Convergência dramática. Quando American Horror Story iniciou seu primeiro conto temático em Murder House, muito do apelo experimental carregado pelo formato antológico impedia que as histórias de Ryan Murphy e seus companheiros primassem pela coerência narrativa. Felizmente, a gordura característica da preferência pelo espetáculo que segue de perto as produções de titia Ryan foi praticamente limada como um todo em Asylum. Claro, não demorou muito para termos um penoso efeito rebote com Coven, mas quem conseguiu cortar excessos uma vez, consegue outra facilmente.
Freak Show é, sem sombra de dúvidas, a irmã mais sisuda de Asylum e justo por ser conduzida com tanta seriedade – um show de horrores na mente do público deveria abrir espaço para despirocagem que ironicamente foi criticada na terceira temporada –, vem sofrendo duras (e injustas) críticas por se mostrar mais real.
Magical Thinking, por exemplo, traz no texto da sempre excelente Jennifer Salt a liberdade autoral das retas finais de American Horror Story, porém mais uma vez é a sobriedade com a qual o horror vai sendo conduzido que reforça a individualidade do quarto ano. Jimmy foi mesmo mutilado por Stanley; a visita de Maggie e Desiree ao Museu de Morbidades teve reais consequências e as gêmeas definitivamente seguiram em frente com Dot aceitando quem ela é. Os fios condutores da trama central se bifurcam e tornam a enroscar-se sem nunca contradizer o que foi visto anteriormente. Logo, é verdadeiramente comovente ver Eve e Dell firmarem uma trégua para salvar Jimmy, assim como assistir Elsa tomando a vez de carrasco ao selar o destino do homem forte em resposta à morte de Ma Petite.
Nisto, abrir um bem-vindo espaço para chegada do personagem Chester Creb (Neil Patrick Harris) e sua companheira de pano Marjorie (Jamie Brewer, roubando a cena como sempre) acaba sendo o exagero mais bem colocado da história da série – e olha que já tivemos a cabeça tagarela de Kathy Bates. Confesso que, com um tempo a mais, Chester e Marjorie poderiam sim ter se tornado relevantes para a história, mas nada do que foi mostrado me desagradou. O fator Jamie Brewer falou mais alto na hora de julgar as sequências que traziam o antigo soldado, ou mágico, ou ventríloquo surtando pelo show de horrores e eu encarei as participações como algo genuinamente especial.
Quando eu falei sobre o primeiro episódio de Freak Show, não pude deixar de comentar a maior inspiração dos showrunners da série: o clássico Freaks de Tod Browning. Foi assim, que eu também me arrepiei com a homenagem espetacular presente na cold open de Show Stoppers. A retaliação dos freaks num jantar preparado para dar boas-vindas à Chester e agradecer Stanley é desde já uma das sequências mais emblemáticas da trajetória de American Horror Story. O que mais me impressionou, no entanto, é que a sede de vingança deles se estendeu na mesma direção do desfecho do filme, mudando justo com a ironia presente na fuga de Elsa (possibilitada por Bette e Dot).
A penúltima hora da temporada também escolheu um comovente e necessário jogo de rimas ao trazer uma segunda ponta do artesão, vivido por Danny Huston, como o único e verdadeiro amor de Elsa. Massimo Dolcefino chegou para ajudar Jimmy, e arrisco dizer que mesmo com pouco tempo de tela a relação dele com a fraülein convenceu mais do que o amor bandido vivido pelo Bárbaro e Fiona numa das piores tramas de Coven.
O retorno definitivo de Dandy foi outro ponto alto do episódio, e se pensarmos que o macabro número de mágica protagonizado por Chester e Maggie teve o dedo do psicopata, os convergentes desfechos vistos são mais uma prova de que toda a história de Freak Show foi mapeada para nos conduzir ao terror definitivo que o personagem mais assustador da antologia está prestes a desencadear. Com um conto onde as imperfeições da carne encontram redenção num simbólico “obrigado” pela correção da alma, Ryan Murphy conseguiu assombrar e comover na medida certa... Não é surpresa, então, que se espere muito de uma season finale que já se agiganta como uma promessa de amor ao horror.
P.S.: Pois é, terminei querendo mais de Marjorie na série. Jamie Brewer no elenco fixo da quinta temporada já!
P.S.2: As referências e conexões com Asylum não pararam. Teve de uma pequena menção a O Sinal da Cruz – o filme favorito da Sister Jude –, até a participação do jovem Dr. Hans Gruper no atentado de Elsa.
P.S.3: Não, Maggie não minha gente. R.I.P.
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Como é bom ver um texto coerente com toda a coerencia da temporada. Eu realmente não consigo entender as críticas, principalmente porque quem fala mal parece não ter o que criticar, os unicos argumentos que vejo é que "falta terror", é tão absurdo quanto dizer que Louie é ruim porque tem mais drama que comédia.
Exatamente isso Doulglas!! Vou defender Freak Show sempre que ouvir essa baboseira em forma de cobrança que é o "falta terror". =/