Cinerama: Operação Friedkin

1972 – Los Angeles. Saindo de uma festa com uma limusine Mercedes 600 – que Francis Ford Coppola havia ganhado da Paramount, quando O Poderoso Chefão atingiu 50 milhões de dólares – estavam Coppola, Friedkin e tantas outras pessoas da Nova Hollywood. Também saindo desta mesma festa, Peter Bogdanovich e sua então esposa Polly Platt em uma caminhonete Volvo. Por acaso a Mercedes e o Volvo pararam no mesmo sinal. Willian Friedkin se levantou enfiando a cabeça pelo teto solar da limusine e, ao ver Bogdanovich, berrou: “O filme americano mais empolgante dos últimos 25 anos!”, uma citação de uma crítica do seu filme, Operação França, e continuou: “Oito indicações ao Oscar, inclusive Melhor filme e Melhor Diretor!”.

Sem querer ficar para trás, Bogdanovich espichou a cabeça pela janela do Volvo e recitou uma frase de uma de suas críticas: “A Última Sessão de Cinema, o filme que vai revolucionar a indústria do cinema”, acrescentando: “Oito indicações, e meu filme é melhor que o seu!”. Francis, grandão e barbudo, enfiou-se pelo teto solar: “O Poderoso Chefão, 150 milhões de dólares!”. Como sempre, William Friedkin não queria perder uma competição, então soltou: “Meu filme vai ganhar mais Oscars que vocês!”.  E sim, no dia 10 de Abril daquele ano, Operação França ganhou de A Última Sessão de Cinema, com cinco estatuetas, entre eles, Melhor Filme, Melhor Ator (Gene Hackman) e Melhor Diretor. Depois da premiação, já segurando seu prêmio, o cineasta correu para Peter Bogdanovich e o abraçou com força, dando-lhe um golpe com a estatueta durante o processo. Peter, que nunca ganhou um Oscar, disse depois: “Meu Deus! Ele já tinha ganhado o prêmio. Tinha mesmo de bater com ele na minha cabeça?”. Friedkin sempre fora assim, e só ficaria pior depois do Oscar.

Em 1965 William Friedkin saiu de sua Cidade natal, Chicago, onde havia dirigido alguns programas de TV e alguns pequenos documentários, para ir para L.A, com a proposta de trabalhar com David Wolper – famoso produtor de TV e produtor de A Fantástica Fabrica de Chocolate (1971) – mas logo largaria a ideia para dirigir episódios de Alfred Hitchcock Presents.

Quando ele foi para o cinema, dirigiu um filme após o outro: Good Times de 1967, um fracasso de bilheteria. The Birthday Party e The Night They Raided Minsky’s. Ambos de 1968, que também foram fracos na arrecadação.

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Em 1970, fez Os Rapazes da Banda, que mesmo com uma temática considerada forte para a época – relacionamentos homoafetivos – teve críticas um tanto positivas. Durante a gravação, conheceu Kitty Hawks, filha do aclamado diretor Howard HawksRio Bravo (1959) – que certa vez se encontrou com a filha e William Friedkin. Nesse encontro, Hawks se referiu a Rapazes da Banda como “uma merda de filme sobre ‘veados’” e lhe deu o conselho: “As pessoas não querem ver filmes sobre os problemas dos outros ou nenhuma dessas merdas psicológicas. Querem histórias de ação. Toda vez que fiz um filme desses, com caras do mal e caras do bem, tive um enorme sucesso. Faça isso se é que se interessa.”. As palavras de Howard Hawks impressionaram William e direcionaram sua carreira para longe dos filmes de arte, fazendo-o aceitar o projeto de Operação França, um thriller adaptado do livro de Robin Moore que era, por sua vez, inspirado em fatos.

Operação França, que havia custado míseros 1,8 milhão de dólares, estreou em Nova York em Outubro de 1971. O filme fez sucesso, rendendo 26,3 milhões de dólares, só na bilheteria americana.

Já em 1972, O Exorcista entrava em produção, e as gravações seriam ainda piores que os gritos da plateia ao ver a cena de uma garota de 12 anos a se masturbar com um crucifixo. Para se ter uma ideia, a previsão inicial para as gravações era de 105 dias. Duzentos dias depois, Coppola já havia terminado A Conversação e Friedkin ainda estava rodando. Seu perfeccionismo chegara a um certo grau de insanidade. Em um determinado ponto da filmagem, Friedkin estava gravando um plano em que algumas tiras de Bacon fritavam em uma chapa. A câmera recuava e a atriz entrava em quadro. Simples assim. Quando o Dolly – equipamento criado para dar movimentos suaves – recuava, batia em uma parede, que teve de ser retirada. Tudo parou por conta disso. Depois, Friedkin decidiu que não gostou do modo como o Bacon encaracolava quando fritava. Novamente a produção parou, até o contrarregra encontrar Bacon sem conservantes, algo difícil na época, e nos dias de hoje. O filme caminhava tão lentamente, que um técnico ficou doente e pegou licença médica. Ao retornar uns três dias depois, eles ainda estavam gravando o mesmo plano.

Muitos costumam falar das mortes anormais que aconteceram depois e durante as gravações, mas se esquecem de que o maior demônio durante as filmagens não se tratava de um ser de outro universo, mas sim do próprio William Friedkin. Desde tiros no set para assustar atores, até a fraturar o cóccix da atriz Ellen Burstyn na cena do crucifixo. William Friedkin gritava para todos os lados e vivia demitindo vários técnicos. Segundo um dos integrantes da equipe: “Ele era o único cara que eu conhecia que apertava a sua mão e soltava um sorriso e logo depois se virava e dizia: ‘Tirem esse cara daqui’”. “Era insano, ele demitia todo mundo ao meio dia e às duas da tarde, contratava todo mundo de novo”. Seu apelido no set era “Crazy Willy”. Ele chegou a gritar que preferia trabalhar com tocos de árvores a trabalhar com atores, vontade essa que realizou em 1990 em A Árvore da Maldição, um fracasso de bilheteria que foi logo jogado para as prateleiras das locadoras.

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Com as filmagens atrasadas e com Friedkin ficando cada vez mais doido, o filme que inicialmente seria gravado com apenas 7 milhões, estava com um orçamento de 30 milhões de dólares, e os executivos continuavam arrepiados com as cenas de exorcismo, não por conta da história, mais sim por conta dos fios e mais fios que apareciam e os bonecos da pequena Regan, que estavam claramente falsos.

Regravações eram feitas a todo o tempo e nada deixava Friedkin feliz. A trilha sonora, originalmente criada por Lalo SchifrinTHX 1138 (1971)/ Série A Hora do Rush (1998, 2001, 2007) –, deixou o diretor tão furioso, por seu trecho mais leve, que jogou o rolo com “A maldita música de marimba” , do outro lado da rua do estúdio onde estava editando O Exorcista. A trilha foi então enxertada com músicas de outros compositores, como Krzysztof Penderecki, Jack Nitzsche e Mike Oldfield, com o famoso “pianinho” da parte um do álbum Tubular Bells.

Finalmente terminado, O Exorcista foi lançado em Dezembro de 1973 de forma burra pela Warner, que com medo de o filme ser um fracasso, não queria perder mais dinheiro ainda. Mesmo assim o filme rendeu 160 milhões de dólares, sendo um gigantesco sucesso. Filas e filas de pessoas se formavam em frente aos cinemas e dentro das sessões, várias pessoas passavam mal, vomitavam e saiam gritando pelo hall de entrada do cinema, aterrorizadas com as imagens do filme. Mais uma vez Friedkin era "o cara".

No Oscar de 1974, a produção foi indicada a todas as principais 9 categorias, mas só levou Melhor Roteiro Adaptado e Som, frustrando  Friedkin, que em sua cadeira de diretor em O Exorcista havia colocado “Um Oscar por Operação França, e à direita havia a silhueta de outro Oscar com um ponto de interrogação dentro. Ele continua com aquela silhueta vazia, pois desde então, nunca chegou nem perto de uma nova estatueta.

Seu próximo projeto seria uma refilmagem de um filme de Clouzot chamado O Salário do Medo de 1953 que narrava a história de três homens que transportavam ilegalmente dois caminhões de nitroglicerina por estradas esburacadas e perigosas na America do Sul. O remake se chamaria O Comboio do Medo.

O roteiro não mudaria muito, seria isso e mais um monte de coisas dignas de um filme de Friedkin. O longa fora rodado na França, Israel, na República Dominicana e em Nova Jersey e mais uma vez Willian despediu um monte de gente e gritou e humilhou tantas outras. Certa vez, um dos motoristas das cenas de ação do filme atropelou um porco. Friedkin gritou horrores com o motorista e o demitiu, como de praxe; foi até o porco agonizante e chorou rios de lágrimas. Muitos técnicos não entenderam tal situação, pois até então todos acreditavam que ele não tinha coração. Até o diretor de fotografia desistira do filme, por não aguentar trabalhar com Friedkin. O assistente de câmera assumiu a função.

22,5 milhões de dólares depois e muitos meses de brigas constantes para o filme ser lançado como Friedkin queria, O Comboio do Medo foi às telas em 1977 logo após o mega sucesso de Star Wars e se tornou um fracasso retumbante de apenas 9 milhões no mundo todo. Nem mesmo o fato do trailer abrir as sessões de Star Wars havia ajudado. Os críticos não gostaram do filme e esse foi o começo do fim para o cineasta, que a partir de 1977, dirigiu um fracasso após o outro.

Se seguiram: Um Golpe Muito Louco de 1978, que foi oferecido por Dino De Laurentiis para Friedkin e que é uma comédia leve e sem grandes pretensões, que também foi um fracasso e é bem desconhecido em sua carreira.

Parceiros da Noite de 1980 que falava do submundo Gay e da investigação de uma série de assassinatos pelo policial Al Pacino - O Poderoso Chefão (1972). Apesar de ter um roteiro bem amarrado e os traços de grande diretor técnico, comuns a William Friedkin, o filme foi morno nas bilheterias e fortemente hostilizado pela comunidade Gay, por ser considerado homofóbico.

Uma Tacada da Pesada de 1983 foi tão ruim de bilheteria e de crítica que nem o próprio Friedkin quis falar sobre o mesmo em sua biografia, lançada recentemente, The Friedkin Connection.

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Finalmente em 1985 Viver e Morrer em Los Angeles foi lançado e teve algum sucesso nas bilheterias. Com orçamento de 6 Milhões, o thriller de ação rendeu pouco mais de 17 milhões no mundo todo, deixando o diretor com um pouco mais de prestigio e engrandecendo a carreira de Willem DafoePlatoon (1986) – por conta de sua boa performance na fita.

Síndrome do Mal de 1987, A Árvore da Maldição de 1990, Blue Chips de 1994, Jade de 1995 – curiosamente um orçamento de 50 milhões fora empregado neste filme erótico que não rendeu nem míseros 10 milhões –, Regras do Jogo de 2000, Caçado de 2003, Possuídos de 2006 e Killer Joe - Matador de Aluguel de 2012, marcam a época de filmes menores, tanto de orçamento, quanto de distribuição e bilheterias. As críticas para todos listados acima também foram mornas, exceto para seus dois últimos filmes, que não só foram bem avaliados, como conseguiram se pagar. Muitos marcam The Bug e Kiler Joe como um retorno do grande diretor que é Friedkin, aos holofotes.

Idas ao céu e idas ao inferno marcaram a filmografia de William Friedkin, mas não tiraram dele a batuta de diretor dos enormes sucessos e clássicos do cinema: Operação França e O Exorcista, que apesar de terem sido feitos nos anos 70, ainda continuam extremamente atuais.

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