O Corvo de Rupert Sanders: Uma tentativa arrogante de melhorar o clássico

O Corvo de Rupert Sanders: Uma tentativa arrogante de melhorar o clássicoO Corvo é um dos lançamentos de cinema mais esperados do ano de 2024. Adaptação do gibi homônimo de James O’Barr, o longa-metragem é uma coprodução entre Reino Unido, França e Estados Unidos que ficou famosa desde o início dos rumores sobre sua adaptação, já que o diretor Rupert Sanders, deu declarações bastante polêmicas, comparando o seu trabalho com o de Alex Proyas e o seu O Corvo que foi protagonizado pelo saudoso Brandon Lee.

A história trata de um casal formado por duas almas gêmeas: Eric Draven e Shelly Webster. Após se conhecerem e se apaixonarem, eles são brutalmente assassinados por vilões de origem estranha, que perseguiam a moça desde muito tempo. Esses bandidos parecem ter poderes sobrenaturais e pacto com demônios.

Sendo assim o passado de ambos retorna para adicionar mais tragédia, violência e crueldade, sem que para isso seja preciso sequer citar o componente espiritual.

Eric então retorna dos mortos para cometer vingança, mas não só para isso, já que ele resolve tentar redimir a si e a sua amada nesse caminho revanchista. Para o papel central foi escolhido o novo queridinho do cinema de terror, Bill Skarsgård enquanto a sua namoradinha é interpretada pela cantora FKA Twigs.

Sanders afirmou que o seu objetivo era fazer não um remake e sim um reboot, um romance sombrio diferenciado, fiel os quadrinhos O Corvo de James O'Barr, já Skarsgård disse que queria honrar o legado de Lee, embora seu papel seja completamente diferente, tanto em estilo, abordagem, profissão, passado etc.

O roteiro é da dupla Zach Baylin e William Josef Schneider. A produção é assinada pelo saudoso Edward R. Pressman, Victor Hadida, Molly Hassell e John Jencks.

São produtores executivos Jonathan Bross, Dan Friedkin, Micah Green, Jon Katz, Juliana Lubin, Joe Neurauter. Sam Pressman, William Josef Schneider, Joe Simpson, Daniel Steinman, Kevan Van Thompson e Simon Williams.

A ideia de um possível remake existe há muito tempo. Em 1997 quase coube a Rob Zombie fazer o terceiro filme da franquia, que poderia ter sido uma refilmagem, chamava The Crow 2037, mas tudo foi abandonado para fazer enfim O Corvo III: A Salvação de Bharat Nalluri.

Tentativas, já pós anos 2000, se pensou em fazer um quarto filme, chamado The Crow Lazarus, que deu lugar a O Corvo: Vingança Maldita, onde Edward Furlong é o protagonista.

Stephen Norrington, o diretor de Blade: O Caçador de Vampiros quis reinventar o personagem. O anúncio dessa iniciativa foi em 2008, no ano seguinte ele começou conversas com os estúdios para fazer sua versão, se cogitou Mark Wahlberg no papel, mas o projeto foi engavetado.

Em 2011 as conversas foram retomadas, se pensou em uma série de realizadores espanhóis. O primeiro deles foi Juan Carlos Fresnadillo, de Extermínio 2, mas ele não seguiu. Outros diretores foram considerados, como F. Javier Gutiérrez.

Nesse meio tempo se cogitaram como protagonista Bradley Cooper, Channing Tatum, Robert Pattinson, James McAvoy, Tom Hiddleston, Alexander Skarsgård, Sam Witwer, Ryan Gosling, Nicholas Hoult, Jack O'Connell, já para o papel de Shelly foram cogitadas Jessica Brown Findlay e Kristen Stewart.

Ainda sobre esses projetos malfadados e escalações no papel central, Luke Evans foi escalado, mas se sentiu inclinado a abandonar o projeto por se sentir “indigno” de retratar o papel que imortalizou Brandon Lee. Em janeiro de 2015 ele saiu do projeto, com Jack Huston sendo chamado para o seu lugar, depois desistindo também, devido a conflitos de agenda.

No ponto do projeto em que F. Gutiérrez (de Tres Días) foi cortejado para dirigir o longa, o projeto seria bem diferente, imitando plano por plano, da história em quadrinhos original, usando painéis e diálogos diretamente do material de origem, tudo em preto e branco, mas graças a atrasos nas filmagens, Gutierrez desistiu de dirigir O Chamado 3 em 2017.

Já em 2018, o diretor Corin Hardy (de A Maldição da Floresta e A Freira) e Jason Momoa estavam no projeto até a fase de pré-produção, com ambos saindo faltando cinco semanas para o início das filmagens.

O Corvo de Rupert Sanders: Uma tentativa arrogante de melhorar o clássico

Arte conceitual com Momoa como O Corvo

A razão para a saída da dupla teve a ver com diferenças criativas, supostamente. Não houve mais atualizações sobre o filme em março de 2020.

Nesse ponto, o projeto teria o nome Crow Reborn, seria baseado no roteiro de Cliff Dorfman de O Guerreiro. Seria então uma história original sobre um policial que retornaria para vingar sua família. A ideia atraiu a atenção de Momoa, que foi escalado para o papel principal, mas a produção fracassou quando ator saiu, aparentemente, graças as constantes reescritas de roteiro, que desgastaram a ideia original de Dorfman, transformando-o em mais de um remake do filme de 1994 e menos a história original que ele assinou.

Decidido que seria um reinício, o longa foi planejado para ser lançado no 25º aniversário do filme original, O Corvo, mas obviamente, só chegou trinta anos depois.

A primeira exibição do filme foi na Bélgica, em 21 de agosto de 2024. No Brasil, chegou em 22 de agosto de 2024, nos Estados Unidos foi dia 23.

O título original era The Crow. Ele teve como nome de trabalho The Crow Reboot. Na Argentina e Equador era El cuervo, no Azerbaijão é Quzğun, enquanto na Estônia é Vares. Na Hungria é A holló, na Itália The Crow - Il corvo, na Romênia The Crow: Iubire și răzbunare, na Turquia Ölümsüz e em Portugal seria O Corvo.

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O filme foi rodado em junho de 2022, na cidade de Praga, na República Tcheca.

Os estúdios que propiciaram o longa-metragem foram a Hassell Free Productions, Davis-Films, The Electric Shadow Company, Edward R. Pressman Film, Pressman Film, 30WEST, Ashland Hill Media Finance e Media Capital Technologies.

Teve distribuição da Lionsgate Films nos EUA, da Entertainment Film Distributors no Reino Unido e da Imagem Filmes no Brasil e Argentina.

Rupert Sanders é conhecido especialmente por ter dirigido Branca de Neve e o Caçador, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, além de um episódio da série Fundação.

James O'Barr teve trabalhos basicamente ligados a franquia, nas sequências O Corvo: Cidade dos Anjos, o seriado O Corvo: O Caminho Para o Paraíso (The Crow: Stairway to Heaven), O Corvo III: A Salvação e O Corvo: Vingança Maldita.

Zach Baylin escreveu King Richard: Criando Campeãs, Creed III, Gran Turismo: De Jogador a Corredor e Bob Marley: One Love.

William Josef Schneider escreveu o curta 15-40, também participou do roteiro dos novos Return to Silent Hill e The Legend of Tembo.

Molly Hassell fez A Sacada, Perigo na Montanha, Vingança Perfeita e Rogue.

Victor Hadida de Resident Evil: Hóspede Maldito, Blitz, Mente Criminosa e Resident Evil: Bem-Vindo a Racoon City.

Bill Skarsgård é conhecido por suas participações em produções que adaptam Stephen King, especialmente It: A Coisa e Castle Rock. Também esteve recentemente em Noites Brutais, John Wick 4: Baba Yaga e no divertido Contra o Mundo.

Edward R. Pressman produziu Wall Street: Poder e Cobiça, o primeiro O Corvo, Psicopata Americano, Vício Frenético e Paterno, além das já citadas sequências de O Corvo. Esse foi o seu último filme produzido em vida, que foi terminado pouco antes de seu trágico falecimento em 11 de janeiro de 2023.

De acordo com Sanders, a aparência do personagem não foi inspirada nos quadrinhos. Ele disse que considerou o que poderia combinar mais com as feições e corpo de Bill, decidiu então fazer referência ao seu próprio passado...disse então que o visual de Draven era inspirado em como ele próprio andava nos anos 90, quando vivia e "delirava" em Londres.

Também assumiu que se deixou influenciar por figuras modernas como Post Malone e Lil Peep, basicamente para atingir as pessoas que têm até 19 anos.

Shannon Lee, (irmã de Brandon Lee) disse em entrevista que não acha que esse filme deveria ser refeito. O ator Ernie Hudson falou que se recusou a ver o trailer, disse gostar do at0r, mas sem citar Bill Skarsgård, também falou que O Corvo era Lee, disse que não conseguia imaginar outra pessoa fazendo. Disse que esperava pelo menos que esse novo teria uma direção diferente

A narrativa inicia em uma fazenda, onde um menino anda em meio a lama. Ele parece a manifestação de Eric no passado, passeando por esse lugar abandonado, em um pesadelo, onde ele observa um cavalo branco, bonito, preso no arame farpado.

Essa sequência envolvendo o cavalo é bastante famosa, graças ao fato de ser retirada do quadrinho original. Sanders tenta colocar um discurso pomposo, sobre se machucar e autoflagelo, mas se perde em meio a zerada profundidade de suas reflexões. Esse início varia entre o sonho de Eric e a abertura no estilo Hans Donner, junto a uma música animada, além de mostrar o drama da cantora FKA Twigs, pouco antes dela encontrar enfim a sua alma gêmea.

Entre momentos de segredos da menina, onde ela discute com e tentativa e fuga de capangas malvados e tatuados, a moça acaba sendo detida pela polícia, basicamente por andar de maneira suspeita, ou talvez graças a um racismo intrínseco aos agentes da lei.

O Corvo de Rupert Sanders: Uma tentativa arrogante de melhorar o clássico

Fato é que ela fez isso de maneira obviamente proposital.

Ela acaba parando no centro de reabilitação Serenity Park, lugar que se localiza no meio do nada, onde encontra enfim Eric, que não se destaca nem um pouco no meio da multidão.

Nesse novo cenário o filme se propõe a explorar um presente bem diferente para o protagonista masculino. É estabelecido que algo terrível aconteceu no passado, um trauma, mas esse não é desenvolvido minimamente as questões que levaram ele a ser alguém tão submisso e letárgico ficam desconhecidas.

Não se dá os motivos para ele estar ali, tampouco se dá razões para que os funcionários serem tão truculentos, já que aquilo não é necessariamente um local prisional, ao menos é que é dado, já que é bastante fácil sair de lá.

A verdade é que tanto o roteiro quanto a direção são bastante capengas.

O personagem de Skarsgård é passivo, parece alguém com questões de neurodivergência, possivelmente é parte de um espectro de autismo, embora isso não importe para a trama, já que não há importância nenhuma para isso.

Nesse início do filme ele é perseguido por outros detentos, que praticam bullying com ele, sem qualquer freio ou algo que o valha. Chega a ser engraçado, já que o ator é muito maior que os seus colegas de elenco.

A trilha sonora e a música de Volker Bertelmann não é ruim, ao contrário, já que foi composto pelo autor que foi indicado ao Oscar por Lion: Uma Jornada Para Casa e vencedor no recente Nada de Novo no Front. Se nota a tentativa de imitar Hans Zimmer nos filmes de Nolan, mas sem muito sucesso. Ou seja, nessa versão de O Corvo, se busca diferenciar do longa de Proyas, mas imita a trilha sonora da trilogia Batman.

Ainda no campo de comparações com outros filmes baseados em HQs, esse também tenta ser sombrio como os quadrinhos do Spawn e tem até um Cagliostro particular, já que o mentor do herói lembra muito o personagem que estava nos quadrinhos do anti-herói da Image Comics.

A construção do romance adocicado entre Draven e Shelly busca fazer a relação parecer profunda. Se dá tempo de tela, mais de meia hora antes de enfim chegar o momento trágico que envolve os dois.

A grande questão é que todo o namoro deles, toda a relação de ternura e chamego parece falsa. Não há nenhuma química entre a cantora e o interprete do palhaço Pennywise.

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Mas não é com tempo de tela que se garante profundidade narrativa.

A ideia central do roteiro tenta se distanciar tanto da abordagem dada à Brandon Lee, que acaba ficando distante da essência que O'Barr pensou e isso é péssimo, já que a revista é quase um desabafo de seu autor, uma forma de exorcizar dos demônios de sua culpa, já que ele se inspirou em uma perda pessoal para escrever e desenhar a graphic novel.

O personagem místico e espiritual que é o Roeg de Danny Huston, um sujeito poderoso, que se veste tal qual um mafioso, mas tem poderes místicos é um bom exemplo da distância dita antes.

O seu grupo de capangas é repleto de arquétipos vazios. Entre eles há Marion (Laura Birn) cujo visual e postura lembra Jessica Chastain na igualmente péssima adaptação em quadrinhos de X-Men Fénix Negra. O mesmo se pode falar de Roman (Karel Dobrý) que é apenas um homem elegante e bizarro.

Huston havia sido originalmente escalado para interpretar o vilão em 2015, mas desistiu do filme devido a conflitos de agenda. Ter um vilão com poderes sobrenaturais não é um problema, mas ter ele assim sem razão ou motivo aparente além de ruim não combina com o que é mostrado, já que ele tem um poder de convencimento que faz as vítimas cometerem suicídio, provavelmente recruta pessoas que se matam e que praticam homicídio, para recrutar gente para o inferno, sem motivo aparente ou explicado.

Como tudo é mal construído e sem motivo - gratuito mesmo- parece que é feito assim só para chocar e para se diferenciar.

Outra questão tola se dá mais do meio para o final, na explicação sobre salvação de alma. Esse é um discurso muito rebaixado e desvirtuado, que não combina em nada com todo o tom do filme.

Ora, Eric é maltratado até pelos funcionários do hospital, se ele é humilhado por tudo e todos por não se adequar ao moralismo dos vigias, se os vilões que perseguem Shelly pensam de uma forma que visa punir quem se droga e comete delitos, por que uma solução de salvação de essência teria uma raiz tão cristã, careta, conversadora e certinha como é aqui? Não faz sentido esse tipo de filiação para alguém tão essencialmente pessimista e deprimido como Eric.

Outra pergunta que fica sem resposta tem a ver com os motivos da mãe de Shelly. Ela colabora para entregar a filha, aparentemente, fez um pacto, como o que Roeg fez, embora pareça se submeter a ele. Seria a filha o alvo do sacrifício que ela tem que abraçar? Se for assim, o final redentor de Shelly não deveria ocorrer.

Por que Eric demora tanto a querer sair do hospital? De quem é a casa secreta que Shelly invade e como ela faz para manter um lugar tão luxuoso daquele jeito? Como ela consegue mantimentos, sendo que ela gasta o dinheiro estocado ali em drogas? Por que e quando exatamente eles se mudam para outro lugar? Como eles conseguiram arrumar verba? Eles tinham reservas de dinheiro? Tentaram vender suas músicas? Se fizeram isso, tiveram sucesso vendendo sua arte e ainda assim conseguiram manter-se e escondidos?

O enlace dos personagens é fraco, se resume a eles usando ácido e doce, dançando e se exibindo para o espelho, provando roupas caras, se agarrando e transando, mas sem apresentar qualquer conteúdo a mais que isso.

É tudo vazio e oco, são apenas corpos bonitos se exibindo diante das câmeras.

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Depois do fatídico momento, Eric sai de um rio, como se tivesse meramente saído de um quase afogamento. Ele vê um cão velho, entrando num estranho lugar, segue um senhor, vivido por Sami Bouajila (de Nova York Sitiada, Lukas e a série Submundo do Crime) não faz nenhum sentido a arquitetura do lugar ser um espaço tão amplo, com uma fachada como aquela.

Talvez o cenário seja assim graças a uma interferência entre dimensões, como uma espécie de prévia da Terra dos Mortos ou um purgatório. Isso não é um problema e apesar de subaproveitar os animais corvos como auxiliares do assassino, a ideia em si é boa.

Ainda assim há muitas chances de adaptar partes dos quadrinhos que são desperdiçadas, como a exploração de Skull Cowboy. O tal Kronos possui elementos semelhantes a esse personagem dos quadrinhos, que aliás, quase interagiu com Brandon Lee no outro filme, mas seu visual e caráter são muito diferentes. Poderia ser um bom aceno aos fãs, mas não.

O conceito de uma dimensão espiritual parecida com um limbo ou purgatório não é ruim, mas a união disso tudo e a falta de profundidade de Kronos pesa negativamente.

Draven é um soldado de forças sobrenaturais, com capacidade de regeneração que faria inveja a Selvagem e Dentes de Sabre, rivalizando com Wolverine e Deadpool. É só isso que ele faz. Não há técnica de luta, não há poderes, ele só se recompõe rápido, fato que garante muitas cenas de gore.

O romance gasta muito tempo, inclusive a motivação central do personagem. Como não há química, toda essa construção vai para o lixo. Twigs também não é boa, ela atua muito mal, é inexpressiva, vive de caretas. Talvez ela se torne uma boa atriz no futuro, mas no momento, é só caricata, não convencendo como par de Bill.

O Eric ressuscitado só sobrevive, se o amor dele permanecer puro. A pieguice do texto é obviamente incômoda, mas a edição de Chris Dickens irrita mais, é confusa, faz parecer que faltam elementos e trechos inteiros de tão confusa que a história é.

No quarto da mansão onde a mãe de Shelly, Sophia (Josette Simon), mora, Eric encontra folhas e papéis de sua amada, inclusive um pedaço de caderno, onde lê "essas mil perguntas espalhando suas raízes...".

Esse parece que foi um erro, deveriam ser mil folhas, talvez. Não fica claro se a frase é só isso, se é um esboço de poesia ou de letra de música, ou um trecho de algo maior, ou mesmo algo plantado ali como uma armadilha.

Esse momento é meio largado no roteiro, sem motivo, não ajuda a explicar a perseguição da moça, mas é uma boa demonstração do espírito do filme, que provavelmente foi tão modificado e retalhado que para desenrolar sua história, precisou de uma justificativa verbal e literal.

Sobre Bill lutando, ele imita John Wick, fato que até faz sentido, se pensar no filme de 1994, já que foi Chad Stahelski quem fez o dublê de Lee. Como o lutador e dublê se tornou realizador, faz sentido emular o cinema dele, mesmo que Sanders buscasse ter um filme diferenciado.

Uma das táticas que ele usa é usar seu próprio corpo para matar e machucar, ele atira em si para atalhar ataques a pessoas que estão atrás, chega ao cúmulo de enfiar até espadas em si mesmo. Caso ele não sentisse dor - o que obviamente não é o que ocorre - seria uma grande ideia, mas nem isso é ideia sua. Eric não luta bem, longe disso, vai tendo ideias de violência a medida que pratica sua vingança, copiando o estilo dos seus adversários, percebe essa "boa ideia" depois que uma de suas vítimas atira no próprio peito assim que ele está no banco de trás do carro.

As motivações são confusas, Eric parece ter amizade por uma outra pessoa, até aconselha um conhecido de Shelly a fugir - o motivo dele não ter feito isso por conta própria era óbvio, mas ele não fez, afinal, precisa avisar o herói...

No entanto, quando Eric encontra um amigo do passado, o tatuador que fez tantas marcas em sua pele, o mesmo que conheceu sua amada, ele simplesmente coloca o sujeito em perigo, de maneira desnecessária, fazendo com que ele morra de maneira cruel e muito violenta. Não sente sequer remorso, até faz piada com o cadáver do rapaz.

Pior, para provar que o amor que ele tem por Shelly é puro, ele aceita doar a sua alma, para que ela pudesse viver. Isso não faz qualquer sentido, já que, primeiro, o sentimento idealizado dele foi corrompido, seja lá o que isso signifique, já que a lembrança dela possuída matando o traumatizou.

Segundo, a alma dele não devia ser tão valiosa, fosse para o Diabo, para Deus ou para qualquer outra entidade - que aliás, são Espíritos que sequer são citadas nesse filme. Ele já morreu, ele está de passagem pelo mundo dos vivos, qual o motivo que faria ele ser tão especial ao ponto de perverter toda a lógica sobrenatural, para trazer alguém morto de novo a vida?

Supondo que seu plano funcionou à contento, Shelly voltaria como uma versão feminina do Corvo? Seria uma vingadora com poderes de regeneração como ele? Infelizmente o filme foi mal de bilheteria, não deve haver uma sequência para responder essas questões.

Ele resolve ir atrás do casal classudo, Marion e Roman, nesse que é possivelmente o único momento elogiado do filme inteiro.

A cena da ópera é uma sequência visualmente agressiva, o ponto alto talvez entre todos os filmes de ação desse ano de 2024, mas soa cínica, não só pelas tentativas de parecer profunda, graças a fala de Marion, sobre ser dragado pelo mal a que Roeg serve, mas também pelo final, onde Eric joga a cabeça decapitada de seus rivais na plateia.

O Corvo de Rupert Sanders: Uma tentativa arrogante de melhorar o clássico

As pessoas na plateia nada fizeram para ele, no máximo podem ser encaradas como inimigos por ele graças ao fato dele e de Shelly serem invisibilizados por gente rica, embora nenhum dos dois seja despossuído, pobre ou miserável.

É uma tentativa de explorar um coitadismo para gente que sequer precisa trabalhar para viver, uma revolta juvenil e extremamente pequeno burguesa.

Eric estava tão maquiado e cheio de tintas que quando sangrava a tinta preta se misturava ao seu sangue...é de um exagero atroz, inclusive no simbolismo, já que a ideia é mostrar que ele está jogando para fora o que é podre.

Talvez Sanders estivesse tentando driblar a classificação indicativa no ponto que geriu esse trecho. Teria se esquecido de mudar os outros ou achou que isso soaria poético? As duas possibilidades são factíveis.

Roeg sangra, como ele, fica a dúvida se ele seria um Corvo corrompido. Provavelmente essa é uma ideia grande demais para o filme. Ele novamente sangra preto, até "contamina" o seu adversário, aparentemente ele está expelindo toda a podridão de sua alma, mesmo que ele tenha feito a promessa de ficar puro, por sua amada.

A poética é fraca, ele joga fora a sujeira e fica por isso mesmo, depois leva Roeg a estação, que é o lugar onde tudo termina. São frases de efeito que tentam ser profundas, mas soam genéricas, mais do mesmo e clichê de eventos sombrios, fechados por criaturas monstruosas, que puxam o homem mal para a parte molhada da estação, depois, Shelly volta.

É simbólico e muito pobre.

A ressurreição de Shelly é bizarra. Kronos é o paramédico que a ressuscita e o corpo de Eric está ao lado, com a tatuagem da mão Cry Now Cry Later modificada.

Ou seja a linha do tempo foi modificada e essa é a prova cabal. Seria tudo uma ilusão de Shelly? O filme todo é uma viagem e ela se enganou com relação a tatuagem? Eric teria feito tudo o que a câmera de Rupert Sanders registra e faz esse desfecho não ter razão ou lógica de existir?

O filme trata de linhas temporais conflitantes e mutáveis? Considerando que Shelly acorda no momento pós ataque em seu apartamento, estaria ainda Roeg, Roman, Marion e companhia vivos?

O longa se propôs a responder tudo o que Alex Proyas e James O'Barr não conseguiram e não queriam responder e simplesmente não entrega nem mesmo respostas para as indagações que ele mesmo propôs. Fica confuso se é remake, se é outra adaptação como Sanders falou, ou um reboot para outra franquia, já que ele abre possibilidade para uma nova série de sequências.

Sobre o final aberto, Bill Skarsgård disse em uma entrevista que pessoalmente "preferia algo mais definitivo". Ainda se cai no erro de fazer um louvor a Twigs, que não se justifica, mesmo que a atriz e cantora seja carismática e bonita. Não há profundidade, carisma ou motivo aparente para explorar ela com tanto afinco, até por conta da personagem ser vazia e oca.

O Corvo carece de identidade e parece ser uma obra incompleta. Fosse a primeira aventura de seu realizador, haveria de se relevar, como não é o caso é impossível não lamentar, não pelo fato de adaptar um material base tão rico, mas sim por não ter qualquer substância ou algo que o valha.

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