Menina Má.com: O pequeno clássico do horror que perverte o clichê de Rape and Revenge

Menina Má.com: O pequeno clássico do horror que perverte o clichê de Rape and RevengeMenina Má.com é uma obra curiosa e bem menos lembrada do que merece. Dirigido pelo britânico David Slade, o longa foi lançado em 2005 e ficou famoso graças ao seu elenco, que se baseia em dois atores basicamente: Elliot Page, que na época utilizava uma alcunha feminina - Ellen Page - e Patrick Wilson, ainda em início de carreira.

A história toma emprestado alguns elementos do conto da Chapeuzinho Vermelho, brincando com a condição de uma garota em perigo, cercada por um predador.

Embora as semelhanças sejam inegáveis, membros da produção e elenco negavam a inspiração na história clássica, até por conta da capa que Page usava ser na verdade laranja, ficando vermelha graças a luz.

Como a ambientação é em uma zona urbana e na década de 2000, onde boa parte das pessoas tinha receio de conversar na internet com pessoas desconhecidas, a figura do lobo mau não é um devorador literal e sim um paralelo com um predador sexual, um possível abusador.

O filme quase se chamou Vendetta ou Snip Snip. A opção por Hard Candy tem a ver com uma gíria da época, que se referia justamente para designar uma garota menor de idade entre os pedófilos da Internet.

É curioso como o texto possui uma discussão sobre sexualidade e sobre a vulnerabilidade de tudo que não é o homem branco heterossexual e cisgênero, ainda mais se considerar que é protagonizado por Page.

O longa conta com roteiro Brian Nelson e se concentra em ser uma perversão dos filmes de Rape & Revenge, embora perverta esses chavões.

O perigo que chama a atenção aqui mira os grupos antigos de conversa na internet, que era um dos primeiros modos de conversa na rede. Neles ocorriam papos, flertes, paqueras ou qualquer outro tipo de interação entre duas ou mais pessoas.

O filme conta com Paul Allen, Richard Hutton e David Higgins como produtores e Rosanne Korenberg como produtora executiva. A trama se passa quase toda no mesmo ponto, com pouca variação entre cenários. A maior parte do longa filmada em um estúdio de som, com as cenas exteriores sendo filmados na casa de um coordenador de dublês, na Califórnia. Teve cenas também em Sunset Boulevard em Hollywood, no Griffith Park e em Burbank.

Foi rodado pelo estúdio Vulcan Productions produzido por Michael Caldwell, David Higgins e Richard Hutton, contem produção executiva de Jody Allen, Paul Allen e Rosanne Korenberg, tendo distribuição da Lionsgate.

O orçamento foi pequeno, um pouco menos de 1 milhão de dólares. A ideia era primeiro rodar o filme inteiro, para só depois vender para uma distribuidora. Foi gravado em 18 dias, filmado de maneira cronológica, exceto a cena de abertura, em Nighthawks, filmada por último.

Slade tem alguma expertise em filmes de terror, fez 30 Dias de Noite, também fez o "terror romântico" A Saga Crepúsculo: Eclipse além de Black Mirror: Bandesrnatch. Na televisão dirigiu episódios de Hannibal, Crossbones, Powers e Breaking Bad. Já Nelson é mais conhecido por ter escrito 30 Dias de Noite e Demônio, esse último junto a M Night Shyamalan.

O roteiro que foi filmado teve praticamente nenhuma mudança ou tratamento. Slade pegou o texto de Nelson e rodou quase sem mudança, com pequenas inserções improvisadas apenas, a fim de deixar a trama mais fluídas.

A ideia inicial do filme teria vindo do produtor David Higgins, que leu relatos de alunas japonesas emboscando homens que navegavam na Internet em busca de encontros com menores de idade. A ideia chegou a Nelson, que desenvolveu o script mirando questões arquetípicas, mostrando uma moça menor de idade, supostamente de 14 anos, utilizando as vantagens que tem para capturar um suposto predador sexual.

Esse é um filme repleto de viradas no roteiro. Deixamos então um aviso de spoilers, caso o leitor se incomode com isso.

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A primeiríssima cena ocorre em um chat anônimo e privado, com uma conversa entre os usuário Thonggrrrl 14 e Lendman319. As duas pessoas conversam e marcam de se ver em um local público. É notável que o filme alardeia sua trama em torno de uma temática de denúncia.

No encontro presencial, Hayley (Page) aparece comendo um bolo de forma apressada. Ela comete a tolice de sujar seus lábios, de uma maneira meio ingênua, tão meticulosamente inocente que parece suspeita.

Vale lembrar que Page ainda não tinha seu trabalho tão largamente reconhecido. Já atuava desde os anos 1990, com participações pontuais em séries e telefilmes canadenses.

Em 2005 não havia ainda em seu currículo os papéis de Kitty Pride/Lince Negra, que viria em X:Men: O Confronto Final, de 2006 ou a sensação Juno, de Jason Reitman, lançado em 2007.

Ainda assim se percebe um grande talento, uma dedicação ao papel sui generis.

Sua apresentação é boa, ela se vale da condição física magra, de cabelo curto que facilmente cai na condição de adolescente. No entanto, quando gravou, sua idade batia com a de Hayley Stark.

A construção visual mais elaborada certamente ocorreu no figurino, cuidadosamente pensado para imitar o trajar alternativo de adolescentes dos anos 2000 que buscavam fugir da modinha. Há também um cuidado para mostrar ela se esforçando para ser assim, mas sem deixar se parecer um ser angelical, quase virginal.

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O seu date, Jeff (Wilson) chega com uma postura de macho alfa, é belo e cuidadoso, tanto que limpa a boca dela com o dedo, passando a mão na própria boca depois, sob o pretexto de não desperdiçar o doce.

Patrick Wilson até então tinha poucos trabalhos no cinema. O mais notável foi O Fantasma da Ópera, de Joel Schumacher, filme que exige os dotes dele como cantor de teatro. Até então, ele tinha trabalhado mais nos palcos e menos na grande tela.

Aqui ele está bem, desempenha um papel que é exigido em vários pontos, e ele varia bem entre as facetas exigidas de si.

Não era nem preciso ler a sinopse para intuir o trabalho do personagem dele. Jeff é um fotografo, se apresenta assim inclusive no seu nickname no chat privado, que carrega uma máquina fotográfica.

O roteiro é espertinho, até meio expositivo em alguns pontos. É calculado para preencher as brechas de um thriller psicológico, sempre deixando margem para que o espectador se preocupe com os personagens supostamente indefesos.

A escolha do café é um bom exemplo disso, já que é um local público, onde Hayley e Jeff confraternizam aos olhos de todos. Nele também se percebe um cartaz de uma moça desaparecida, no caso, Donna Mauer. Como era de se esperar, o anúncio não está lá gratuitamente.

As conversas entre os dois revelam a carência da menina, que tenta em vão parecer mais velha do que é, citando gostos musicais e leituras literárias que não condizem com meninas em idade escolar.

Ela tenta impressionar o homem, diz que se interessa por materiais culturais de cunho mais adulto. Talvez ela de fato pense isso, mas fica evidente que ela está tentando parecer algo que não é.

Para o espectador mais sensível o começo da trama é bem incômodo, já que vai lentamente desenrolando um flerte entre um homem de meia idade, bonito, que tem acesso a qualquer tipo de mulher e que ainda assim tenta conquistar a atenção de uma menina menor, fingindo se interessar pelos assuntos dela, basicamente para conseguir alcançar sua graça.

Mas não se desenvolve nenhum desenrolar dramático mais agressivo para além das tentativas de aproximação física do sujeito. Ele avança com cuidado, mas não parece ter receio de ter sido visto em um lugar público com ela. Se é um assediador é esperto o suficiente para cobrir os próprios rastros, mas é vaidoso o suficiente para não suspeitar que possa estar sendo vítima de uma armadilha.

A questão da idade de Hayley é uma polêmica. É dado que a maior parte do que ela fala é mera invenção, o que inclui gostos pessoais, conhecimento cultural etc. Dessa forma, é possível que ela fosse uma adulta, com corpo que lembrasse o de uma adolescente.

Seria até mais plausível essa possibilidade, ainda mais se levar em conta o final, mas, para a história encaixar perfeitamente, é mais do que necessário que Hayley fosse de fato uma menina, e não uma mulher.

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Na casa de Jeff continua um jogo de sedução, embora não ocorra nada explícito. O homem dá corda para ela, tem inúmeras chances de cortar o flerte, mas não o faz.

Se permite seguir na toada de algumas brincadeiras de cunho sexual, mesmo tendo em sua frente um óbvio dilema ético e moral. Essa não era uma situação trivial, por mais que ele se esforçasse para fazer parecer.

Jeff só se permite apresentar falha em seus planos quando sofre o efeito dos remédios ministrados a ele, cambaleando, deixando assim sua máscara de perfeição cair. Ele grita com a menina quando ela sobe no sofá, uma vez que a enxerga agindo como uma jovem menor de idade, sem perceber que está sob efeito narcótico.

Mesmo depois de revelar a Jeff que ele é seu refém, Hayley não sai do personagem. A partir desse ponto o filme assume seu real caráter.

A câmera de Slade busca flagrar a agressividade da moça com de alguns enfeites infantis, que usa de pulseira. O cineasta varia bem entre os atos agressivos e os adereços de enfeite dela. O que ela veste ou o que usa não necessariamente influi em seus métodos, tanto que ela não hesita em calar o cativo com atos agressivos.

A câmera treme enquanto ela joga um líquido repelente na língua do dono da casa. É tudo bem visceral e agressivo.

Uma das partes que mais brinca com as expectativas certamente é o trecho em que Hayley ilude Jeff, brinca com as expectativas da vítima, faz ele acreditar estar por cima, permitindo que ele acredita ter chance em vencer a disputa com ela.

Em alguns pontos ela demonstra falhas, afinal, não é uma pessoa treinada, uma assassina profissional, mas ela segue em vantagem quase sempre, exceção ao final, onde consegue uma virada rapidamente, demonstrando que o seu plano é maior que o de Jeff.

O momento mais polêmico é a suposta operação que Hayley faz. Ela exige que Jeff assuma o que é, um abusador, além de tentar tirar dele que a moça desaparecida, anunciada anteriormente, tem envolvimento dele, uma vez que ele guardava uma foto dela em seu cofre.

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A moça chama a castração que ela fará de manutenção preventiva, quer impedir a sociedade de ser atacada por um predador que não consegue deixar o pinto na calça ao ver uma menininha.

Patrick Wilson desmaiou brevemente devido ao esforço excessivo durante as filmagens dessa cena específica. Ainda assim, se nota que Slade tem um grande controle da narrativa, passando bem pelo conjunto de expectativas conflitantes dos seus personagens, especialmente na cena de castração.

Wilson está bem na maior parte dos momentos, Page idem, tem uma atuação soberba, mas são os elementos visuais que chamam a atenção, seja no close íntimo no rosto suado de Jeff enquanto acha que está sendo cortado, ou quando transiciona, passando pela mesa de cirurgia improvisada, indo até cartelas coloridas, com a última sendo vermelho, cor de sangue, representando o corte que viria sobre os testículos do homem preso.

Em comentários no DVD, Wilson lembra que durante as filmagens no telhado, ele teve que filmar uma cena em que grita várias vezes, a frase: "Você não vai atirar em mim". Após algumas tomadas, pessoas da vizinhança chamaram a polícia, pensando que aquele momento foi real.

Uma curiosidade é que o ator é muito fã de filmes de horror, em especial Sexta-Feira 13. Ele resolveu andar na direção da menina quando seu personagem se solta justamente para imitar o vilão máximo da franquia, Jason Vorhees. Por isso, ele não corre, anda, tal qual Jason fazia.

A perseguição ainda assim é emocionante, resulta em uma tentativa de revide que não dá certa. A fuga atrapalhada e desenfreada da menina é bem registrada na filmagem com câmera na mão, que o cinematógrafo Jo Willems faz.

Menina má.com é uma boa perversão de filmes de suspense e vingança. Sua riqueza está na economia emocional e no desenrolar frenético do drama, terminando de maneira trágica para um personagem e recompensadora para outro. É difícil não se chocar com toda a exploração feita, assim como é impressionante o nível de atuação e a entrega de Page e Wilson fazem no longa, valorizando a tensão e a discussão em torno dos diversos assuntos espinhosos ditos aqui.

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