Parece coisa de fã, mas quando os roteiros de Constantine resolvem abraçar tramas oriundas das HQs, o nível da série se eleva. Talvez porque dessa forma, surja a possibilidade das histórias focarem mais nos personagens do que nos casos a serem resolvidos, afinal, são 30 anos de uma mitologia rica como fonte.
Em The Saint of Last Resorts, John é chamado por Anne Marie (Claire van der Boom), antigo caso e parceira da época dos eventos de Newcastle para investigar o rapto de um bebê em circunstâncias sobrenaturais. É a oportunidade perfeita para o protagonista e, a agora, freira lidarem com feridas do passado e assuntos não resolvidos. Ou seja, é mais uma chance para o roteiro abordar as motivações de Constantine e as consequências das escolhas que faz, ao mesmo tempo em que faz o personagem se tornar vítima de seus próprios métodos.
Sem dúvida um dos episódios mais sombrios da temporada até aqui, traz um conto repleto de imagens impactantes, como a árvore de frutos humanos ou o primeiro ataque da criatura que sequestra a criança. A atmosfera também é auxiliada pela produção, que escolheu uma locação riquíssima em detalhes para servir como o convento onde a trama se passa. Com um uso bem aplicado de lentes grande angulares para tornar o lugar mais opressivo do que já é, a série ainda trabalha a direção de fotografia adicionando elementos como fumaça e reflexos para criar momentos singulares, do ponto de vista artístico. Com as paredes da igreja abraçando os personagens, fica aquela impressão de que há algo muito maior por trás da mera abdução do bebê.
De fato, quando Constantine começa juntar as peças, percebe que finalmente pode ter descoberto a origem da “Ascensão das Trevas”, ligando o episódio à trama central do seriado de forma bastante orgânica, sem precisar fazer uso do recurso, já esgotado, do mapa com os pontos de sangue. Ao trazer a Brujeria para a história, a adaptação se aproxima muito do arco Gótico Americano, que introduziu o protagonista ao universo DC na clássica fase do Monstro do Pântano escrita por Alan Moore. Para completar o pacote, há a aparição de um Invunche, ser místico que também fez parte daquela história.
O conto da semana se divide em duas frentes, sendo a segunda focada em Zed, na adaptação de outra história, o arco da Cruzada da Ressurreição, que até agora tem se revelado extremamente fiel às HQs. Como essa trama ainda é secundária, muito é deixado para ser revelado no futuro, mas aparentemente os planos destes fundamentalistas religiosos são quase, se não exatamente, os mesmos daqueles mostrados nos quadrinhos. O passado da moça continua misterioso e é bom que a série desvende aos poucos sua história, construindo a expectativa para um desfecho grandioso em breve. Está mais do que na hora de focar em Zed como uma personagem e não apenas como ferramenta do protagonista.
Corajoso, o roteiro de Carly Wray, coloca Constantine em situações incomuns para a TV aberta quando o faz, mesmo que blefando, ameaçar quebrar o pescoço e afogar o bebê em seus braços. É uma atitude típica do personagem, apostar a vida alheia ao desafiar alguma criatura demoníaca. Com um final em aberto para a continuação, que só será exibida em janeiro, The Saint of Last Resorts dá a dica que outra história do mago acabe adaptada, talvez com algumas liberdades criativas. John é deixado para trás gravemente ferido, abrindo a possibilidade para uma certa transfusão de sangue demoníaco que, nos quadrinhos, é responsável por vários problemas para o personagem. Originalmente, é Nergal quem coloca seu sangue nas veias de Constantine, e justo no arco da Cruzada da Ressurreição, algo que acaba se tornando parte fundamental para seu desfecho. Em todo caso, o programa pode seguir por outro caminho, mas com tantas dicas assim, fica difícil imaginar que uma coisa não irá levar a outra.
Unindo ao menos três importantes histórias de Constantine, o seriado consegue criar um bom episódio, coeso e eficiente, além de proporcionar um deleite visual para os fãs do personagem e do gênero de terror. Se mostrando fiel às origens nos quadrinhos, ao mesmo tempo que desenvolve uma mitologia própria adaptada à mídia audiovisual, a série só cresceu ao longo desses primeiros episódios e tem se revelado até mesmo ambiciosa na criação do universo místico da DC Comics na TV. Ao trazer tantos elementos assim da versão de papel, fica óbvia a preocupação dos realizadores em aumentar o número de participações no futuro. Infelizmente, este mesmo futuro continua incerto graças à equivocada e apressada decisão da emissora em fechar a temporada com apenas 13 episódios.
Podcast: Reproduzir em uma nova janela | Baixar
Assine: Apple Podcasts | Android | Spotify | RSS
Excelente análise, me servirá bastante como referência de como se escrever bem sobre um tema. Saberia me informar quando a série voltará a passar?
Opa, valeu! A série retorna nesta sexta nos EUA. No Brasil, o Space deve voltar a exibir na semana que vem.