Retomando alguns pontos do episódio anterior, Louie continua sua trajetória do mundano vs belo e acrescenta aqui um aperitivo a mais no cardápio: A verdade. É sobre a verdade falada, audível e descarada da qual o episódio da semana é construído. Claro, começamos tudo com um prólogo sensacional sobre uma diarreia incontrolável que culmina em uma evacuação pública, mas nada que fuja muito da temática central da vez. Tudo em Louie tem porque e quando aparece, não basta apenas observar, é preciso Ver e armazenar tudo o que é oferecido, tanto pelo áudio quando pelo imagético.
Retornando ao prólogo que começa em um supermercado mostrando uma das atividades mais normais da vida, a de fazer compras, temos o retorno das filhas do comediante (sempre fantásticas, especialmente a mais nova), e podemos ver o contraste com as temporadas passadas, onde não só fica claro o crescimento físico das garotas, como também o amadurecimento interno, no qual essas conseguem, até certo ponto, é verdade, controlar a situação que o pai já tinha deixado escapar. E vemos a articulação delas em meio a gritos e desesperos muito melhor do que apenas o confronto inocente que uma vez tiveram com dois bullyes no Halloween lá nas primeiras temporadas, quando Louie também perdera controle da situação e também teve suas filhas se impondo. Aqui, com mais afinco e pensantes, mais vividas, tentando fazer com que o pai perca a convenção de não utilizar banheiros públicos. Daí temos o primeiro grito audível de verdades: o do desprendimento das convenções que criamos para nós mesmos. As filhas imediatamente, ao observarem o pai passar mal ainda no caixa do supermercado o questionam sobre ir ao banheiro dali, elas falam com ele, mas o que ocorre é claramente um diálogo de Louie com ele mesmo, mas transferido para suas garotas. E todas as verdades do episódio seguirão a mesma linha de raciocínio: Louie se confrontando e se questionando sobre convenções e sobre si, mas tudo transposto para a boca de terceiros. Finalizando todo o desespero que impera e que no ritmo mais descompassado do sempre presente Jazz na trilha, temos o fim do início do episódio com Louie se entregando às necessidades e fazendo na rua, e sua direção sempre fantástica grava tudo como se fosse um homem sendo deixado para trás nas trincheiras inimigas, com suas filhas desesperadas e confusas sobre o que deveras está acontecendo e sendo obrigadas pela figura paterna a se desprenderem e seguirem em frente, já que ele mesmo não consegue o desapego e prefere ficar para trás do que seguir em frente e quebrar algumas das barreiras que cobrem sua vida.
O segmento seguinte (de um episódio dividido claramente em três blocos distintos) trata sobre comediantes calouros, aqueles que estão tentando uma chance na noite do “open mic”, onde qualquer pessoa pode subir no palco e tentar ser o próximo Louie da vez. O que acontece aqui é um confronto direto de um jovem aspirante a comediante que praticamente obriga o nosso protagonista a ver seu episódio no palco e pede desesperadamente para que seja analisado de forma crítica. Ao subir ao palco começa a narrar fragmentos de uma infância abusiva, onde a mãe o batia por causa que este se urinava enquanto dormia e conforme mais apanhava, mais se urinava. O que nem de longe engraçado, e o tom depressivo e traumático com que o jovem narra sua tragédia não ajuda em nada o movimento da peça ficar um pouco mais aceso. E Louie não vê outra saída a não ser falar a verdade (olha a segunda aparição do tema aqui) para o garoto. Louie não consegue mentir, tenta até ajudar de início, dando dicas, perguntando sobre o que o jovem acha engraçado, ao que uma das resposta acaba sendo “Buster Keaton”. Uma brincadeira interessante e até um pouco óbvia (o que não muda em nada o fato de ser interessante como metáfora) para conectar a falta de graça do aspirante ao humor “sério” do Buster Keaton, famoso por ser “O comediante que nunca ri”, e nunca ria mesmo, parte do humor dele estava em arrancar gargalhadas por mesmo depois de um evento operático que culminava no momento mais insano, este nunca esboçava um sorriso sequer. E toda essa ligação remet a este segundo segmento do episódio, o da falta do riso presente na comédia. Louie não ri, mas tenta desesperadamente tirar leite de pedra ao dar dicas como a de que o menino poderia utilizar uma voz mais aguda quando fosse contar de suas tragédias. Mas no fim, o ruivo desiste e apenas admite que o garoto não tem graça, nunca vai ter graça e que não deveria seguir a carreira, pois só vai se adentrar num mundo de tristezas. E só pra não deixar escapar, em determinado ponto do diálogo dos dois, Louie fala que ele não deveria contar sobre urinar na cama, na qual a resposta é a de que, e aqui parafrasearei: “comédia é sobre honestidade, e eu estou sendo honesto”, o que só reafirma o cerne do episódio sobre ser sobre honestidade.
O terceiro bloco sendo talvez o mais central (talvez, por que ao final temos uma surpresa fascinante que deliberadamente desconstrói todas as teses sobre os segmentos serem distintos) retoma o relacionamento central da série desde seus primórdios: Louie/Pamela. Onde vemos o que parece ser agora rotina entre os dois, uma noite de cinema, restaurante, talvez sexo, talvez conflitos, talvez bully, o que já sabemos que encontraremos na relação dos dois. Já de cara, temos uma confrontação de Pamela sobre ir assistir a um filme francês de arte e que ainda por cima é legendado, ela expressa sem pudores seu descontentamento e como acha toda a sessão um extremo saco. Em seguida em um restaurante, ao receber o convite de Louie para que morem juntos, a verdade que o personagem não quer escutar aparece, e em mais um monólogo de Pamela, ouvimos com Louie verdades que fazem mais sentido do que suas propostas, do que suas ideias, do que seus sonhos, suas romantizações. E aqui retomo que seja Louie falando consigo mesmo, pois todos os dizeres ali, apesar de fazerem sentido serem saídos da boca da Pamela, fazem ainda mais sentido serem uma externização do que Louie pensa sobre relacionamentos, como por exemplo ser confrontado pela mulher dos seios fartos, onde Pamela insiste em sensualizar a moça e que encontramos aqui o exemplo “mundano/belo” da vez, com ópera ao fundo, uma bela mulher ao centro e queijo ralado sendo despejado sobre a comida e consequentemente os seios da moça. Comida, garçonete, ralador, queijo, processo mais que normal, que diante dos olhos de Louie se tornam uma fantasia belíssima. Mas retomando as verdades, tudo o que é pronunciado faz sentido, e você nota que é um homem maduro escrevendo para personagens maduros, com exceção de si mesmo. A meta de Louie é sempre se inferiorizar e deixar com que todos os demais se sobreponham a sua persona. Pois o que quer é sempre se fazer confrontar com seus erros, de fazer de forma até terapêutica, se olhar no espelho e se fazer refletir sobre si, sobre seus erros, no caso, ser afobado com relacionamentos e querer algo “concreto” de imediato, o que um homem de sua idade já sabe que não é a solução e que Pamela/Louie o faz perceber isso.
E finalizando tudo, após se entenderem, Louie termina tudo assistindo ao jovem que ele pediu para que desesperadamente não seguisse com a carreira se apresentar em um programa de sucesso como “a sensação do momento”. Aquilo deixa Louie boquiaberto e em choque, sem conseguir se mexer, agir. E é ai que mais uma vez percebemos que o que rolou na cena onde Louie destrói os sonhos do jovem nada mais é do que o protagonista se materializando no passado e se recolocando na posição onde ele recebia o desmantelamento de seus sonhos (afinal de contas, que comediante ou artista de qualquer tipo não recebeu um desses?). E é interessantíssimo Louie dialogar montando a cena como sendo ele o vilão e o jovem, um personagem depressivo e cheio de amargura e desespero querendo sair de si, como a personagem do filme francês de arte, que só grita desesperada e nada mais, que é posta para nós ao final do episódio remontando a lógica da verdade que foi posta durante todo o episódio, mas que dessa vez é gritada, já que claramente é uma obra escrita, dirigida e atuada pelo comediante, ou seja, é tudo uma mentira no fim das contas, tudo uma ilusão, a verdade que o Louie quer ouvir como seu alter ego, a verdade que ele nos arremessa sem nos deixar outra escolha se não aceita-la. O grito final da mulher em preto e branco nada mais é do que o grito de 20 minutos que foi o episódio, uma reação de Louie ao mundo, onde durante a realidade não consegue ter diálogos ou reações como as que acontecem na ficção, mas que em ambiente controlado, tudo que sempre quis que falassem ou sempre quis falar pode ser facilmente colocado e claramente exposto da maneira que desejar. Então em meio a verdades e mentiras, o que nos resta é a criatividade, sendo remontada e desenvolvida toda semana pelo comediante mais interessante da atualidade.
Podcast: Reproduzir em uma nova janela | Baixar
Assine: Apple Podcasts | Android | Spotify | RSS
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários