O Padrasto e o terror familiar nos anos 2000

 Esquenta Dia dos Pais | O Padrasto e o terror familiar nos anos 2000Nos anos oitenta foi lançado O Padrasto, um thriller repleto de suspense, que foi super popular, mas teve notoriedade entre os fãs de filme B tanto que se tornou uma mini franquia, com uma continuação chamada A Volta do Padrasto de 1989, um telefilme chamado O Padrasto: Ele Voltou Para Ficar em 1992, e também uma refilmagem, de 2009, chamada também de O Padrasto.

O diferencial da nova versão é ligado, obviamente a uma renovação de clichês familiares, uma vez que os dramas comuns a família norte-americana média mudou da década 1980 para o que era comum em 2000-2010.

Dirigido por Nelson McCormick, esta nova história acompanha Michael, um rapaz que volta para a casa de sua mãe e a encontra com um novo namorado, David, sujeito de passado desconhecido, que vai sendo revelado aos poucos, também pela interferência e curiosidade do protagonista.

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A escolha por tornar uma possível vítima masculina como o centro da história é uma boa sacada desta nova versão. Michael tem como interprete Penn Badgley, hoje mais conhecido por ser Joe Goldberg em Você/You, mas com experiência em outras produções populares, como Gossip Girls.

Já David é feito por Dylan Walsh, conhecido como o Dr. Sean McNamara do seriado médico Nip Tuck (traduzido pelo SBT como Estética) além de estar no ar atualmente, como o general Sam Lane em Superman e Lois.

O longa é produzido pela Screen Gems, e seu epílogo é parecido com o visto no clássico, onde o futuro pai postiço muda a própria aparência se barbeando e cortando os cabelos, com até mais cuidados que a versão de 1987, usando lentes de contato para mudar mais seu semblante.

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O sujeito é lento e metódico nesse procedimento, ao passo que demonstra tranquilidade e frieza ao colocar uma trilha natalina de Noite Feliz para fazer suas torradas de café da manhã, também se corta ao fazer a barba, determinando já no início que tem falhas, que é refém de sua própria humanidade.

Dessa vez os primeiros assassinatos são mostrados como atos "limpos". Não há sangue espalhado pela casa, os resquícios visuais de morte estão escondidos, na pia, onde as armas brancas estão para ser lavadas e um pouco no tapete de entrada da residência.

McCormick tinha feito um ano antes o icônico A Morte Convida Para Dançar, com Britanny Snow, atriz conhecida pelo cinema de horror e que recentemente fez X: A Marca da Morte. A experiência dele inclui dezenas de participações em seriados, alguns com terror como temática como Lovecraft Country e Criminal Minds, incursões no cinema foram poucas.

A polícia de Salt Lake City faz relatórios, e determina que o criminoso procurado fez uma chacina semelhante em Nova Jersey. Há um padrão nos atos do malfeitor, e uma busca oficial se estabelece, diferente do que ocorreu no original.

David finge ser viúvo, em uma clara mistura das histórias de O Padrasto de 1987 e sua sequência de 89, ambas focadas em Terry O'Quinn. A aproximação de Susan Harding (Sela Ward) aparenta normalidade, mas é pensada milimetricamente, organizada para acontecer em uma loja de departamento, em uma sessão de comércio tipicamente habitada por homens, pelos pais de família.

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Quando o filho mais velho chega há um confronto do rapaz com a pieguice da postura do novo padrasto, que se mostra por sua vez bastante sentimental. Ainda assim há um cuidado para que esse choque não seja tão direto, há etapas a serem cumpridas na desconstrução do mito familiar e David era claramente sedutor e carismático, até mesmo para um jovem adulto como Michael, então esse efeito de suspeição sofreu seus retardos.

O que é de fato mais incisivo é a desconfiança em cima dos segredos da nova figura paterna. Quando o protagonista desce ao porão percebe que há trancas nos armários. Isso já determina que algo não está certo, mesmo que o homem mais velho tente se aproximar oferecendo bebida, tentando bancar o paizão compreensivo.

A partir desse ponto a sutileza é deixada de lado, inclusive em elementos fora do visual. A música de Charlie Couser, compositor famoso por séries como Fastlane: Vivendo no Limite e American Horror Stories, é um bom indício disso, priorizando tons agudos, que irritam os tímpanos, colocando o público facilmente dentro da sensação de tensão e de perigo iminente.

Michael tem de lidar com a frustração de voltar para casa, com a distância do seu pai Jay (Jon Tenney), além de conviver com sua bela namorada, Kelly Potter, feita por Amber Heard. Mesmo sendo desconfiado ele está em uma fase insegura, a procura de trabalho, e ter alguém disposto a dar um voto de confiança e com propostas de estágio, se torna algo de fato cativante.

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Ele é um rapaz comum, e que precisa adentrar na vida adulta, diferente das crianças que são seus irmãos. Tem um senso de urgência mais apurado, conseguindo observar a estranheza na postura do vilão, embora sofra o engodo dele em algum nível, cede também a postura agregadora do homem.

Na versão anterior o papel de Michael era uma moça, o que fortalecia a condição de vulnerabilidade. Por ser crescido, fica mais fácil notar questões de contradição, como o momento onde David troca o nome de sua filha. A reação dele ao ser pego na mentira é de fúria.

O personagem-título trabalha como corretor de imóveis, vende casas, vende sonhos, simbologia essa copiada pelo roteirista J.S. Cardone do texto clássico.

Dentro ainda dos signos visuais, ele percebe que seu trono está sob ameaça, primeiro pela namoradinha sexualmente ativa de Michael. Há cenas bastante constrangedoras, que ocorrem primeiro pelo fato do filme explorar demais a beleza de Heard, com dezenas de cenas com roupa de banho ou de dormir, mas também pela ação sorrateira do vilão, que é silencioso e inconveniente, quase sempre a espreita do casal de namorados.

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A outra ameaça é claro Jay, o pai biológico Michael e seus irmãos. O filho primogênito era brigado com ele e tem a relação reatada justamente por conta de um ato de correção de David junto ao filho menino, Sean. O padrasto bateu na criança de maneira destemperada e causou no pai raiva e indignação, mas da parte da mãe não houve qualquer reprimenda.

Michael vê isso com maus olhos e ao separar a briga, acerta as arestas com Jay, e isso fere demais o ideal perfeito pensado pelo padrasto. Para ele, crianças tem que ser crianças, o filho não pode ter independência, tem que estar sobre as suas asas, mesmo um já grande, mesmo um que já é capaz até de se barbear.

Harris tem uma boa presença, e sua postura de não fazer barulho faz dele o caçador perfeito. Há indícios de falhas de caráter para além do óbvio fato de ser um homicida, como más intenções sexuais, especialmente no que toca o par de seu enteado. Ele causa em Kelly um receio difícil de descrever, mesmo que ela não creia nas suspeitas do namorado em um primeiro momento.

O filme também faz bom uso do site America Most Wanted, que foi o programa que fez encontrar John List, o sujeito que matou a própria família e ficou dezoito anos impune até ser reconhecido por um vizinho. Essa história serviu de inspiração para o filme de Joseph Ruben e tem ainda mais paralelos com essa versão.

Por mais que não seja tão icônico quanto a obra de 1987, essa é uma refilmagem digna, sendo o maior pecado certamente a pasteurização e a cessão a fórmula de filmes de matança dos anos 1990 de apelar para corpos jovens, sarados e bonitos como mote central, fora claro algumas conveniências nas relações, que servem de atalho para os personagens.

Apesar de ter poucas mortes e delas serem carentes de gore, O Padrasto termina pessimista, cínico e deixa seu público apreensivo, com um desfecho em aberto e que abriria chance até para outras continuações, que não ocorreram, graças a uma bilheteria que se pagou, mas não rendeu tanto, apesar do potencial de se tornar uma franquia.

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