Um Dos Nossos: David Chase e a Família Soprano é um documentário em formato de seriado onde o realizador Alex Gibney conversa com o escritor, roteirista, diretor e produtor David Chase, sobre a sua principal obra, o programa de sucesso e símbolo do canal pago HBO, Sopranos ou como ficou conhecido no Brasil: Família Soprano.
Esse é um produto da HBO Documentary Films e da Jigsaw Productions, disponibilizado e distribuído pelo streaming Max, da Warner/Turner, no formato Video on Demand ou VOD.
A princípio esse especial prometia ser um mergulho e estudo sobre a feitoria da série que Chase criou, mas o sujeito foi surpreendido quando Gibney disse que era mais um estudo de personagem, no caso, o seu.
Esse é então um exercício comparativo, que varia entre momentos do seriado famoso e a intimidade do criador desses personagens. A ideia é entender quem é e era David Henry DeCesare, o David Chase, em uma conversa franca e íntima.
Dividida em dois episódios, a série tem como produtores Gibney e Ophelia Harutyunyan. Os produtores executivos foram Nancy Abraham, Lisa Heller, Nicole Lambert, Stacey Offman, Richard Perello e Sara Rodriguez.
Ele teve estreia em regime especial, no Tribeca Film Festival, nos Estados Unidos, no dia 13 de junho de 2024, depois chegou em 7 de setembro no streaming de todo mundo, inclusive no Brasil.
O título original é Wise Guy: David Chase and the Sopranos. Em países como Argentina e Mexico é Uno de los Nuestros: David Chase y Los Soprano. Na Hungria é A Maffiózók atyja: David Chase, na Polônia é David Chase i 'Rodzina Soprano', na Rússia é Умник: Дэвид Чейз и «Сопрано», na Espanha é Wise Guy: Los Soprano por David Chase.
Gibney dirigiu episódios de Billions e de Na Rota do Dinheiro Sujo, também conduziu os filmes A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício e Cidadão K e as minisséries O DNA da Justiça e O Crime do Século, também Prisioneiro Para Sempre e O Mundo Contra Boris Becker.
Ophelia Harutyunyan produziu Prisioneiro Para Sempre, foi produtora associada em A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício e Cidadão K. Dirigiu os curtas The Frame e It Takes a Village... além do longa Totally Under Control.
A primeira cena do "filme" resgata os momentos de Tony no escritório de Melfie, olhando a estátua pelada. Brinca com a recepção de Melfi a Tony e a entrevista de David Chase, que fala com Gibney.
Vai até Mount Vernon, perto do Brooklyin, o primeiro lar de Chase. O escritor confessa que quando criança amava o natal novaiorquino, dizia que era um evento ir até o Rockefeller Center.
Em suas falas, determina que tinha uma relação conturbada com família. Eles moraram em vários lugares em torno de Nova York, o pai se trabalhou muito, até os últimos momentos, morreu doente e sem dinheiro. Já a mãe vivia gritando com todos, com os 9 irmãos e 2 irmãs, foi ela que inspirou a relação de Livia com Tony.
Era meio delinquente. Ele encontrou um grupo de homens violentos, mafiosos, nervosos, bullys, começou a andar com eles, munido de canivetes, braceletes de couro e cigarros.
Depois resolveu estudar. No ano de 1964, em Wake Forest na Carolina do Norte. Disse que o campus era próximo de um grupo da KKK e que a maior fraternidade era inspirada em Robert E. Lee.
Vivia triste, já que o motivo de ter ido para lá foi por conta de um amigo ter passado. Foi salvo quando começaram as noites de cinema estrangeiro, onde assistiu Federico Fellini, Jean-Luc Godard e Ingmar Bergman.
Enquanto cita o seu personagem Tony, falando que rememorar é a pior forma de contar uma história, a edição é esperta, ao tocar o tema de abertura de Família Soprano, colocando a música Woke Up this Morning junto a cenas novas, variando entre esses momentos e o caminho rodoviário de James Gandolfini por Jersey.
Todos diziam que Chase precisava escrever sobre sua mãe. A sua colega roteirista Robin Green dizia que ele era muito triste, que chorou e riu quando conversou com ela e com outros sobre a história de sua família, em especial de sua matriarca. No esforço para trabalhar com o que gostava, sofreu recusas de Fox NBC, CBS e ABC. Les Moonves, um figurão e CEO da CBS gostou, mas achou que o motivo de atrelar o protagonista a um homem que usa Prozac.
Então pensou na HBO, emissora conhecida por passar filmes e boxe ao vivo, tendo na sitcom Larry Sanders Show seu maior chamariz fora desse escopo. Depois teve bons expoentes como Oz, Sex and the City. Depois de elucubrar sobre a aprovação de Sopranos, a narrativa viaja ao passado, fala de quando Chase casou e saiu de casa.
Decidiu morar longe do que restou da sua família, a fim de poupar a sua esposa, de ser enlouquecida por sua mãe, ou seja, ele mesmo assume o quão conflituosa era o seu dia a dia familiar.
São mostrados trabalhos dele, um curta, que ele fez em Stanford, como parte de sua tese na faculdade, The Rise and Fall of Bug Manousos. Fala também das tentativas dele em estabelecer contato com Roy Huggins, produtor de tv, mas ele não conseguiu nesse momento, acabou trabalhando na Clover Films.
Esse trecho é curioso, pois revela que ele tentou ser assistente de direção, mas não levava jeito, tampouco entendia de filmagens, então se tornou figurante em um filme porno softcore chamado The Cut-Throats, depois escreveu O Túmulo do Vampiro, também pela Clover. Nesse ponto ele ri, ao falar da qualidade da obra e de seu orçamento.
Fato é que ele queria ser diretor, mas não conseguiu desenvolver muito esse lado, fez sim muitos roteiros, conduziu pouca coisa, entre episódios de suas séries e outros produtos.
Huggins enfim deu atenção a ele, leu os seus roteiros e o chamou para fazer um capítulo da série The Bold Ones: The Lawyers. Isso abriu portas para outros trabalhos, foi editor de história em uma série com Bill Bixby chamada The Magicians.
Também escreveu coisas em Arquivo Confidencial (do original Rockford Files) fez I'll Fly Away e Northern Exposure.
Chase seguia frustrado, primeiro, por não dirigir e por não saber como fazer, parecia ter receio em simplesmente perguntar aos cinematógrafos como funcionava a direção de fotografia.
Ele confessa que teve uma certa dificuldade criativa na hora de conceber Sopranos. Ele estava acostumado com seriados e esses precisam de personagens carismáticos e marcantes, que se repetiriam e fariam o público se importar como ele.
O problema na verdade é que esse precisaria ser um seriado onde as pessoas morrem o tempo todo, afinal, ele foca na temática de crime organizado. Como inspiração ele cita filmes de máfia Jimmy Cagney, apelido do ator James Cagney que protagonizou obras como Inimigo Público de 1931, Anjos de Cara Suja de 38, Heróis Esquecido de 39 e Fúria Sanguinária de 49.
Morte é um evento inexorável e possivelmente essa é a riqueza de Sopranos, todos que morrem são sentidos, por conta dos personagens serem muito queridos.
Aqui se mostram detalhes dos testes para Big Pussy, que acabou sendo feito por Vincent Pastore. Se confidencia inclusive que ele era tão querido que o elenco pedia para adiar o seu destino, que acabou ocorrendo na segunda temporada de Sopranos. São mostrados outros atores fazendo audição para ser Pussy, como Tony Sirico, que acabou fazendo Paulie Gualtieri e Louis Lombardi, que fez Skip Lipari.
Michael Imperioli disse que não era prestígio participar de eventos da HBO, mas fez o teste assim mesmo. Ele fala abertamente que suspeitou de Chase, achou que poderia ser desrespeitoso um não italiano falando de ital0-americanos. Até cita Scorsese e Coppolla como bons exemplos nesse quesito, na época ele não entendeu que Chase era um nome artístico, já que o sobrenome dele é DeCesare.
Drea de Matteo fez teste para a amante de Tony, mas não passou. Depois ela fez a recepcionista do piloto, basicamente por conta dos produtores terem gostado dele. Ela confidencia até que tinha dificuldade de proferir a sua fala curta, já que estava diante de Lorraine Bracco, que ela adorava, desde Os Bons Comoanheiros.
Mostra-se também testes de Livia, da namorada de Tony, até do próprio Tony, que Steve Van Zandt fez, por insistência de Chase.
O músico e ator se de veste e age de maneira muito diferente de qualquer carcamano, inclusive do seu personagem, Silvio Dante. É muito curioso, por que sai os ternos elegantes do dono do Bada-Bing! e entra um traje "rebelde", colorido, cheio de estampas e bandanas.
Para quem não acompanha seus trabalhos musicais e sua parceria com The Boss Bruce Springsteen, assusta.
Detalhes de bastidores são revelados, como por exemplo, o fato que Bracco insistiu para fazer Melfi e não Carmela, como ele queria.
Ela buscava não se repetir e entendia que a mulher de Tony poderia lembrar demais Karen Hill, de Os Bons Companheiros, embora ela tenha se enganado aí, já que Carmela era muito diferenciada, também por colaboração e texto de Eddie Falco, que foi quem acabou ficando com o papel.
Para Tony, John Ventimilgia (que feez Artie Bucco) também fez teste, Michael Rispoli também.
Há alguns detalhes legais, especialmente quando se fala que Gandolfini. O ator não foi bem na primeira sessão, ao menos é o que ele achava. Repensou, foi a casa de David Chase e convenceu o roteirista.
Gibney se utilizou de entrevistas antigas, para colocar a voz de "Jim", pudera, era necessário, já que esse se propõe a ser um estudo a respeito do trabalho mais célebre dele e de Chase.
Isso acrescenta conteúdo, já que são falas não tão conhecidas, especialmente para o aficionado não nascido nos Estados Unidos, já que são materiais de arquivo em inglês e de revistas e programa locais.
Isso ajuda a fortalecer momentos simples, como a discussão sobre a cena de perseguição do endividado vista no piloto, que é toda copiada de Chinatown de Roman Polanski.
Se acerta o viés cinéfilo de Chase, que filmou ele mesmo - o piloto teve a sua direção - um de seus fetiches, também pontua com a opinião de Gandolfini a respeito daquele momento, que o igualou a um grande chefão do crime, copiando uma sequência com Jack Nicholson, que era uma referência para o ator. Ambos saíram contemplados.
Eddie Falco e sua Carmela foram uma das últimas escolhidas dentro do núcleo central. Suas falas são bastante íntimas e profundas. Ela fala com carinho dos momentos tensos da série, especialmente de Gandolfini, com quem teve uma relação de amizade bastante intensa.
Chase assume que Sopranos foi a última tentativa dele, que queria escrever filmes por sua conta e risco. Ele montou com cuidado sua equipe, tinha o intuito de não querer fazer como na maioria das séries, queria ir além.
Para isso, era preciso ter um bom chamariz: Tony.
Chris Albrecht, ex CEO da Starz e narrador desse especial achava T violento e agressivo demais para o público se afeiçoar. Foi ele quem sugeriu mudar o episódio em que Tony mata o um traidor, no episódio College, da primeira temporada de Sopranos.
David inseriu cenas que mostravam o personagem como alguém perigoso e armado, assim, quando Tony acerta as contas com ele, não parece ser tão malvado ou ruim. Esse é um acerto óbvio, pois torna o personagem central alguém complexo, digno de respeito e torcia, ao ponto de fazer as pessoas se reuniam para comer pizza e ver a série.
Chase fala que todos os personagens, criminosos ou não, fazem um pacto com o diabo, até Melfi. O preço de viver nesse mundo caótico e violento é alto, para sobreviver é preciso fazer concessões ao pecado, por isso é claro que todos estão nesse acordo, enquanto outros, como o chefe de família gângster e deprimido. Ao público há o convite de conviver com tudo isso, simbolismo esse que estende para quase um pacto também.
Tony é o representante do diabo, nesse cenário montado. Há boas falas de Gandolfini aqui. Falco e Bracco afirmam que ele era alguém muito doce, amigável, que vivia fazendo piada nas gravações, mas que guardava um azedume e melancolia.
Também se fala dos sumiços e das suas muitas faltas. A produção chegou a multar em 100 mil dólares por cada dia de atraso, protagonizar a série parecia um peso. Van Zandt diz que toda vez que eles bebiam juntos, Jim falava que ia largar o programa.
Ele se preparava para cenas violentas se privando de sono. Ficava duas noites dormindo mal, para representar bem nos momentos mais agressivos. Isso cobrou seu preço, além também da questão do alcoolismo.
Ele perdeu sua privacidade, Imperioli até fala que ele saiu de um ator desconhecido para alguém que onde chega vira o centro das atenções. Bateu em paparazzi, brigou com fotógrafos do TMZ, odiava o assédio fruto da fama. Morreu em 2013, seis anos após o fim do seriado.
Chase falou na cerimônia de despedida e o conteúdo é pesado e solene.
O autor diz que não se surpreendeu com o fim do amigo, mas o que chama a atenção é a ternura, o carinho e o orgulho que Chase tinha junto ao interprete, especialmente pelo fato dos dois estarem resgatando juntos o que era tão diferente na origem italiana de ambos. Eles eram o mesmo povo.
Também destaca que Tony, o elemento entre a dupla, era amado justamente por conta de todos verem nele o garotinho cheio de desejos e sonhos, para além do cara bruto e violento.
Sobre outros detalhes de bastidores, se destaca a fala de Matteo, sobre o fato de Chase ter se irritadi com ela, por que ela arrumou trabalho perto da época que Adriana morreria. Existia todo um procedimento de confidencialidade sobre quem morria, nem mesmo os colegas sabiam, exceto quem participaria das cenas específicas e ela aceitar ir para a sitcom Joey era um indício de que sucumbiria.
Ainda gasta um tempo, falando do polêmico final, até da escolha da música, Don't Stop Believin' do Journey. Ainda fecha com um comentário de Anthony Junior, na terceira temporada, de que a cor preta representa morte.
Chase brinca que vão pegar isso para assumir que Tony morreu. Ainda termina com ele brincando, falando que a verdade é que ...e vem a tela preta.
Um dos Nossos é um bom estudo sobre os bastidores do seriado, um mergulho na inspiração de David Chase e uma grande reflexão sobre a sua magnus ópera, sobre a sua intimidade e sobre as fontes de sua inspiração na hora de construir Família Soprano. É um programa que obviamente precisa que o espectador que o veja já conheça um pouco do trabalho de Chase e sabendo disso, se torna uma experiência simplesmente enriquecedora.
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