Desafio no Bronx: um conto infanto-juvenil conduzido por Robert DeNiro

Desafio no Bronx: um conto infanto-juvenil conduzido por Robert DeNiroEssa coluna, localizada sempre na última quinta-feira do mês, buscará falar sempre de clássicos do gênero de filmes de Máfia e depois que analisamos Donnie Brasco com Al Pacino, decidimos apelar para outro figurão em matéria de atores desse nicho: Robert DeNiro, que estrela e dirige esse Desafio no Bronx.

O longa-metragem tem o cineasta como um de seus chamarizes, embora seja um coadjuvante de luxo. Pouco lembrado dentro do panteão de grandes filmes sobre Omertá, Cosa Nostra etc a história se passa em uma Nova York dos anos 1960, onde o crime e a contravenção tinham uma configuração mais amadora, tão simpática que passava uma visão sobre os bandidos bastante humanizada, quase romântica, ainda que o roteiro seja bastante ciente de que condutas assim denegriam a comunidade ítalo-americana.

Boa parte do fato dele não ser tão louvado quanto poderia é ligado a sinopse do filme, e sua origem. Adaptação de A Bronx Tale, peça do ator Chazz Palminteri – que co-estrela o filme – mostra a história de um pai de um menino de oito anos que deseja a todo custo que seu filho não se associe aos criminosos locais. Ele vê esse plano ruindo quando o filme decide apoiar como protagonista outra figura.

A jornada do herói não acompanha nem o pai que DeNiro faz, tampouco o papel de Palminteri e sim Calogero, em duas linhas temporais distintas, primeiro como Francis Capra quanto tem 9 anos, e já mais velho, com 17 sendo vivido por Lillo Brancato.

Narrado em primeira pessoa, o filme se inicia com uma grande tomada aérea, passando por Fordham, distrito do Bronx.

Calogero é um narrador bastante reverencial a figura de wiseguy que Sonny é. O chama de um deus do local, o fator diferenciado de um bairro comum cheio de descendentes de italianos.

DeNiro vive Lorenzo Anello e como diretor é bem arrojado, mesmo dentro de sua proposta de simplicidade narrativa. Ele não era tão experiente na função, sendo esse o primeiro de dois filmes que ele conduziu oficialmente - depois fez O Bom Pastor em 2006 e teria dirigido as cenas de Marlon Brando em A Cartada Final de 2001, depois de uma briga do astro com o diretor Frank Oz.

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Ele organiza uma montagem legal, variando cenas de jovens praticando rebatidas de baseball na frente de um estabelecimento onde os mafiosos ficam, a Chez Bippy Schaefer. Em poucos momentos ele apela para uma familiaridade entre o cenário de bairro italiano e os seus residentes, entre eles, os criminosos, que se misturavam bem a paisagem e ao estilo de vida local.

A aura de naturalidade é bem pontuada pela música original de Butch Barbella, que ambienta o público no cenário meio fantástico da segunda metade do século XX, com uma trilha cuidadosamente escolhida, com supervisão musical de Jeffrey Kimball. As canções possuem letras bem elaboradas, por Sammy Cahn, e ajudam a determinar quais sentimentos Calogero tem ao longo da sua construção como homem adulto.

Lorenzo faz o trajeto da rua 187, sempre com o seu filho no banco de trás. Ele é um sujeito rígido na criação, mas amoroso e bom de coração.

Correto, ele reclama dos meninos que se penduram na traseira do seu carro, mas discretamente, esconde um leve sorriso ao perceber a travessura dos meninos, mas tem que se atentar para não perder o trabalho público que paga as suas contas.

No entanto, o que fica patente é que Lorenzo e Calogero são muito unidos, unha e carne, mesmo com as dificuldades do homem em manter sua casa de pé, mesmo com a proximidade tão íntima com o bando de Sonny, ali na mesma rua onde mora a família.

Desafio no Bronx: um conto infanto-juvenil conduzido por Robert DeNiro

O bando de Sonny é apresentado como um belíssimo show de estereótipos "carcamanos". Tanto os capangas do sujeito quanto as pessoas do seu entorno têm sua dose de graça empregada pela ótica do narrador. Há o jogador azarado que todos odeiam, o leão de chácara com obesidade mórbida, o sujeito de feições prejudicadas que parece violento unicamente por ser feio, etc.

Aqui se apela descaradamente para politicamente incorreto, afinal, é a visão de um jovem italiano nos anos 1960. Além desses também são apresentados os amigos de infância, que evoluiriam com ele, em especial Lambido e Mario Louco, dois rapazes que tinham apelidos graças a aparência peculiar que cada um tinha.

O menino acaba admirando o bandido, que é em suma o exato oposto do que seu pai é: um assassino, vagabundo, violento, que ganha a vida como criminoso.

Ele se espelhava tanto em Sonny que sabia imitar os trejeitos dele, mas jamais era notado pelo bandido, até um fatídico dia em que foi testemunha de um assassinato em plena luz do dia, fato que ajuda a glamourizar ainda mais a imagem que tinha de Sonny, já que ele parecia estar acima da cadeia alimentar local, capaz de matar alguém por conta de uma suposta briga por vaga de estacionamento.

Esse trecho segue um momento de absoluta tensão, quando chamam o menino para apontar quem atirou no sujeito. Contrariado, Lorenzo anda lentamente até o grupo de suspeitos, temendo o pior, sabendo que seu filho poderia se colocar em perigo se entregasse o culpado, e sabendo que facilitar para o culpado seria horrível também.

Desafio no Bronx: um conto infanto-juvenil conduzido por Robert DeNiro

Ele não dedura e se vangloria por isso, perguntando para o seu pai se fez a coisa certa com a certeza de que a resposta seria positiva, enquanto seu pai retruca que sim, ele fez a coisa certa, mas para o homem errado.

Impressionam duas coisas, primeiro, como tanto Brancato quanto Capra tem semelhanças com Robert DeNiro. Ambos parecendo miniaturas do ator. A segunda é o entrosamento que Lorenzo tem com as duas partes do rapaz, tanto o menino quanto o jovem adulto.

Eles discutem estatísticas de baseball, tem ídolos do esporte em comum, passam muito do seu tempo juntos, tem hobby e interesses compartilhados.

Capra faria parte do elenco da série Veronica Mars com algum destaque anos depois, fazendo Eli Navarro. Também estava em elencos de filmes de ação como Adrenalina (2005) e Lutador de Rua (2009) e do seriado Strain.

Já Brancato participaria de Família Soprano além de outros tantos produtos que lidam com máfia, como Mambo Café: Servindo a Máfia (2000), Na Sombra do Crime (2001), Guangues do Gueto (2001), e o seriado Nova York Contra o Crime.

Dentro do núcleo familiar, destoa Kathrine Narducci a atriz que faz a mãe do protagonista Rosina. Ela estava estreando no cinema e com o tempo melhoraria bastante seu desempenho. Anos depois teria um papel importante em Família Soprano, como Charmaine Bucco a esposa do chef de cozinha Artie Bucco. Também esteve em O Irlandês de Martin Scorsese, onde contracena com DeNiro inclusive.

O restante do elenco está bem, especialmente os homens. Cada um dentro do seu papel, seja pequeno ou grande, tem uma boa participação. Esse é um filme sobre hombridade masculina, e era de suma importância que eles todos estivessem bem representados.

Ainda criança, Calogero vive ouvindo a frase chata, de que quando ele crescer, vai entender. Seu pai, Sonny, todos falam isso, vira quase um mantra, e quando a trama vai para o futuro, em oito anos, ele de fato passa a entender melhor esse cenário. Nesse momento ele ainda é influenciável, tanto que deixa de ser tão fanático pelos New York Yankees e passa a achar que o trabalhador é otário e que jogar e ser um fora da lei era a melhor escola.

Adulto, ele assume o apelido que Sonny lhe deu, C, e vive pelas ruas, com seus amigos de infância e com outros novos, mas sempre orbita o mundo de seu herói, mesmo que ele tenha sido proibido por seu pai.

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Na segunda parte, já com Brancato interpretando o protagonista é desenvolvida sua versão juvenil, com ele tendo interesses em como iria ganhar a vida, em trabalho e até nos seus interesses românticos, passando a olhar para Jane, a personagem de Taral Hicks com bons olhos.

Esse interesse era algo bastante proibitivo, já que Jane era uma menina preta, que morava em ruas próximas ali no Bronx. Havia uma rixa bastante desnecessária entre os rapazes italianos e os negros, baseada obviamente em racismo, que era algo bem comum dentro da comunidade de descendentes italianos.

Os distritos eram microuniversos, com suas próprias leis e regras e elas não poderiam ser simplesmente ignoradas. Há um momento bastante curioso, onde Calogero percebe o tamanho do poder de Sonny na prática, mas ainda do que a cena que ele presenciou na infância.

Enquanto toca Come Together dos Beatles, Sonny e os capangas vão enquadrar uma gangue de motoqueiros em um bar. Curioso como Sonny, mesmo permitindo que C participasse desse número violento, se preocupava em não permitir que ele usasse arma.

O mentor fala ao seu pupilo algo curioso, afirma que aquilo é a vida dele, não a de Calogero, e manda ele se afastar desse tipo de conduta. Sonny foge do estereótipo de bandido tolo. Por mais que tenha suas superstições em relação principalmente a jogos de azar, é um sujeito letrado, que cita Maquiavel além dos clichês de O Príncipe.

A lição que ele mais deixa claro para ele é o de se antecipar aos problemas, mas não permite ao menino mergulhar nesse sujo mundo da Máfia.

Ele estava certo, e Calogero se enfia em uma trama semelhante ao visto em Romeu e Julieta, já que as brigas entre os jovens italianos e os negros. Essa subtrama romântica é meio capenga, vale mais pelas consequências, pela exposição do quão fútil é o pensamento racista, além de demonstrar que não existe luxo na vida de um bandido, ao menos não os que habitam essa fase da cadeia alimentar criminosa.

Mesmo que alguns desses tenham acesso a um dinheiro que um trabalhador comum jamais sonhou em ter em mãos, há dificuldades e impeditivos na rotina de cada um.

Os momentos emocionais são embalados por grupos de coral à capela, entre grupos de caucasianos e outros pretos. A música aliás é um ponto bastante importante, tanto o tema composto por Butch Barbella, quanto na inspiração ao recém falecido Sammy Cahn, compositor que morreu nesse mesmo ano de 1993, inclusive tocando duas músicas dele, Same Old Song and Dance e Ain't That a Kick in the Head.

Próximo do final, há uma cena de enquadro, com Sonny sendo absolutamente grosseiro e nervoso com o protagonista quanto era com seus opositores do mundo do crime. Ela serve a um bom propósito, mostrando a Calogero que seu pai tinha razão, e que o bandido só é bom com ele quando convém, basta uma suspeita para fazer ruir a confiança.

A grande questão é que Brancato não possuía dotes dramáticos para ir bem. Seu choro é falso, não convence em momento algum. Ele achava que ia morrer, ainda assim teve um desempenho semelhante ao de Sofia Coppola em O Poderoso Chefão - Parte 3.

Curiosamente, DeNiro entra em cena logo depois, mostrando que o seu Lorenzo era completamente insano, já que ele vai defender o filho da humilhação quando o mesmo já não está mais em perigo, mas o faz diante de homens que são assassinos, e que não tem receio de mostrar seu poder no bairro. A atuação é soberba, mesmo comedida e simples.

Ainda assim, antes do final, Sonny se reconcilia com o rapaz, até diz para ele sua máxima, de não confiar em ninguém, com o rapaz recusando essa alternativa, dizendo com todas as letras que aquilo não era para ele.

Nos momentos finais, depois de encontrar em seu par o ideal do que aguardava em uma mulher/menina, Calogero vai ao distrito vizinho, tentar impedir seus amigos de atacar um bar de negros com coquetel molotov.

A sequência acaba mal, com um dos meninos pegando fogo, dentro do veículo e ela é toda muito bem filmada, termina até bonita, com as chamas se avolumando pelos bancos, capota e pelo lado externo do carro.

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A tragédia por pouco não abraçou o protagonista, e ele teve enfim uma segunda chance, de viver longe da adrenalina de um wiseguy, de um homem feito, semelhante ao que seu pai é, um homem que trabalha por seu sustento, que vive sem luxos, mas com perspectivas de futuro.

Claro que a entropia poderia encontrá-lo, mas mesmo depois de se despedir de seu velho amigo, ele é abordado por um outro sujeito, semelhante a Sonny, no caso, Carmine, que é interpretado por Joe Pesci em uma aparição especial.

O destino não cansa de dar lições para C, e o texto de Palminteri tem um ideal de abraçar as suas questões de maneira um pouco piegas, mas ainda assim produz uma reflexão digna, que mira desmistificar o crime organizado oriundo da Itália e mira valorizar os imigrantes que trabalharam para erguer a América do Norte.

Sonny dizia que no final, ninguém se importa e essa é possivelmente é a síntese do pensamento dos mafiosos, já que quem de fato lamenta a sua perda, não eram os membros de sua gangue/família, e sim Calogero, Lorenzo, e Carmine, que permaneceu afastado até o trecho em que reaparece.

Desafio no Bronx é pontual e reflexivo, fala a respeito da indiferença geral e da insanidade das ruas da Nova York povoadas pelos descendentes de italianos. Consegue ser um bom registro de uma época onde até o banditismo era mais ingênuo, mesmo quando organizado, mas não trata o espectador como tolo, dando uma visão do quão visceral era e é esse mundo.

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