O Corvo de James O'Barr: A história de vingança trágica, gótica que inspirou a cultura pop

O Corvo é uma graphic novel de ação e terror que James O'Barr desenhou e escreveu. Lançado em 1981, é um gibi adulto, com referências a literatura e estética gótica que foca na ressurreição de um espírito vingador, do personagem chamado Eric, que retornou ao mundo dos vivos para acertar as contas com os homens que assassinaram ele e sua amada Shelly.

A obra ficou famosa graças aos materiais assessórios, como o filme O Corvo de Alex Proyas, além de ter ficado famoso graças a tragédia mortífera que envolveu o astro marcial Brandon Lee, gerou também uma série, protagonizada por Mark Dacascos, além de três sequências do filme de Proyas e um remake recentemente lançado, chamado também de O Corvo.

A história tem inspiração parcial em uma tragédia pessoa do artista. Em 1978, a namorada dele foi atropelada por um motorista bêbado. Desesperado, o então rapaz perdeu o controle da própria vida, pensou em fins trágicos para si e para outros. Ele acabou se alistando no exército e foi enviado para servir na Alemanha, lá, nas horas vagas, escreveu e desenhou as primeiras quarenta páginas da revista lançada em 1981.

A tristeza e revolta dele ajudaram a pontuar o tom violento e melancólico do personagem central.

A obra foi um sucesso desde quando começou a ser publicada. Sua maneira de publicação foi independente e de forma seriada, ou seja, é um sucesso até antes do funestro episódio com Brandon Lee.

Boa parte do público reúne o incidente à arte em preto e branco, além das citações musicais de ícones do pós-punk e o lirismo como a justificativa para que a obra fosse tão sombria e melancólica quanto ela é.

A Darkside Books lançou uma versão definitiva do clássico gibi, com a história completa além de páginas de artes inéditas e uma sequência que o quadrinista não se sentiu a vontade para produzir nos anos 1980, conforme O’Barr confessa na introdução com texto inédito.

Além de referência a bandas como Joy Division, Big Black, Pitchshifter e The Cure, também se nota que O'Barr tem como referência alguns artistas específicos, desde figuras clássicas dos quadrinhos ocidentais, como Will Eisner - é inegável que há em Eric um pouco do detetive porradeiro Spirit - também é dito que o artista se baseia no trabalho de Vaughn Bodē, autor de Deadbone e Cheech Wizard.

Além da questão pessoa, O'Barr citava a história de um casal morto em Detroit como inspiração para esse momento trágico e visceral.

A obra é dividida em momentos de epílogo e em capítulos menores e maiores. Os maiores, são chamados de livros.

O epílogo tem em destaque o nome Inércia, é rápido e certeiro, com o personagem principal abordando o ladrão careca Jones. O sujeito pede informações, ameaça, mas não faz nada. Diz que T-Bird entregou ele, mesmo que o careca não acredite nisso.

Seu discurso é simples e a descrição da violência que "supostamente" fez é o suficiente para que ele dê o paradeiro dos rapazes, que são Tin Tin, Tom Tom, Fun Boy, T-Bird e Top Dollar.

É citado também o trecho de Iluminações, de Arthur Rimbaud, a parte conhecida como Noturno Vulgar, com citações de trechos desses.

Depois disso é mostrada uma arte aquarelada sensacional, com momentos que variam entre um momento no trem, onde o corvo fala com Eric - essa é uma das muitas diferenças para as outras mídias - ele assiste o cavalo branco, preso no arame, que é um reflexo dele mesmo.

Um ser humanoide, de forma cadavérica pede o comprovante de passagem para ele. Ele é chamado popularmente de Skull Cowboy, um ser sobrenatural, que serve de guia para o homem ressuscitado.

Curioso que James O'Barr tenha tanta poesia em seu texto. Não é só melancólico, é reflexivo, as contradições urbanas são bem flagradas, mas não são pretextos justificadores dos atos malévolos dos personagens.

Os detalhes do assassinato são dados aos poucos. Eric aparece em um cômodo vazio, sem móveis, só há fotos ali e seu corpo. Um vazio existencial que se manifesta na ausência de coisas ali, no minimalismo decorativo, oriundo de uma casa inabitada.

Apesar de ser diametralmente oposto em assuntos tratados, a arte hachurada de O Barr nesse capítulo lembra de leve a obra de Robert Crumb. Há tons sombreados pesados e a violência é parecida, embora aqui haja mais grafismo e menos escracho cômico. O humor é reto, ácido, constrangedor, mas não via escatologia e sim através da crueldade violenta.

A edição da Darkside é bem bonita e o gibi é episódico. As partes são curtas e variam de estilo, os trechos com Shelly e Eric são mais singelos, com uma arte colorida de forma mais clássica. Os desenhos são mais claros, Shelly parece idealizada, como em uma pintura de aquarela.

Na mesma página, Eric pode ser tão bonito e idealizado quanto Shelly, como também consegue ser um cruel anjo exterminador, praticando a violência revanchista com aqueles que lhe causaram mal.

Seu retorno ao mundo dos vivos é todo pautado em caça e em sangue, ocorreu um ano após o trágico encontro com os assassinos.

O visual do revivido é pálido, com rosto maquiado e sinais de cortes nos braços, como se ti esse ferido a si mesmo, com cortes auto impingidos. Mais uma vez reaparece o personagem com rosto de caveira.

Eric Tem como companhia Gabriel um gato branco que trouxe para Shelly. Além disso, o personagem lança mão de várias armas, como uma espada afiada, que usa para decapitar o amigo de Tom Tom. Parte da estratégia dele é o de usar o escuro para brincar com sua presa, até que resulte enfim no cortar dos pés de seu perseguido.

Depois ele vai à loja de penhores de Gids/Gideon, depois de matar ele e de pegar o anel que daria a sua amada. Depois de salvar um jovem policial de passar pelo seu caminho, Eric declama sobre seus sentimento e desejos:

Eu sou um erro humano, sou o sofrimento fetal, eu sou o cromossomo independente. Eu sou a loucura total, absoluta, eu sou o medo.

Eric conversa com Albrecht, manda ele voltar para a esposa que ele abandonou. Nessa versão o policial é jovem e caucasiano, substancialmente diferente do que Ernie Hudson fez.

O sujeito quis dar uma chance de concerto ao próprio casamento, mas não perguntou a mulher o que ela queria...tolice, auto sacrifício e ignorância.

O gibi segue variando entre os momentos de ternura com Shelly e outros onde ele revivido consegue ainda ser carinhoso. Isso se vê especialmente quando ele conhece a jovem menina Sherri. A menina acha que ele é um palhaço, graças a maquiagem dele.

Eric deixou Fun Boy vivo, apenas para que ele reunisse o seu grupo de vilões. Boa parte deles aceita o convite e entram em cena basicamente para morrer nas mãos do anti-heroi. Esse aliás é dos momentos mais violentos da revista.

O Livro Quatro, Desespero mostra como Eric foi atacado pelo grupelho de bandidos. Aqui se percebe que ele apenas retribui com a mesma violência que eles praticaram, tanto verbalmente quanto nas ações.

Os vilões agiram de maneira escrota, até citam os pecados e violações que cometerão antes mesmo de cumprirem. Atiram na cabeça dele e desdenham, antes de enfim matar Eric. Ele fica com a vida suspensa, testemunhando a violência física e sexual que fazem com Shelly.

Um policial preto, chamado Hook, vai até Eric, quando o mesmo está na mesa de cirurgia, semimorto. Claramente o Albrecht do filme seja uma amálgama entre ele e o policial homônimo do gibi...é uma boa economia de personagem.

Eric testemunha o próprio fim, quando está praticamente morto em níveis cerebrais, na mesa de cirurgia. Testemunha a frieza dos médicos e ouve do corvo para que não olhe, tal qual ele mesmo fez enquanto Shelly era violentada.

Em Crescendo - Morte Eric aparece pegando em armas, muitas delas, se despede do gato Gabriel e promete que vai voltar para casa, que vai voltar para Shelly, falando do além possivelmente.

É incrível como O'Barr consegue juntar um conjunto de imagens tão diverso, tão diferenciado, com estilos distintos e todos muito bonitos. Aqui ele reúne os momentos mais bonitos e poéticos de Eric, junto a poses cruéis e violentas, de preparo dele rumo a extrema violência que ocorrerá nas páginas finais.

Hook recebe Gabriel, com um recado, ele faz questão de dizer mais de uma vez que odeia gatos, também se descobre que Gabriel é na verdade fêmea e está prenha.

Fun Boy morre sem dor, ainda tenta refletir sobre o próprio fim...pede ao Corvo para que T-Bird sofra, afinal, ele estava mesmo vivo.

O'Barr consegue ser poético até na hora de mostrar o seu final mega agressivo e ultra violento. Eric lava a sua alma com o sangue dos bandidos e malfeitores, faz isso inclusive com os criminosos que nada tinham a ver com a sua morte e com a de Shelly.

São eles danos colaterais de um mundo injusto, que não sabe se organizar de modo pacífico e ordeiro.

As execuções são cheias de gore, com uma agressividade e violência bastante explícitas. No final leva T-Bird para morrer, depois aparece na floresta de Hürtgen, onde conversa com o corvo.

O final tem um caráter redentor. Eric enxerga novamente o cavalo branco, atira nele, para liberar o animal e ele mesmo, assim abraça seu destino e é agraciado pelo cowboy cadavérico.

O final é ao lado de uma lápide, com Eric em um quadro, depois uma arma e ele sumido. Fica a mensagem de que ele era tão implacável que somente ele mesmo possa causar mal em si, ao contrário de outras versões audiovisuais, como é Eric Draven, nos dois filmes e no seriado. Talvez ele tenha se matado, o que torna toda a situação em algo mais grave.

O Corvo é uma revista violenta e estilosa, com uma narrativa reflexiva e melancólica, que mastiga bem as suas referências, regurgitando com poesia os sentimentos de rancor, amargor e da dor. É um libelo de James O'Barr, que consegue ser uma obra bonita e triste, se equilibrando entre essas duas classificações.

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