O Homem Que Burlou a Máfia : a história de um anti-herói trambiqueiro contra gangsteres

O Homem Que Burlou a Máfia : a história de um anti-herói trambiqueiro contra gangsteresO Homem Que Burlou a Máfia é um filme de Don Siegel sobre um criminoso que acidentalmente roubou o dinheiro de uma organização mafiosa. Lançado em 1973, acabou sendo mais conhecido por conta de suas histórias de bastidores e pelo insucesso de bilheteria, mesmo que tenha sido elogiado pela crítica na época.

A história gira em torno de Charley Verrick, um bandido trambiqueiro, que junto do seu bando assalta o banco de Tres Cruces. Sem saber ele acaba se apossando de dinheiro sujo, e fica preocupado em ser pego por bandidos de maior porte que ele próprio.

Chamado originalmente de Charley Varrick, tem poucas variações em sua nomenclatura pelo mundo, sendo chamado assim ou como Kill Charley Varrick. O filme quase foi chamado de The Last of the Independents, pelo menos se contar o desejo de Siegel. Esse acabou sendo o slogan no pôster principal do filme, além de ser também o lema da empresa de pulverização agrícola de Walter Matthau no filme.

O longa é uma adaptação de um romance lançado cerca de cinco anos antes. O livro se chamava The Looters e foi por de John H. Reese, autor conhecido por ser roteirista de filmes clássicos de faroeste, como A Dois Passos da Forca e Ódio Destruidor.

Produzido e distribuído pela Universal Pictures, o longa-metragem é produzido pelo próprio diretor, Don Siegel e teve produção executiva de Jennings Lang, de Joe Kidd e dos filmes catástrofe Aeroporto 75 e Terremoto.

Tem roteiro de Dean Riesner, que fez Perversa Paixão, Perseguidor Implacável e O Estranho Sem Nome, com auxílio de Howard Rodman, que escreveu as séries Cidade Nua e Harry O.

Siegel vinha de alguns filmes em que fazia dobradinha com Clint Eastwood. Fez vários westerns e filmes de ação, alguns de maneira consecutiva, começando em 1968 com Meu Nome é Coogan, Os Abutres Têm Fome de 70 e a dupla de 1971 Perseguidor Implacável e O Estranho que Nós Amamos. Quando tentou se desvencilhar de seu muso, no faroeste Só Matando de 1969, acabou passando por graves problemas de produção, tanto que quem assina a direção foi Alan Smithee.

Portanto, esse O Homem Que Burlou a Máfia era importante, para demonstrar que Siegel poderia fazer filmes sem Clint como herói.

Para piorar ele passaria por maus bocados com Walter Matthau, que segundo ele, sabotou a divulgação do longa, afirmando que não gostou e não entendeu o filme.

Em sua autobiografia, Siegel acusou o interprete de ser uma pessoa de difícil trato, viciado em jogos de azar. Os dois chegaram a apostar que este filme renderia menos dinheiro que o filme anterior que Matthau estrelou, no caso, a comédia romântica Reencontro do Amor, fato que não era difícil, já o interprete normalmente fazia peças de comédia, e não dramas escapistas ou filmes de crime.

Essa informação é difícil de averiguar, visto que dados de bilheteria e box office desse Charley Varrick não foram amplamente divulgados.

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Quando o filme começa se destaca a autoria do cineasta, anunciada com uma assinatura em letras feitas a mão, como A Siegel Film. Mostra um menininho no campo, brincando com uma montaria, determinando o cenário bucólico de uma fazenda como a base dessa história.

O filme não se passaria inteiro nesse local, mas a maior parte dele se dá em locais campestres, semelhantes a esse. As locações foram em Nevada, entre Reno, Carson City, Genoa, Minden, Mustang e na fronteira entre Arizona e Nevada.

A primeira ação de fato se dá quando um carro corta a estrada perto do sítio, carregando um casal dentro, um sujeito idoso e sua esposa mais nova. Eles são interpretados por Mathau, que claramente está usando um disfarce, fingindo ser o Sr. Pittis, além de Jacqueline Scott, que faz Nadine.

Pittis, vai endossar um cheque no banco local, e na aproximação deles os policiais desconfiam da atitude dos dois. O texto não se preocupa em explicar nada, simplesmente ocorrem os atos. A câmera é a explicadora da ação.

Logo entram dois bandidos, que usam máscaras bem características, lembrando o que seria comum e clichê em outras obras de assalto. Também é curiosa a maquiagem de Walter Matthau o faz parecer ainda mais com o senhor Wilson de Denis, o Pimentinha, que ele interpretaria em 1993.

Siegel dirige maravilhosamente a ação no início. A primeira sequência é tensa, o espectador sente o perigo pelo qual os personagens passam. Um evento do acaso acabou colaborando para a criação dessa atmosfera, já que a fuga que parecia sobre controle, não foi tão bem-sucedida, tendo inclusive baixas.

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O capô do carro de fuga levantou acidentalmente, mas Siegel decidiu deixá-lo no filme porque funcionava no contexto da sequência fracassada do assalto a banco.

As tomadas são boas, contínuas e se sente o impacto, já que a personagem que tinha mais tempo de tela é alvejada. Nadine é ferida e Charley demora a aceitar que ela morrerá, fica em um estado de negação que demora a passar. Quando ele finalmente aceita a sua sina, simplesmente não olha mais para trás, é maduro e bem resolvido a partir daí.

Com o tempo ele segue apenas com seu parceiro, Harmon, interpretado pelo veterano Andy Robinson, reconhecido de filmes B como Hellraiser: Renascido do Inferno e Brinquedo Assassino 3. Robinson e Siegel trabalharam juntos em O Perseguidor Implacável, dois anos antes, mas é mais lembrado por interpretar um antagonista policial em Stallone Cobra.

O longa reúne aqui outros dois atores que estavam na estreia de Dirty Harry no cinema, no caso, John Vernon, que faz Maynard Boyle e Albert Popwell, que interpreta Randolph Percy.

A construção em torno do anti-herói Charley é curiosa, já que ele é apresentado como um sujeito bobo, meio galhofa e bufão, capaz de se disfarçar com uma maquiagem fajuta.

No entanto ele é esperto o suficiente para teorizar a origem do dinheiro que pegaram. Ao ouvir no rádio uma declaração do gerente do banco Harold Young (Woodrow Parfrey), que o banco anunciou que tinha sido pego bem menos dinheiro do que eles tinham em suas mãos.

Daí ele intui que o fato de ter escondido o valor real é suspeito demais. Varrick acredita que aquilo é dinheiro lavado, de jogos, prostituição e contravenções mil. Seu palpite é correto, rapidamente ele liga a origem desse dinheiro a Máfia, passando então a ficar preocupado, já que não seria difícil rastrear ele e Harmon.

A conclusão de Charles é tão grandiosa que seu seu parceiro não consegue acompanhar seu pensamento, demorando a entender qual é a real dimensão da situação, não acreditando enfim que eles poderiam ser pegos.

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A dúvida que fica é se Harmon realmente discorda dele por razões que fazem sentido ou se está em negação, já que nunca teve em mãos uma quantia tão alta. Ele também pode estar com medo e sem perceber não consegue lidar com essa grande pressão. De qualquer forma, Robinson trabalha bem, atua como um bandido subalterno e submisso, acertando em sua caracterização do começo até o final.

A trilha incidental de Lalo Schifrin é bem pontual. O compositor famoso por ter feito o tema da série Missão Impossível e por outras obras como Joe Kidd e Operação Dragão, aqui seu trabalho faz as cenas de ação soarem nervosas, assim como tempera bem os momentos mais burocráticos, conseguindo rapidamente tornar cenas em versões mais sombrias, com rápidas menções no teclado.

O banco de Três Cruzes de fato era um lugar de lavagem de dinheiro, tanto que um funcionário dele passa um informe por rádio aos bandidos e caçadores de recompensa dos arredores, demonstrando que aquele era um serviço de comunicação fechado, apenas para criminosos.

Esse trecho lembra bastante um momento que Chad Stahelski colocou na série de filmes John Wick: De Volta ao Jogo, no sentido de mostrar uma rede de contato interna onde apenas bandidos acessam e tem conhecimento sobre os anúncios e discussões.

A notícia chega ao homem de ação Molly, interpretado por Joe Don Baker, que anos mais tarde, faria papéis bem diferentes desse, como em Cabo do Medo e Congo. Aqui ele é um sujeito discreto, sombrio e arguto, um homem assustador e de postura altiva.

Seu figurino lembra o de um gangster, já que usa terno e gravata em tons pastéis, e um chapéu de cor clara. Ele frequenta bares que possuem compartimentos e cômodos secretos, onde ocorrem jogos de azar com carteados, roletas e toda sorte de modo de aposta.

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Outra figura curiosa entre os malfeitores é a figura do sr. Boyle (Vernon), um homem igualmente assustador, que vai ao banco, atrás de Harold Young. Ele se apresenta como alguém do setor financeiro, mas claramente é um bandido também.

Sua apresentação foge do usual, já que ele é "humanizado", até brinca com uma menina, empurrando ela no balanço perto do estabelecimento bancário.

A montagem do filme faz ele se perder um bocado do ritmo no decorrer da trama. Fica monótono, depois do início da segunda hora, abandonando um pouco as semelhanças que nutria com o cinema de John Boorman - em especial À Queima-Roupa - e se torna algo com pouca personalidade, que vale por conta das referências ao crime organizado e a participação de Doyle e Molly.

O papel central desse quase coube a Donald Sutherland, mas ele foi descartado mais ou menos na época em que os produtores decidiram que esse filme teria menos violência e cenas de sexo do que era planejado antes, devido a classificação indicativa. A ideia seria a de abraçar um público mais jovem também, para isso não traria uma linguagem tão madura.

Com o tempo Molly consegue rastrear Harmon, resultando então no momento mais agressivo do filme. Há cenas de tortura onde aparece sangue, mas não há nada muito explícito. O bandido entrega tudo, nem exige tanto esforço do homem violento, cai pateticamente.

Molly tem dúvidas sobre como o crime ocorreu, até pergunta quem foi o mandante, suspeitando de Young, mas acha que ele é covarde para tal. Depois acha que foi Boyle. Ele não cogitou que o acaso oportunizou o roubo de Charley.

De fato, foi isso, o destino colocou Varrick no centro de uma trama criminosa intrincada. No entanto é notável como faltou cuidado na montagem ou na construção do texto, já que o personagem-título simplesmente some por um tempo, permanece isento da história, hora por ser um homem cuidadoso e cauteloso, outras só por escolha narrativa.

Charles quase é emboscado em seu trailer, mas não é pego justamente por estar fora, comprando material inflamável e dinamite. Ele é até perguntado pelo dono da venda sobre o seu motivo de comprar tudo aquilo, mas não revela qual é, até faz uma piada com isso.

A sequência final é insana, envolve uma cena bem difícil de rodar, com um avião de pequeno porte e explosivos. Esse trecho foi difícil de captar, o diretor utilizar dois ferros-velhos diferentes ​​como cenário dessas cenas.

Certamente o longa utiliza a temática da máfia como tema assessório graças a O Poderoso Chefão, lançado um ano antes, mas em sua narrativa brinca com clichês de Eurospy e filme de assalto.

Sua riqueza reside na construção de um anti-herói trambiqueiro e safado. Poderia ter mais humor, aproveitando a verve do seu ator central, mas isso não ocorre. Claramente a escolha de Mathau esbarrou nos desejos de Siegel e a obra não conseguiu ser uma boa paródia de filme de ação, tampouco resultou em uma aventura mais séria e adulta.

O Homem que Burlou a Máfia tenta misturar tipos de gênero em diferenciados, até mesmo com uma abordagem Noir, mas acaba não acertando bem em nenhum desses filões. Foi elogiado graças a construção inteligente de suas tramas e de fato tem isso. Ao menos Siegel faz ótimas cenas de perseguição de carro e explora em os cenários que tem a disposição, fazendo assim uma obra bem menos lembrada do que merecia, sendo um pequeno clássico charmoso.

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