Mergulho Noturno : Uma nova versão do clichê de casa mal assombrada

Mergulho Noturno é uma das grandes apostas para o cenário de filmes de horror no ano de 2024. Baseado na premissa de uma piscina que cobra a vida de pessoas que nela nadam, essa é uma obra que busca ser séria, mesmo que sua premissa pareça ser absolutamente trash, como prevê essa a menção no parágrafo inicial do texto.

Coprodução entre Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, é uma obra oriunda de um curta-metragem homônimo de 2014, dirigido por Bryce McGuire e Rod Blackhurst.

Em 2018 a dupla vendeu os direitos para uma adaptação em longa-metragem, para o estúdio da Atomic Monster, com a condição de que McGuire pudesse dirigir e assim foi feito. O roteiro ficou a cargo do diretor e o argumento foi assinado por ele e Blackhurst.

Sua história parte de valências do pós-horror, especialmente por pautar o terror em cima de um trauma, misturando com elementos de horror fantasmagórico, ainda que esse último seja explorado de maneira mais tímida, especialmente em comparação com os outros filmes dos produtores desse.

A premissa parte da vida de um ex-jogador de beisebol, que se muda com a esposa e os dois filhos para uma casa nova. No quintal da residência há uma piscina que parece ser um artefato comum, a futura diversão da família que vive ou viverá ali.

No entanto, há um estranho segredo nesse espaço, sendo essa questão desenrolada e aumentada ao longo do filme, desencadeando uma força maligna que tomará conta da história.

Dos estúdios Blumhouse Productions, do produtor Jason Blum e Atomic Monster, do também produtor James Wan. O longa foi distribuído pela Universal Pictures.

Wan e Blum trabalharam muito juntos, em Sobrenatural em suas sequências e no recente e elogiado M3gan. Aqui eles se juntam aos produtores executivos Michael Clear, Judson Scott e Ryan Turek.

O filme se chama originalmente Night Swim e foi chamado dessa forma na maioria dos países, inclusive em países que não são de língua inglesa. Em países como Argentina, Chile, Colômbia, Mexico e Peru é Aguas siniestras. Na parte francesa do Canadá é Baignade nocturne, se chama Águas Negras em Portugal e La Piscina na Espanha.

Mergulho Noturno : Uma nova versão do clichê de casa mal assombrada

As locações foram na Califórnia, com cenas filmadas entre Los Angeles e Santa Clarita.

Se comparado ao curta, houve um considerável acréscimo de verba, ao menos em comparação com os outros trabalhos dos realizadores. McGuire é conhecido por seus curtas The Whistler e pelo já citado Night Swin original.

Também colaborou com roteiros de filmes que estrearão em 2024 como Imaginário: Brinquedo Diabólico de Jeff Wadlow e A Bruxa dos Mortos: Baghead de Alberto Corredor.

Já Blackhurst seguiu trabalhando como diretor em seriados de televisão, como Amanda Knox, Bem-Vindos à Terra, John Wayne Gacy: Devil in Disguise e Blood for Dust.

A trama inicia distante da família protagonista, em um momento no passado, em 1992, onde uma menina, chamada Rebecca (Ayazhan Dalabayeva), mergulha na piscina de sua casa, para resgatar o barco do seu irmão doente. Nesse trecho ela tenta pegar o brinquedo sem se molhar, mas acaba caindo, sendo tragada pela água de uma forma que parece ter ali uma entidade assassina.

Ela acaba desaparecendo misteriosamente, de forma bastante parecida com o que houve no curta-metragem, com a personagem vivida por Megalyn Echikunwoke. Em comum nas duas situações, há cenas de mergulho profundo na piscina, com belas cenas aquáticas, além de aparições de gente na superfície, que simplesmente somem quando a pessoa coloca a cabeça para fora da água.

Esse tipo de abordagem seguiria vivo no filme, tanto a questão da ilusão/miragem de estar sendo observado por um ente querido, quanto o modo de mergulhar em um cenário de profundidade quase infinita, estabelecendo assim uma nova mitologia.

Não demora para que a trama chegue ao presente, apresentando a família Waller, formada por Ray, o pai deles, interpretado por Wyatt Russell, por Kerry Condon que interpreta a esposa compreensiva Eve, além dos filhos, Izzy, de Amélie Hoeferle e o caçula Elliot, de Gavin Warren.

Ray é um jogador de baseball em fase de declínio. Ele e sua mulher procuram uma casa para alugar, a fim de conseguir ter tranquilidade, fator esse incomum quando ele estava em atividade na MLB, a Major League Baseball, que é o maior torneio do esporte do mundo.

Apesar de estar debilitado, Ray não assume nem para si e nem para a sua família que não tem mais como disputar jogos profissionais, embora isso não seja um motivo para tanta preocupação, já que eles parecem ter economias o suficiente para viver bem, mesmo que ele não retorne aos campos.

Não fica claro de início qual é o seu quadro, até os médicos parecem ter receio de falar com todas as letras qual é a doença do sujeito. O diagnóstico é obviamente negativo, mas não é dado ao público a resposta certeira para não assumir o que ele tem, provavelmente graças a falta coragem dos envolvidos.

O que se cogita é que ele tem esclerose múltipla, sendo, portanto condenado a perder cada vez mais os seus movimentos. Jogar um esporte que exija do seu corpo não é mais opção e isso faz com que o sujeito fique deprimido e em uma consulta, uma médica sugere tratar ele como diagnosticado com esclerose nível dois.

Sua mulher é das pessoas mais compreensivas e bem apresentadas em filmes de terror recente. Eve é uma pessoa carinhosa, que ouve e trata bem a sua família e isso se reflete também nos filhos, que mesmo tendo rivalidades comuns a idade, fogem da pecha de meninos rebeldes e descompromissados.

Ray sofre e o acréscimo do fato de ter uma família perfeita colabora para que ele sinta pena de si mesmo, afinal, ele tem as expectativas frustradas, mas ninguém o trata mal disso.

Esse ponto funciona bem, especialmente pelo cuidado em tornar as relações o mais real possível, fugindo de idealizações bobas. Há uma boa construção do roteiro e partindo daí o mal inexplicado que cobrirá a família passa a pesar menos, mesmo que o grosso das manifestações espirituais parta de um louvor a assombrações genéricas.

Na procura por um lugar para morar os Waller param em uma casa, que tem piscina. Ela não está disponível para aluguel, mas como a família raramente tinha chances de criar raízes em qualquer localidade, decidem comprar a residência, logo depois de um estranho incidente, onde o já combalido Ray cai nas águas da piscina.

Mergulho Noturno : Uma nova versão do clichê de casa mal assombrada

A casa que serviu de base para as filmagens não tem garagem, então a piscina pode ser vista do jardim da frente. Foi criada então uma fachada, para parecer uma estrutura completa e também para bloquear a vista da piscina a partir de outras casas. Dessa forma, o local é se torna um pequeno segredo de quem mora ali.

A grande questão é que aquela é a mesma casa do início do filme, fato que já deixa patente que esse seria mais uma cópia descarada de Terror em Amityville e Poltergeist: O Fenômeno, substituindo a casa possuída por uma piscina que funciona como um portal para um lugar perigoso, uma dimensão demoníaca ou algo que o valha.

Como os personagens são tridimensionais e como seus dramas parecem realistas, a premissa batida não se torna a apreciação do filme em algo desagradável. A vida dos Waller não é mostrada sem percalços, até mesmo a introdução da piscina é dada em um momento perigoso, já que o pai quase se afoga nela algumas vezes.

Supostamente a piscina se nutre de água natural, propriedade essa que tem poderes curativos, ajudando no tratamento de lesões.

Coincidência ou não as famílias em volta não sabiam da história trágica do passado, não fingindo que não conhecem a história, tanto que visitam a casa dos Waller em determinado ponto, usufruindo da piscina sem grandes receios.

Apesar de alguns incidentes, como na festa de boas-vindas, a família vai se consertando aos poucos. Izzy entra na equipe de natação, ingressa na escola Harold Holt Swimming School, instituição essa que recebe o nome do 17º primeiro-ministro da Austrália, que desapareceu enquanto nadava, tendo morrido assim, presumivelmente.

Elliot também começa a se enturmar, mesmo sendo tímido, mas todos passam a ter visões estranhas quando nadam, especialmente quando fazem isso à noite.

Curiosamente o receio começa depois que a mão de Ray é cortada profundamente, depois de mexer no ralo da piscina. Há como encarar que o sangue dele foi a chave para o entendimento de um sacrifício a essa entidade malvada.

O horror cresce e as aparições de espíritos passam a ser mais frequentes, mas todos ali passam por um forte estágio de negação, basicamente pelo fato de Ray estar melhorando. De positivo há o fato de que os sustos não são tão baratos quanto os jumpscares da série de filmes Insidious/Sobrenatural ou do Invocaverso.

No entanto, quando o caçula ouve um lamento em voz de menina, que afirma ser Rebecca, o quadro muda, já que a aparição ganha um nome, vira então um alvo rastreável, uma prova de que algo está errado e que envolve terceiros.

Eve trata de procurar saber quem ela era, abrindo assim mão do clichê de familiar que ignora os apelos dos filhos, conseguindo rastrear quem foi a jovem, afinal, a essa altura do tempo, há o advento da internet e de buscadores de informação on-line.

Esse trecho é bastante comparado com uma das cenas clássicas de It: A Coisa, embora o sentido seja completamente diferente, uma boa perversão de sentido, já que a menina que tenta contato com Elliot não é agressiva.

Na piscina, parece abrir uma espécie de porta dimensional, quase todos os mergulhos são profundos, parecem estar sendo dados em pleno oceano, em mar aberto. As tomadas embaixo d'água são ótimas, o visual é bonito, as cores são vivas.

Mergulho Noturno : Uma nova versão do clichê de casa mal assombrada

De negativo há as aparições dos fantasmas, quase todas derivativas e ridículas, com gente chamuscada, de vestes pretas e visual queimado. A maior parte das cenas ocorre em tomadas muito escuras, que visam esconder efeito especial barato e que se ancoram no fato de que as aparições ocorrem só de noite.

Também irrita o apelo ao advento do fantasma bondoso. É entre as ideias de filmes de horror uma das piores possíveis. Esse é o preço de se fazer um filme de gênero para toda a família.

É até surpreendente que esse tenha tantos momentos violentos, com gore e sangue, mesmo que não haja mortes gráficas ou muitas vítimas diretas. A ideia dos estúdios é obviamente trazer um público mais amplo, mas dada a proposta, até surpreende o nível de liberdade criativa dada ao cineasta.

Um trecho que é controverso é a visita de Eve a Kay, a personagem de Jodi Long, que morou na casa antes. A questão toda beira o ridículo, já que a personagem é apresentada debilitada, doente, em uma condição física deplorável, mostrando ela desse jeito provavelmente graças ao contato com as águas que vinham de uma fonte abaixo da casa.

O desejo espúrio dessa mãe foi atendido, com um sacrifício de vida, mas também se cobrou um preço terrível para ela própria, tanto que ela parece refém da localidade e dos espíritos, mesmo trinta anos depois.

Não fica claro quais são todos os efeitos colaterais, mas fica claro que a pessoa que entende na plenitude os poderes da água agem como possessos, perdendo o bom senso e o livre arbítrio de alguma forma.

A manifestação é bizarra, que brinca com elementos imagéticos curiosos, com vários elementos visuais, como água que seca rapidamente, também lágrimas negras, olhos escurecidos por interferência diabólica.

A origem das águas também é clichê, mas cabe, embora não seja muito bem explicada. No final é dado que há necessidade de sacrifício, de um final heroico para Ray, já que no desejo por retornar ao passado, acabou pondo em risco as pessoas que ele mais amava.

De certa forma, se discute sobre vaidade e sobre como um pai pode se sentir mal por não cumprir seus próprios desejos e sonhos depois que contrai a paternidade. Os resultados dessa reflexão são obviamente muito agressivos, mas são cabíveis, resultando em um destino melancólico.

Mergulho Noturno tem um final clichê, mas é abrilhantado por um visual bonito, por tomadas na água grandiosas e também pela atuação de Kerry Condon, que se entrega demais ao papel. Será uma pena se o filme se desenvolver a partir de uma visão de franquia, já que provavelmente não vai replicar os pequenos cuidados que esse primeiro longa teve, além de esgarçar uma fórmula que funciona bem sozinha.

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