American Horror Story sempre foi especial para mim. Lá na primeira temporada, quando muitos olhavam a nova empreitada de Ryan Murphy e Brad Falchuck com uma certa descrença, eu já me via absorto na curiosa mitologia do show. Três anos depois, a quinta antologia da dupla ressurge disposta a resgatar o provocativo aspecto mitológico que foi se perdendo desde Coven. Assim, Hotel torna-se uma ode as bases estabelecidas pelas regras malditas da infernal Murder House, só que sem parecer uma cópia descarada. Os espíritos presos a um centro material estão lá novamente, o mistério canônico na forma de um serial killer sacrílego também, porém nunca é tarde para novos desafios como um vampirismo fisiológico e sedutor, que remete as criaturas góticas e hipersexualizadas de Anne Rice e Neil Jordan.
Sally, Donovan, Liz Taylor, Iris e alguns moradores mais escusos do Hotel Cortez protagonizaram Chutes and Ladders não como almas perdidas nos corredores fantasmagóricos do local, mas como verdadeiros operadores das engrenagens que movem o mundo de horror, sexo e sangue da Condessa. O roteiro sempre espetaculoso do Tim Minear, pareceu bem mais disposto a nos dar informações, do que a monossilábica première. No entanto, o que me deixou mais orgulhoso desta segunda hora, é que o texto não se traiu e continuou utilizando a família do detetive John Lowe, como o checking in absoluto do novo universo. De um lado tivemos a jovem Scarlett conhecendo um pouco do novo lar do seu irmão mais velho – com mini-caixões, Sally desdentada e uma promissora parceria com Lachlan –, já do outro estava o próprio John e a ansiedade totalmente justificável, para entender o que realmente está acontecendo ali.
E se eu mencionei Sally duas vezes, é porque ela realmente roubou a cena! Sarah Paulson tem minha admiração faz tempo e todo ano eu disparo numa torcida desmedida pelo reconhecimento do seu trabalho na forma de prêmios, mas a galera continua devendo essa por aí. Sally é uma piada inspiradíssima e continua funcionando muito bem como a weeping lady do Hotel Cortez. Ela empurra (leia-se costura) literalmente os vícios (leia-se viciados) para debaixo dos colchões; tenta novos hóspedes, a procura de mais sofrimento; assombra os mais curiosos (“Crianças são as melhores”) e busca entrar de penetra nos espetáculos particulares do prédio (quanto amor pela chorona, na cena da lista VIP). Para mim é impossível não lembrar da Moira em Murder House, e só esta comparação já é o suficiente para transformar a personagem no meu permanente favorito do Cortez.
Pensando um pouco, a Condessa também não fica muito longe de roubar esse posto na minha ordem de preferência. Sou fascinado por vampiros e ainda mais pela mitologia que cerca a imortalidade mordaz dos sanguessugas. Eles estão na ficção sob várias formas e mesmo que em Hotel nada de novo, ou mirabolante tenha sido apresentado, a forma como o roteiro destrinchou a ideia, empolga o suficiente para torcermos por mais. Toda a iniciação de Tristan – bem-vindo de volta Finn Wittrock –, como desculpa para conhecermos qual criatura a matrona do Cortez está evocando, entra pra lista dos meus momentos favoritos em AHS, ficando atrás apenas da melhor entrada de personagem que a série já teve. Falo da apresentação de James Patrick March (Evan Peters), o sádico que ergueu o nosso hotel.
Peters pôde brilhar como nunca, ao encarnar o magnata do petróleo que nos anos 20 construiu o Cortez para apaziguar sua maior obsessão: a morte (ou a vida deixando um corpo, durante a última passagem). A gente sabe que a lista dos psicopatas de AHS é bem extensa. De Tate, passando por Oliver Thredson, o Bárbaro e mais recentemente Dandy, não há do que se reclamar quando o assunto são os mais variáveis níveis de loucura humana. Porém, mr. March chega conseguindo encabular todos os monstros citados anteriormente. Num tratamento estético especialíssimo, o terror original que fez do hotel o que ele é hoje, é mostrado com um cuidado invejável, até mesmo para os moldes da série. A cereja do bolo é a camareira vivida por Mare Winningham. Tenho certeza que Miss Evers, será daquelas coadjuvantes que a gente se apaixona com facilidade e sofre para dar adeus, quando a temporada termina.
São muitos desvios, muitas escadas sem fim e quartos escuros num só lugar. O Hotel Cortez ganhou vida com um coração poderoso, representado pelo quarto 64 – o escritório de James March – e não só eu, mas muita gente já se encontra encarcerado por aquelas paredes, esperando o nosso próximo destino, ou a próxima refeição neste resort cinco estrelas... Para o horror, o terror e o desespero.
Eu vou dar gorjeta para o serviço de quarto sem pestanejar. Afinal o amor da Miss Evers pela sua profissão é realmente de matar. Alguém discorda?
P.S.1: A Iris apaixonada pelo detetive Lowe é das coisas mais divertidas até aqui. Olha que ela ainda recebeu um elogio pela sua capacidade de contar histórias. Vai procurar um estúdio para os seus roteiros, Iris!
P.S.2: Liz Taylor não precisa falar quase nada, mas tem uma presença tão forte, que eu fico impressionado. A desova de corpos no passado e no futuro me arrepiou de verdade.
P.S.3: Mas é claro que tem mais espaço para homenagear O Iluminado.A cena onde John encontra o casal em decomposição transando no banheiro é uma clara referência a primeira visita de Jack Torrance ao famigerado quarto 237.
P.S.4: O Assassino dos 10 Mandamentos num modus operandi ainda mais semelhante ao do John Doe de Se7en. Eu gosto é assim.
P.S.5: Para não deixar passar lá vai: Lady Gaga está SENSACIONAL! Não tem hater que consiga justificar o contrário e tenho dito.
Excelente artigo! Tinha perdido a empolgação por AHS desde a segunda temporada, mas vi meio que por acaso esse segundo episódio e percebi que preciso dar uma segunda chance. A história desse hotel em questão é verdadeira, assim como o seu dono, na vida real o famigerado Dr. Henry Howard Holmes. Vi um programa desses invetigadores paranormais que visitaram a edificação do hotel e a história – e arquitetura do lugar – é de arrepiar.
Enfim, essa temporada promete! Tomara que fique naquela agonia da inesquecível 1a, em que tudo surpreende e não caia para o escatológico. E sim, Lady Gaga tem cada vez mais meu respeito, com a possibilidade de figurar como uma das mais marcantes vampiras das telas.
A temporada vem construindo backstories fantásticas para todos os personagens! Assim que vi o mr. March lembrei do H.H. Holmes. Inspiração empolgante e deliciosamente macabra.
Tô impressionado mesmo com a Lady Gaga e olha que botei fé desde o começo. A caracterização e as expressões dela, refletindo mesmo um alma ancestral é muito Anne Rice. Tá lindo de acompanhar. 🙂
Valeu pelo comentário Erika. o