbana, já que entrava e saia ano e não saía atualização a respeito da produção.
Após muitos anos de preparo -haviam anúncios da produção desde 2015 - Eggers escolheu o "comando" do elenco na figura do icônico ator sueco Bill Skarsgård.
Ao lado do interprete de Pennywise, se reúnem atores como o veterano Willem Dafoe, que já havia feito o papel de Max Schreck em A Sombra do Vampiro, o experiente e versátil Nicholas Hoult, que entregou uma versão diferente e galhofeira do auxiliar do Drácula em Renfield: Dando o Sangue Pelo Chefe, também Lily-Rose Depp, que assume o papel maior de sua carreira (até agora, pelo menos) além de Aaron Taylor-Johnson, que esteve recentemente em um dos flops do ano, Kraven: o Caçador.
Uma nova forma de contar a história
Com esse conjunto de atores e com uma atmosfera que se diferencia demais das outras versões do personagem, o filme segue com uma abordagem menos voltada para o horror e mais baseada no drama, tanto que quase não se mostra sangue.
Aqui se tenta mostrar uma nova faceta do conde Orlock e dos vampiros no geral, evocando traumas emocionais, novos medos e novas sensações de inadequação ao invés da volúpia por sangue.
Coprodução entre Estados Unidos da América, Reino Unido e Hungria, essa é a terceira versão oficial do personagem, fora outras imitações ou continuações falsas.
Os "outros" Nosferatu
Entre as versões “não oficiais” do filme e personagem se destaca o já citado A Sombra do Vampiro, filme biográfico que mostra os bastidores de Nosferatu, também uma reinvenção de 2023 chamada Nosferatu: Simphony of Terror, com Doug Jones no papel principal e Drácula em Veneza (Nosferatu in Venice) filme de 1988, com Klaus Kinski, que é muito confundido com a versão alemã do mito do vampiro.
Se Nosferatu de FW Murnau era uma versão pirata do Drácula, que tinha elementos que seriam utilizados pelos nazistas para evocar o medo aos judeus – especialmente no que tange a temática dos ratos invadindo a Alemanha, como vetor de doenças – a versão de Nosferatu: O Vampiro da Noite que Werner Herzog dirigiu e Klaus Kinski protagonizou se utilizava dos nomes do livro de Bram Stoker e investia o seu estudo sobre uma praga humana, que transformava pessoas comuns em parasitas gigantes.
Já Eggers decidiu fazer da sua obra um outro palco, estabelecendo uma discussão a respeito de relações não consensuais, de invasão de privacidade e outros pecados ainda maiores, que serão descortinados na nossa sessão com spoilers.
Além de ter direção de Eggers o filme possui roteiro dele e é inspirado claro no texto de Henrik Galeen, o autor do filme de 1922, além de claro, ser baseado na prosa de Bram Stoker.
São produtores Chris Columbus, Eleanor Columbus, John Graham, Jeff Robinov e Eggers. Bernard Bellew foi o produtor executivo, Garrett Bird, David Minkowski e Matthew Stillman são coprodutores, Alma Bacula foi line producer nas filmagens na Romênia e Tom Ehrhardt fez a mesma função na Alemanha.
Nosferatu em outras mídias...segundo Eggers
Robert Eggers está ligado há muito tempo ao projeto, por valorizar o clássico centenário e até a versão de Herzog. No entanto, ele sempre defendeu que era uma produção infantil a responsável por manter viva a memória do clássico.
O diretor considera que a franquia Bob Esponja Calça Quadrada da Nickeloden que manteve o clássico na mente das pessoas:
Eggers defende que foi o desenho o responsável por apresentar o "personagem" Nosferatu para as gerações mais jovens.
Na segunda temporada, episódio 16 - o 36º episódio da série em geral - Graveyard Shift", Bob Esponja e Lula Molusco são deixados no comando durante a noite no Siri Cascudo.
Molusco conta a Bob sobre a história do Hash Slinging Slasher que assustou a esponjinha assim que terminou. No meio do episódio, as luzes começam a piscar, os personagens ficam receosos, meio apavorados.
Perto do final, um terceiro personagem aparece pedindo emprego no Siri Cascudo e os três descobrem que as luzes que piscavam ocorreram graças a Conde Orlok, em uma foto que capturou a cena famosa da porta abrindo, colocando também um interruptor de luz na parede, que é apertada pelo vampiro.
Após a exibição do episódio, a popularidade e o interesse por Nosferatu aumentou bastante, segundo o realizador.
Dados de lançamento
O filme estreou em uma première em Los Angeles, em 8 de novembro de 2024. No dia 2 de dezembro, chegou a Berlim, na Alemanha, depois passou em Barcelona no dia 19.
A estreia mundial foi em 25 de dezembro, em países como Canadá e Espanha. No Brasil, Chile, Alemanha, Dinamarca e na Argentina chegou no dia 2 de janeiro de 2025.
O título original é Nosferatumesmo. As poucas variações são Nosferatu - Der Untote na Áustria, em Belarus (antiga Bielorrússia) é Насферату, na Bélgica, Luxemburgo, Suiça e Alemanha é Nosferatu - Der Untote.

Os castelos
As gravações ocorreram entre 23 de fevereiro e maio de 2023. As filmagens começaram em Praga, República Tcheca, em março de 2023, no marco histórico conhecido como "Invalidovna".
Os exteriores do castelo de Orlok foram filmados no Castelo de Hunedoara, também conhecido como Castelo de Corvin, um castelo romeno localizado na Transilvânia e um dos maiores castelos medievais existentes na Europa. Além disso, é um lugar histórico, o mesmo castelo onde Vlad O Empalador foi preso por um breve período.
As cenas do castelo foram filmadas no Castelo de Pernstejn, na República Tcheca, o mesmo local usado para Nosferatu: O Vampiro da Noite de 1979.
Houveram gravações no Castelo de Rozmitál, localizado em Rozmitál pod Tremsínem, Praga, além de outros momentos gravados em Ontario, no Canadá.
Os estúdios por trás da obra foram Focus Features (que faz o presents) Maiden Voyage Pictures, Studio 8, Birch Hill Road Entertainment, Bleat Post Production e Green Eyes Production. A distribuição nos EUA foi da Focus Features, na Inglaterra é da Universal Pictures Intenational assim como no Brasil.
Quem fez
Robert Eggers é um artista com tentos consideráveis, seja como diretor ou roteirista. Ele escreveu e dirigiu os curtas Hansel and Gretel e The Tell-Tale Heart e Brothers. Depois Fez os longas A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte.
Ele dirigiu uma produção teatral de Nosferatu no ensino médio e antes de ficar famoso como cineasta, trabalhou na função de figurinista em YellowBrickRoda, Month to Month, The Five Stages of Grief e foi designer de produção dos curtas Ether, Vivace! e Rose.
Robinov e John Graham produziram juntos Hypnotic - Ameaça Invisível, Air: A História Por Trás do Logo e Os Provocadores. Robinov ainda foi produtor executivo nos filmes Em Terreno Selvagem e A Longa Caminhada de Billy Lynn.
Eleanor Columbus produziu Meditarranea e Acampamento do Pecado, sendo produtora executiva em O Farol, The Exiles e Didi.
Chris Columbus produziu Uma Noite no Museu, Percy Jackson e o Ladrão de Raios, Histórias Cruzadas, Patti Cake$, Caçadora de Gigantes, Crônicas de Natal: Parde Dois, Meu Amigo Lutcha.
Foi produtor executivo em Harry Potter e a Pedra Filosofal, O Farol, Scooby!O Filme, Uma Noite no Museu: O Retorno de Kahmunrah e Didi.
Um pouco sobre o protagonista
Bill é um ator bastante versátil, mas normalmente é lembrado por suas participações em obras de terror, especialmente por ter feito Pennywise em It a Coisa e It a Coisa Parte II.
Também esteve no elenco da primeira temporada de Castle Rock, no surpreendente Noites Brutais e nos filmes de ação recentes Contra o Mundo e O Corvo.
A voz de Orlok
Sobre a caracterização da parte do ator, houve um treinamento específico, com um treinador de ópera para abaixar o seu tom uma oitava, tornando assim a voz do Conde Orlok o mais grave possível.
De acordo com Skarsgård, esse foi o aspecto de caracterização em que ele mais trabalhou, passando seis semanas antes das filmagens sem fazer, para retornar aos exercícios no set.
Ele mirava uma verbalização diferenciada, como se fosse um canto gutural mongol.
A preparação para o papel foi intensa, o ator declarou que esse é o único papel em que ele realmente se sentiu medo ao fazer. Em entrevista afirmou que jamais ficou sentiu tanto terror em uma atuação, afirmando que provavelmente não repetirá a dose novamente.
A desumanização do ator
Ele comparou o modo de se "tornar Orlok" com um exercício de canalizar algo, dessa forma se enxergava não como alguém e sim como algo, se sentia um recipiente, que vai se enchendo com malignidade.
Para ele foi uma experiência tão intensa que ele não interpretaria um papel assim novamente. Curiosamente ele tem muita experiência em fazer filmes de horror, mas nada o chocou tanto quanto esse papel.
Esta é a segunda vez que o ator fez um vampiro. A outra foi na série Hemlock Grove, da Netflix, iniciada em 2013.

Curiosamente, na Suécia, o país natal do ator, Nosferatu foi proibido na entre 1922 a 1972 devido ao seu horror excessivo.
Não assustava ninguém
Assim como nos sets de It - A Coisa parte um e dois, Bill se certificou de não assustar seus colegas de elenco e membros da equipe enquanto não estavam filmando.
Boa parte dos atores que interpretam figuras maléficas decidem se isolar no set, algumas vezes até hostilizam os colegas de elenco, para estimular uma atuação de ódio e temor no elenco, mas o sueco foi sempre no caminho contrário, fazendo assim também em It: A Coisa.
Assim como Dafoe afirmou que queria trabalhar com o diretor depois de ver A Bruxa - o que levou à sua primeira colaboração com O Farol - Skarsgård disse que queria trabalhar com Eggers depois de ver A Bruxa.
Curiosamente, A Bruxa foi lançado em 2015, que é a época que se iniciou o burburinho sobre esse Nosferatu. Diretor e ator se conheceram após o lançamento desse e Eggers ainda fez o irmão de Bill, Alexander Skarsgård estrelar O Homem do Norte.
Elogios a Lily
Eggers foi extremamente elogioso ao teste que Lily-Rose Depp fez. Disse que ela o levou às lágrimas durante o teste de cena que a menina fez. O diretor revelou que sua audição foi insana, ainda a chamou de "atriz selvagem".
O cineasta disse que em uma reunião com a atriz se impressionou bastante com ela, que teve um entendimento ótimo e automático do roteiro, absorvendo rapidamente o texto que ele propôs.
Depp disse que viu todas as principais adaptações de Drácula e outras mais obscuras relacionadas ao cânone do cinema de vampiros. As referências dela impressionaram sobretudo quando citou o diretor polonês Andrzej Zulawski como um realizador que a inspirou em matéria de dramaticidade em filmes.
Possivelmente pensou em Possessão como uma boa fonte de inspiração, sobretudo na atuação de Isabelle Adjani, que esteve já em Nosferatu de Herzog.
O teste de tela de Lily-Rose foi tão cru e poderoso quanto o que ela fez em tela no filme, segundo o realizador. Eggers disse que chorou ao ver o seu desempenho, elogiando a atriz, chamando-a de disciplinada, corajosa e selvagem.

Protagonistas nepo babys
Tanto Bill Skarsgård, quanto Lily-Rose Depp são filhos de atores notáveis.
Bill é filho de Stellan Skarsgård, ator que é parceiro contumaz de Lars Von Trier e que rompeu a bolha o cinema sueco, sendo chamado inclusive para fazer papéis grandes em franquias famosas, como propriedades intelectuais da Marvel e Disney.
Já Lily-Rose é filha de Johnny Depp, ator conhecido e reconhecido mundialmente por ser o Capitão Jack Sparrow na cinessérie Piratas do Caribe, além de ser contumaz parceiro de Tim Burton em Edward Mãos de Tesoura, Ed Wood, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e A Fantástica Fábrica de Chocolate. Também é muito lembrado por um de seus primeiros trabalhos no cinema, no horrorA Hora do Pesadelo.
Curiosamente os pais de ambos estrelaram juntos Piratas do Caribe: O Baú da Morte e Piratas do Caribe: No Fim do Mundo.
Johnny Depp foi considerado para o papel de Jonathan Harker em Drácula de Bram Stoker e estava, na época, em um relacionamento com a protagonista feminina do filme, Winona Ryder, mas acabou sendo substituído por Keanu Reeves.
Outro elenco:
Harry Styles e Anya Taylor-Joy foram escalados para os papéis principais, em determinado ponto do projeto.
Styles é mais conhecido por ter feito parte da banda One Direction e desistiu da participação devido a conflitos de agenda, fato que ajudou a gerar um dos tantos adiamentos da obra. Ele esteve depois em Dunkirk e Não se Preocupe, Querida.
Essa saída acabou resultando também na desistência de Taylor-Joy. Durante as filmagens desse ela estava filmando Furiosa: Uma Saga Mad Max. Lily-Rose Depp então assumiu o papel.
Um clássico perdido
O filme original de 1922 quase foi perdido.
Na época do lançamento, a viúva de Bram Stoker (o criador e autor do romance "Drácula" de 1897) moveu uma ação legal contra F. W. Murnau, o diretor de Nosferatu, devido às semelhanças com Drácula e não sem razão, já que Nosferatu era de fato uma versão pirateada do conde vampiro vitoriano, voltando sua história obviamente para a Alemanha.
O juiz ordenou que todas as cópias do filme fossem destruídas, mas felizmente algumas sobreviveram.
Sem esse estoque guardado, dificilmente esse remake teria sido feito, ao menos não nessas condições, já que Eggers não conseguiria ver o filme completo, tal qual ocorreu com diversos filmes perdidos da época do cinema mudo, como o clássico com Lon Chaney, o famoso London After Midnight, conhecido como Vampiros da Meia Noite e lançado em 1927.
Orlok escondido do material de divulgação
A figura de Conde Orlok/Nosferatu foi propositalmente mantido escondido nos trailers e materiais promocionais.
No conjunto de seis pôsteres individuais dos personagens principais mostra apenas o Professor Albin Eberhart, Von Franz, Ellen Hutter, Thomas Hutter, Anna Harding e Friedrich Harding enquanto as metades superiores de seus rostos estão cobertas de sombra, com os olhos destacados, brilhando.

Isso foi feito para esconder o visual do personagem, também para que o impacto ao assistir Skarsgård caracterizado não fosse antecipado de modo algum.
Somente algumas semanas antes do lançamento do filme que a revelação de Skarsgård maquiado como o conde apareceu em artigos sobre a obra, ainda assim, em pequenas parcelas, mostrando partes específicas de seu corpo.
Mesmo no filme ele não é tão explorado, ficando quase sempre nas sombras afinal, é um ser das trevas.
Narrativa
O filme começa escuro, com sussurros e elementos visuais que fazem a cena incial parecer uma exploração de terror mais relacionada a possessão demoníaca do que relativa a obras de vampiros.
Essa sensação permearia o filme inteiro, inclusive. A ideia do mal tem muito a ver com os clichês de tomada de mente diabólica e menos vampírica, embora para muitos, a raiz do vampiro e do diabo seja exatamente o mesmo mal, embora comumente se trate vampiros de forma semelhante a mortos vivos e não a seres do inferno cristão.
Esse trecho também inclui alguns sustos, afinal, esse é um filme de terror pós Sobrenatural, de James Wan. Eggers ao menos faz bom uso dos jumpscares, não exagerando tanto quanto poderia.
Não ter sons estridentes causando esses sustos é quase um sacrilégio no cinema de terror mainstream. e Nosferatu tem esses momento, embora o faça de maneira mais estratégica e natural do que nos filmes citados.
A localização histórica e geográfica
A história é datada de 1838 e em sua ação normativa, a ação começa mostrado o casal principal, Thomas Hutter, de Hoult e Eleanor Hutter, ou no diminutivo, Ellie ou Ellen, que é a personagem de Depp.
Os dois moram sozinhos, junto a gatinha Greta, que tem esse nome em homenagem à atriz Greta Schröder. a Ellen Hutter original, que também possuía um gato.
Os dois moram perto da mansão Goulevot, tal qual no original, apesar de aqui a casa está longe de receber o destaque que havia no filme de Murnau. Ela não aparece tanto, tampouco parece ser um lugar amaldiçoado.
A fim de ascender socialmente, também para talvez se tornar sócio do empreendimento imobiliário de seu patrão Knock (Simon McBurney) Thomas decide aceitar cuidar da compra de uma casa antiga, a mesma que é sua "vizinha", justamente com um nobre romeno cheio de excentricidades.
Para isso, deverá ir até a região de Cárpatos, que é uma cordilheira no Leste Europeu, que fica entre a atual República Tcheca e a Romênia.
É lá que mora o velho estranho. Sua habitação é isolada, em uma área que é de difícil acesso e próxima de um pequeno vilarejo. Esse lugar onde há população é cercado de pessoas supersticiosas e crédulas.
A chegada de Thomas
Quando Hutter chega ao tal lugarejo se percebe um ambiente molhado e cinzento, tal qual o tempo ruim que o acompanha desde o meio da viagem. A melancolia que seria presente na exibição inteira se inicia já no clima e no tempo.
Esse início varia entre os devaneios de Ellie, que mais parecem sonhos e lembranças, que envolvem até simbologia a sexo, com algumas manifestações esquisitas, que lembram eventos de bruxaria, sobretudo com Knock.
A partir daqui, falaremos com spoilers. O aviso está dado:

Knock aparece nu, com o cabelo desgrenhado, revelando ainda mais a sua calvície e sua falta de cuidado com o visual.
Ainda assim, aparece forte e em forma, o mesmo descuido que tem com os seus cabelos e com o modo de vestir não se reflete em seu corpo. Ao seu redor há a escuridão, cortada apenas pelas chamas das velas que carrega, além de vários elementos místicos, pinturas com giz, que lembram clichês satânicos.
Fica claro já no início que a ideia de Eggers é associar o vampirismo ao satanismo e aos clichês ligados ao culto ao diabo, ao menos o que popularmente se pensa como sendo esse tipo de rito.
Os ciganos
Hutter é recebido por ciganos, que riem dele, não fica claro se é pelo modo espalhafatoso (aos olhos deles, pelo menos) do homem de se vestir, ou se já veem nele a marca da morte, por isso, o desdém pode ser encarado como um prenúncio do mal.
Mais tarde aparecem lobos, que aliás, quase ocasionaram um problemaço com Hoult. O ator foi ameaçado pelos caninos durante as filmagens, mesmo sendo animais adestrados e preparados para o cinema.
Thomas insiste com o dono da estalagem para dormir ali. Até paga a mais, já que a viagem foi longa e estafante e ele só quer dormir, consegue assim convencer o sujeito, que queria recusar a sua hospedagem.
Ao adormecer, ele tem flashes que parecem sonhos ou lembranças, envolvendo ritos. Não fica claro se de fato aconteceram esses momentos ou se foi tudo fruto da imaginação fértil dele, movida pelos acontecimentos relatados de que o Conde é alguém maléfico e infernal.
Pode ter sido apenas um sonho em tom de pesadelo, mas todo o conjunto de imagens chama demais a atenção, não parece ser algo ao acaso. Nele sacrificam uma mulher virgem, levantam tochas, aparecem os mesmos personagens de antes, agora com máscaras e com vestes ritualísticas.
Como ele acorda com lama nos pés, no mínimo ele saiu à noite.
Eggers faz uma versão bem temperada e poética de um filme de horror, mas não alude somente a filmes de vampiro. Ele "conversa" também sobre a temática do romance Eu Sou a Lenda de Richard Matheson, embora inverta a lógica do temor, já que o “diferente” é o personagem minoritário, que através da peste, tenta se propagar.

O mundo claramente seria mudado se os planos do personagem de Skarsgård dessem certo ao final, mas esse, antes de tudo, é um produto cinematográfico cuja história mira a perspectivas dos mocinhos, que tem seu mundo abalado por uma figura que não deveria estar ali, que deturpa toda a inocência daquela era e que por isso mesmo, é algo terrível.
Antes mesmo de chegar ao castelo, na fase em que o personagem encontra com a caravana, já parece algo surreal, como se houvesse uma entrada para outra dimensão.
Na versão de Herzog há uma brincadeira com o registro dimensional, mas parece ocorrer apenas nas dependências de Dracula/Orlok. Aqui isso se estende por boa parte das terras, até por conta de, segundo os locais, haver apenas ruínas ali. Tudo parece uma ilusão, um devaneio de uma pessoa que sofre com influência de alguém malvado.
O castelo e o visual de Orlok
O lar do Conde é assustador e nele, se destacam alguns elementos, como a voz do nobre, o escuro e a face dele, que teima em se esconder. Quase sempre que ele aparece há de se notar apenas um bigode muito grosso e cheio, que compõe bem a aura junto a voz gutural do personagem.
Muitas pessoas reclamaram da "peça facial peluda" que Skarsgård ostentava, o que é, obviamente, uma bobagem, já que nessa época, nobres se portavam dessa forma.
Também se nota que a pele dele é quebrada, cheio de feridas no peito, com machucados antigos, que formaram cicatrizes. Suas mãos aparecem bastante também, cujos dedos são longos e unhas proeminentes, além de possuir uma pele tão pálida que se aproxima da cor sépia.
Embora haja uma caracterização singular, com um bigode e uma capa forrada de pele exclusivos dessa versão, a silhueta e sombra são idênticas às da encarnação de 1922.
O sujeito é orgulhoso de seu próprio sangue, exige ser chamado de Conde, que é sua alcunha e cargo principal.
Thomas se sente amedrontado, com um receio que parece ser maior até do que o temor perder a própria vida. Sua angústia inclui o destino de sua alma e até das suas pessoas queridas, tanto que ele mal ousa falar e pensar em sua amada Ellie.
Enquanto está desesperado, é dado para ele um papel, que supostamente transfere a posse da tal casa, em troca de um punhado de ouro, que estava guardado com o Conde. Ele pega o mesmo e é dada a ele uma caneta, para assinar a nota.
Contrato:
Hutter está tão pasmo com toda a situação, tão nervoso, tremendo tanto que não consegue manifestar sequer a sua hesitação.
Ele assina o contrato sem sequer conseguir ler, mesmo sendo um homem acostumado a lidar com leis, tendo ele mesmo redigido diversos documentos antes. Se sente tão pressionado que obedece sem maiores objeções.
Orlok que parecia já ter um poder absurdo sobre ele aumenta os seus domínios. Pelo cenário, se ouvem gemidos. À sua volta, há cães, muita fumaça e névoa. A criação de atmosfera reproduz fielmente o que se pretendia alcançar nas produções da Universal e Hammer Films, mas que no caso das fitas mais antigas, era apenas apelação ao lúdico.
Aqui a fumaça e o vapor são quase tangíveis. Dependendo da sala de cinema onde se assiste ele é possível imergir por completo na desolação pela qual Hutter passa.
Os cuidados com Ellie
Ellie é cuidada por Friedrich Harding (Johnson) e por sua esposa Anna (Emma Corrin) enquanto seu marido está fora, ela vai morar na casa deles, juntos de suas duas filhas.
As duas famílias são muito próximas, com a diferença básica que, ao contrário de Thomas, Friedrich é um homem bem-nascido, abastado.
A relação dele com Hutter sempre foi a de ser o amigo com mais conforto, que deseja ardorosamente que o outro ascenda, tanto que ele sugere a Thomas aceitar o trabalho que o levaria ao estrangeiro, justamente para que ele suba degraus socialmente, para gerar riquezas e novos bens, sendo assim plenamente aceito por ele, Friederich, e pelos seus iguais.
Curiosamente, é mostrado que apesar de ter dinheiro, o amigo simplesmente não ajudou o companheiro mais pobre, não partilhou as suas riquezas e nem o apadrinhou, tanto que Thomas precisa ir ter com um abusador excêntrico mesmo tendo ao seu lado alguém com tanto poder quando Knock, talvez até mais.
Friedrich tem um discurso de valorização da própria figura, que beira o culto à própria personalidade. É um sujeito vaidoso e que não suporta perder o protagonismo na própria casa, se incomodando com a hóspede monopolizando as atenções ali.
Na estadia de Eleanor, ela passa mal, tem muitas convulsões, revira os olhos que ficam brancos, tem sonhos com um monstro, que se aproxima de maneira lasciva dela, deixando a sensação de que ela foi abusada.
Suas reclamações e lamúrias aumentam com o tempo e incomodam o homem que a recebe.

Anna é paciente com a amiga, mas Friedrich se irrita, pois sente que o único tema discutido na casa é a vida e o bem-estar de Ellie.
Além dessas manifestações, que podem ser encaradas como ilusões da mulher - essa era uma época em que a histeria feminina era tratada como algo "comum" - aparece outro factoide que poderia causar alvoroço nesse núcleo familiar, embora não o faça.
As duas filhas do casal reclamam frequentemente de uma aparição em seu quarto, segundo elas, há um monstro.
Dada a insistência, não fica claro se é apenas uma cisma das duas ou se já é o ser maligno ou se quando ele aparece, mais à frente, ele se aproveita da paranoia das meninas para injetar mais medo.
Essa dubiedade favorece a trama, acrescenta temperos de paranoia e aflição.
Curiosamente, Friedrich tenta acalmar as meninas fazendo orações com elas, proferindo rezas e frases decoradas, incluindo falas sobre dormir, com uma frase que prevê uma questão de morte durante o sono, fato que preveria o encontro dele com Orlok.
A participação de Aaron-Taylor é ótima. Ele está bem, aliás, praticamente todo elenco está também, mas dados os trabalhos recentes dele, faz sentido evocar o quanto ele se entrega.
A igreja:
Depois da árdua fuga de Thomas - tão improvável que faz perguntar se ocorreu de maneira literal ou não, já que todo o resto do filme pode ser apenas um devaneio seu - ele acaba parando em uma paróquia, onde freiras dizem que Orlok foi um feiticeiro.
Isso pode ser verdade ou não, não fica exatamente claro, nesse ponto se flerta com a temática de nusnplaitotion, tendência essa que voltou a ter fama, com filmes como A Freira, A Primeira Profecia, O Convento e A Imaculada.
Se for verdade esse boato e se o coito entre Ellie e Orlok foi real, é possível acreditar que ela está dessa forma como uma possessa, graças ao sêmen do diabo, ou graças aos fluídos de um servo direto da figura satânica.
O presente dado a Hoult
Fica a sensação e que Thomas foi abusado por Orlok. Sobre isso, houve um evento de bastidor bastante pitoresco.
É sabido que em sua caracterização, Skarsgård utilizava um pênis protético e em uma cena em que esteve com Hoult, o objeto roçou nele. O próprio ator disse que possui esse membro protético emoldurado em casa. o diretor Robert Eggers enviou o adereço para ele, que não só aceitou o mesmo como colocou em destaque na própria casa.
A sequência em alto mar:
O momento que mostra a viagem de navio é estranha e curiosa, mostrando um trajeto longo e amedrontador. Aos poucos os homens morrem, curiosamente, o trecho é curto mas é mais impactante que a totalidade do recente Drácula: A Última Viagem de Deméter, que até tenta, mas não consegue mostrar também a face malévola do vampiro, não como é aqui, ainda que seja tímida.
Quando a embarcação chega em terra firme, saem muitos ratos, em uma cena agressiva e repleta de simbolismos. O rastro do Conde é venéreo, cheio de pragas, toxina e sujeira.
Knock e Orlok se reencontram, com o segundo absolutamente leniente e obediente ao soberano malvado.
O abusador insistente:
Orlok é o ápice da obsessão e perseguição. Não basta se mostrar como um alguém ruim, malvado, capaz de fazer mal a todos, ele tem que perseguir sua vítima, tem que preencher todas as lacunas de seu cotidiano e roubar até mesmo a sua posse.
Ela era recém casada. O Conde poderia ter se antecipado, poderia tentar captura-la ou tentar uma aproximação dos seus pais, não é revelado se ela é órfã ou não, provavelmente é, já que não se menciona nenhum de seus parentes. Como ela era pobre, seria facilmente levada.
Como ela tem um passado ligado a magias arcanas, possivelmente sua proximidade da feitiçaria pode explicar o fato dela não ter pais presentes em tela.
Fica a dúvida inclusive se ausência de sua família não foi graças ao ataque deles, que em uma noite de fome, acabou se aproveitando da carne e do sangue da família de Eleanor quando solteira.
Ele é calculista e manipulador, mas é faminto e sendo assim, pode ser monstruoso. Ele cobra a posse dela em contrato, já que fez Thomas assinar o papel que passava a mulher para ele, como uma posse.
É um homem tradicional, provavelmente precisava que ela fosse “de alguém”, para então poder legalmente tomá-la. Isso explica o passado dos dois juntos, unido ao fato de que eles não estão juntos.
Ou a ideia pode ser a de simplesmente aludir ao fato de que homens possessivos tendem a entrar e sair de uma relação também para deixar o seu par confuso. Isso combinaria bem com a realidade do público e conversaria com essa relação específica.
O ultimato semelhante a Drácula
Orlok vai até Ellie uma última vez, faz um ultimato, a ameaça, dizendo que matará o homem que ela ama, dizendo que o marido dela sofrerá, em uma clara referência a fala do Conde Drácula a Lucy Harker no Drácula de 1979.
Como não há qualquer demonstração mágica impeditiva da parte do personagem masculino em atacar ela dessa vez, fica a impressão de que talvez ele não a toma por limitações mentais, por transtornos de obsessão compulsiva, os famosos TOCs, não conseguindo cumprir seus desejos de maneira óbvia graças as suas limitações mentais, portanto, humanas e não monstruosas.
Ele talvez seja tão metódico que se tornou refém dessas condições e precisa seguir ritos, afinal, se for verdade o conjunto de boatos ao seu respeito, ele vem da feitiçaria, que é cheia de ritos também.
A praga e os ratos:
A praga se estende e os ratos tomam alguns lugares pontuais da cidade. Agem sob o comando do Conde, tal qual seriam os morcegos nos filmes clássicos de vampiros.
Se morcegos são ratos alados, o terror de Orlok é diferente de Drácula também por suas vias, sendo ele um vetor peçonhento mais terrestre que voador.
O simbolismo das ratazanas é um bom indicativo disso, curiosamente isso conversa mais com o romance original de Bram Stoker do que os filmes e seriados tradicionais de Drácula normalmente fazem.
Com o tempo o cinema e a cultura pop associaram vampiros a seres voadores, graças a origem dos morcegos e a utilização deles desde o Drácula de Béla Lugosi, no entanto, no clássico literário gótico e medieval, o medo era terrestre, eram as doenças de ratos e insetos, de seres terrenos.
Aqui o medo é mais tangível também, de um predador humano, mas tão grotescamente malvado, que acaba parecendo um monstro cujas feições são tão feias que se prefere esconder a mostrar.
A ação dos humanos
Friedrich é tão comprometido com o clichê do marido e homem incrédulo que nem mesmo após ver sua esposa ser consumida pelo vetor da peste (os ratos) ele acredita na presença do mal, nem mesmo com o acréscimo do professor excêntrico que Willem Dafoe faz.
A personificação de Prof. Albin Eberhart von Franz aliás é sensacional e muito exagerada.
Ele é engraçado, excêntrico, não tem medo de parecer bizarro e tem soluções pouco ortodoxas que combinam bem com seu estado de espírito.

Von Franz e Sievers
O Professor Von Franz é mostrado como um acadêmico da Suíça que foi excomungado por estudar ocultismo e alquimia.
O personagem tem o sobrenome em comum com Marie-Louise von Franz, uma psicóloga suiça real, que era conhecida por seus estudos em contos de fadas e alquimia. Ela aluna de Carl Gustav Jung, perto da época de 1913.
O nome completo do professor é Albin Eberhart Von Franz, compartilhando assim o primeiro nome com Albin Grau, o produtor, designer de produção que trabalhou com Murnau no filme de 1922. Ele, supostamente, era ocultista também.
Para além da questão semelhante a personagem real, o professor é uma versão mais solta de Abraham Van Helsing e não tem pudor em se assumir como é: um cientista louco, supersticioso, que acredita em toda sorte de magia e que não tem grandes preconceitos quanto a isso.
O seu contraponto é justamente o médico dos Harding, o senhor Dr. Wilhelm Sievers de Ralph Ineson, que não é exatamente uma cópia de John Seward, embora seu papel seja bem semelhante a ele.
Sievers é mais crédulo no combate ao mal e menos obediente a figura do mentor e caçador de vampiros. Ainda assim é o principal parceiro do personagem de Dafoe.
Essa foi a terceira colaboração entre o ator e o diretor Robert Eggers. As duas primeiras são A Bruxa e O Homem do Norte.
A noite:
Em meio a tristezas lúgubres, um ataque ao cemitério e planos de auto sacrifício, o filme segue, com Friedrich em negação, que parece piorar, ficando mais triste e mais teimoso por tabela depois da perda que sofre.
Nesse ponto se destaca o visual assustador e iluminado da lua no filme. A equipe filmou as cenas durante o dia e na pós-produção passou por um computador para remover os espectros de cores vermelho e amarelo.
Ainda ocorre toda uma sequência hiper nojenta, na tumba, com a tentativa de cortar o mal antes que ele renasça em vampiras nos corpos de Anna e das filhas de Friedrich.
Dafoe protagoniza uma cena com roedores, bizarra, em que ele contracenou com 2000 ratos vivos, que só não é mais assustadora que o momento onde o alvo do sacrifício é aceito.
A entrega voluntária
Ellie decide abraçar a sua sina, aceita o contrato e a palavra assinada de seu antigo detentor.
Prepara então uma armadilha para o homem que a possuiu antes, fazendo assim jus até as ofensas que fez a Hutter, de que ele jamais a satisfez como o Conde conseguiu.
Confusa e talvez culpada, ela é zelosa a sua maneira, se entrega para poupar o homem que a amou, mas que possivelmente, não conseguiu fazer ela atingir um orgasmo.
É uma conclusão triste, depressiva e muito melancólica. Muito rica, aliás, mostrando esse como o mais ácidos dos roteiros de Eggers.
A cena grotesca
A sequência final, que inclui uma interação entre Orlok e Ellie consiste em um momento de nudez de Bill Skarsgård, o que é curioso, já que a maior parte de seu corpo estava coberta por próteses pesadas, exceto as solas dos pés e as palmas das mãos.
Há então um encontro com a Sombra de Nosferatu, a mesma que se tornou icônica na obra de Murnau e seria replicada (e imitada) em diversos filmes, incluindo O Drácula de Bram Stoker de Francis Ford Coppola.
Aqui sabiamente não se copia as cenas clássicas, do morto vivo levantando, nem mesmo o emprego de maneira igual. A refilmagem se atém a detalhes dramáticos, na parte do drama.
Pensando em termos de narrativa, esse pode ser encarado não só como uma refilmagem de Nosferatu, mas também como uma releitura de M: O Vampiro de Dusseldorf, ainda mais se pensar que possivelmente Ellie foi atacada ainda jovem, com idade infantil.
O “vampiro” é além de tudo um abusador de menores, ou seja, uma manifestação do mais pútrido que a alma humana pode apresentar e ter, por isso é demonizado, tenta-se mostrar ele como algo diabólico, como o Inimigo das almas cristãs, o opositor principal do Deus da Bíblia Sagrada ou ao menos um servo dele.
Como ele é na verdade humano, é difícil não se sentir abalado com essa constatação, por isso a transformação desse em um monstro faz sentido.
A chegada do sol e a armadilha de entorpecer o abusador com tanto sangue que o faria esquecer de voltar a sua “terra” para dormir em paz e segurança é findada com a chegada do dia, fazendo dar valor a proposição bíblica cristã de que o choro pode durar uma noite, mas alegria (ou nesse caso, a esperança) vem pela manhã.
É bom assistir o filme sem nada saber e sem descobrir do que se trata e como os assuntos serão abordados, embora isso possa ser preocupante, já que pode ser sensível a certas plateias, causando talvez um sentimento ruim em algumas parcelas do público, cujo passado é traumático.
A impressão que fica é que essa experiência com Conde Orlok marcou quem passou por ele. Todos mudaram depois dessa experiência, mesmo os que permaneceram vivos, o que é desolador.
Nosferatu de Robert Eggers é um bom e violento comentário sobre abuso. Resulta em uma poesia doce, plena e triste sobre a perda da inocência e a desesperança do mundo, seja no século XIX, no vinte que foi quando Murnau lançou seu filme ou na década de 2020, onde ainda se nota que a versão mais bonita do mundo ainda é agridoce, ou seja, menos idílica e idealista do que se tem intenção.