O Juramento é um filme que se passa entre as datas de feriado de Ação de Graças, a Black Friday e o final de semana subsequente. Longa conduzido pelo ator e comediante Ike Barinholtz, é uma obra que mistura elementos de comédia de humor ácido, thriller e drama, além de conter em si uma crítica social bastante pontual.
Lançado em 2018, parte de uma premissa peculiar, quase distópica, mostrando que o governo dos Estados Unidos propôs uma espécie de juramento para sua população, de conteúdo estranho e patriótico.
Quem não assinar teoricamente não sofrerá nenhum tipo de problemática, mas a realidade mostra as pessoas que se recusaram sendo bastante segregadas. Aos poucos, essa situação vai ganhando ares de obrigatoriedade.
O prazo final para a assinatura é a data do feriado de Ação de Graças, na última quinta-feira de novembro. Em meio a isso, Christopher Cooper, personagem de Barinholtz, fica indignado com o protocolo, de um modo que torna isso o motivo principal de todas as suas ações, discussões e opiniões por meses.
Quando finalmente chega a data final, ele e Kai, sua esposa interpretada por Tiffany Haddish recebem parentes para a ceia tradicional. Os eventos posteriores têm a ver com o tal juramento, mas também passam por brigas de egos e por diversos conflitos típicos de final de ano, algo lugar comum em relação a festas desse tipo, inclusive no Brasil pós 2018 - que curiosamente, é o ano de lançamento desse.
A obra foi dirigida, produzida e roteirizada por Ike Barinholtz. São produtores também Raymond Mansfield, Sean McKittrick, Andrew C. Robinson e David Stassen. Foram produtores executivos Tiffany Haddish, Edward H. Hamm Jr. e Kristen Murtha.
A ideia e o fundo de verdade
Apesar de ter a premissa baseada na ficção, a questão do tal juramento tem paralelo com a realidade e precedentes históricos no passado político dos Estados Unidos.
Em março de 1947, o presidente Harry S. Truman assinou a Ordem Executiva 9835 dos Estados Unidos, que exigia que os funcionários do governo dos EUA jurassem que não eram membros de nenhuma organização considerada "subversiva" e autorizava investigações generalizadas para procurar detalhes "incriminatórios" no passado de cada um deles.
Comumente conhecida como Ordem de Lealdade Truman, foi motivado pela paranoia sobre a possibilidade de infiltração soviética e comunista no governo e em outras instituições americanas. Com o passar dos anos foi entendida e vista como o incidente inicial no período conhecido como Red Scare.
Outro famoso juramento de lealdade foi o Levering Act de 1950, uma lei estadual da Califórnia que exigia que todos os funcionários do estado assinassem uma declaração atestando que não eram comunistas ou membros de nenhum grupo que defendesse a derrubada do governo dos EUA.
O Conselho de Regentes da Universidade da Califórnia demitiu 31 professores que se recusaram a assinar o juramento por motivos de liberdade acadêmica e liberdade de expressão. As demissões foram revertidas pela Suprema Corte da Califórnia, mas somente após alguns processos judiciais, que duraram anos.
Até o presente momento do filme - em 2018 - vários estados dos EUA ainda exigem que seus funcionários assinem juramentos de lealdade.
Quando chegou aos cinemas
O longa estreou no dia 25 de setembro de 2018 no Los Angeles Film Festival, depois teve um lançamento limitado em outubro, nos EUA.
Estreou no Canadá em outubro de 2018, na Austrália chegou em janeiro de 2019 no formato DVD, enquanto no Reino Unido chegou em fevereiro de 2021, em uma premiere pela tv.
O título original é The Oath e é mais comum achar ele por essa alcunha. Na Hungria é Eskü: A terror orvosa, na Rússia é Присяга, Sérvia é Zakletva, na Espanha é Lealtad.
Essa é uma obra dos estúdios 23/34 Productions, Aperture Media Productions, QC Entertainment e Topic Studios via First Look Media.
Distribuíram a Roadside Attractions nos cinemas americanos em 2018, também a Topic Studios. Na maior parte do mundo foi lançado pela Sony Pictures Worldwide Acquisitions (SPWA) além da levelFILM no Canadá.
Quem fez
Ike Barinholtz é mais conhecido por ser ator, mas é produtor, roteirista e realizador também. Esse foi o primeiro longa-metragem na direção, embora tenha conduzido também alguns episódios de Projeto Mindy.
Escreveu a comédia Um Espião e Meio, onde também faz parte do elenco, Projeto Mindy e MADtv. Produziu A História do Mundo Parte 2 e é lembrado por suas atuações em obras como Os Vizinhos, Irmãs, Esquadrão Suicida, Bright e O Peso do Talento.
Raymond Mansfield produziu Infiltrado na Klan, Antebellum, Não Abra!. Foi produtor executivo em The Neighbor, Corra! e O Chamado do Mal.
Sean McKittrick produziu Aniversário Maldito, Corra!, Antebellum, Nós e Não Abra!. Andrew C. Robinson foi produtor apenas desse, também foi produtor executivo em De Volta do Jogo, Assalto ao Poder e Depois do Apocalipse.
David Stassen foi showrunner e escreveu roteiros de A História do Mundo: Parte 2 e produtor executivo em Não Vai Dar. Escreveu Um Espião e Meio também.
Haddish esteve em várias obras grandes recentemente, como Uma Aventura Lego 2 (onde dublou junto ao diretor) Rainhas do Crime, Mansão Mal-Assombrada e Bad Boys: Até o Fim.
Narrativa
Antes da ação começar de fato, é mostrado, sobre uma tela preta, o Juramento do Patriota ao Presidente, em caixa alta, cujo conteúdo é:
PROMETO LEALDADE AO MEU PRESIDENTE E AO MEU PAÍS E PROMETO DEFENDE-LOS DE INIMIGOS, ESTRANGEIROS E DOMÉSTICOS.
JURAMENTO DO PATRIOTA
LEALDADE AO MEU PRESIDENTE
LEALDADE
Após isso, aparecem anúncios na imprensa, em áudio, que lembram os informes de rádio, já que ocorre com vozes em off. Todos falam sobre a assinatura de um juramento, o tal acordo que dá nome ao filme.
O conteúdo destaca que as pessoas assinarem, serão distintas, mas não seria obrigatório o ato de assinar.
Aparece inclusive Kerry Nance (Beth Dover) uma porta voz da da Casa Branca, que recomenda fortemente que o povo faça sua parte, aceitando o trato proposto. O prazo final é o dia de ação de graças/black friday.
Logo aparece o casal que é o foco narrativo da trama, Chris e Kai.
Os dois são jovens, despreocupados, dizem ter uma filha, mas até essa altura ela sequer aparece. São espontâneos, felizes e desinibidos, de uma maneira distinta do que seria logo depois.
10 meses depois
A trama viaja para o penúltimo mês do ano, às vésperas do Thanksgiving/Ação de Graças.
Nesse ponto, tem destaque a filhinha deles Hardy (Priah Ferguson) uma menina que é tratada muito bem, tanto que os pais evitam brigar ou ter qualquer postura que meramente pareça agressiva quanto estão perto dela. Tomam cuidado também com o palavreado, não xingam, não proferem palavras torpes, tentam sempre manter um ideal de civilidade, entre outros motivos, pelo gênio do seu pai, que é uma pessoa dada ao confronto, com pensamento progressista.
Christopher é o que as pessoas reacionárias chamariam de Justice Warrior. Ele defende minorias, faz questão de fazer isso e de se posturar como o cavaleiro alvo dos oprimidos. Ele verbaliza sempre a sua opinião e acha quase todo tipo de piada étnica algo errado.
Atualmente ele seria chamado de lacrador, também seria atrelado ao clichê de paladino da cultura woke, seja lá o que isso signifique junto ao pensamento dos conservadores.
Nessa nova aparição ele está diferente, aparece usando uma barba, basicamente para demonstrar a passagem de tempo e para demonstrar visualmente que ele mudou e que as coisa estão diferentes.
É cuidadoso com sua esposa e filha e tenta ser um sujeito protetor, mesmo que isso possa parecer algo ruim, já que boa parte das pessoas como ele confunde a boa característica do cavalheirismo com o defeito do machismo.
Com o avanço dos protestos contra o juramento, ele fica mais em pânico, tem mais vontade de falar sobre, mas como se aproxima uma data festiva, os dois entraram em um acordo de evitar falar de política, mesmo que estejam acontecendo muitas manifestações em lugares como Milwaukee, Nova Orleans etc.
Proibido discutir
Não é dado como regra primária, embora se cite, mas é certo que há uma proibição de ver o noticiário de televisão, além de haver um racionamento do uso de telas, sobretudo celular, ao menos no que tange os moradores da casa.
Ao longo dos preparativos para a festa e ceia, a mãe do protagonista, Eleanor (Nora Dunn) até afirma que mandou um e-mail para ele, exigindo que certos assuntos e pautas não seriam discutidos, nem com ela e com o pai dele, Hank (Chris Ellis) nem com seus irmãos, Patrick (Jon Barinholtz) e Alice (Carrie Brownstein).
O juramento e as festas
Chris obviamente se nega a assinar o juramento, até organiza protestos contra. Fica triste e decepcionado com os colegas de trabalho que assinaram. Com o tempo ele percebe que se tornou uma pessoa isolada, que só ele parece se importar com a causa nobre que defende, mas é tão ensimesmado e monotemático que não dá espaço sequer para refletir sobre.
É possível encarar esse discurso e postura como uma possível negação dos fatos e da realidade, que seria descortinada mais à frente.
A alienação não o constrange, ao contrário, ele se orgulha, acredita ser único, por se manter firme em sua postura. Acredita ser um dos poucos homens bons da nação, junto a sua amada e possivelmente um ou outro parente, como sua irmã, que em sua cabeça, também não assinou o tratado.
Em casa, recebe primeiro os seus pais, que são um casal idoso simpático, que parecem tensos de início, mas se mostram mais passivos do que aparentavam nessa introdução.
Eles são tão inofensivos que Hank mal consegue abaixar o volume da televisão sem tirar ela do modo correto. Essa é uma piada que se torna recorrente, aliás, repetida perto do final (de maneira inteligente, diga-se) justamente no momento mais tenso da obra.
O mundo mudou
Por mais que a família nuclear da casa (Chris, Kai e Hardy) "brigue" para se manter em paz, o mundo não acompanha o acordo tácito entre parentes.
Assim que Chritopher leva sua mãe e filha até uma loja, ocorre uma briga de trânsito mega bizarra, onde um homem caucasiano, careca e de óculos escuro sai do carro, grita para outro motorista sair do seu país, enquanto ameaça esfaqueá-lo, inclusive desferindo um golpe contra ele.
Esse é um grande alerta de estereótipo, mas funciona à contento. Clichês à parte a mensagem do filme é passada.
Fora isso a cena em si é bastante claustrofóbica, já que se passa no ponto de vista do motorista, que está tenso, preso ao próprio carro, sem poder sequer xingar - pois sua filha está presente - além de estar nervoso, com medo de ser agredido, já que pode ter ferida a sua integridade física ou de sua mãe e filha.
Na casa a tensão entre os parentes aumenta à medida que mais pessoas chegam e Christopher tenta reagir as situações negativas de maneira comedida.
Se nota o quanto ele está se segurando. Ele padece do mal de ser muito expressivo e todos mini conflitos anteriores denunciam o estado de nervos do sujeito. Ele se segura para não brigar e isso já causa tensões por si só.
Quando o protagonista recebe o irmão Patrick e sua namorada Abbie (Meredith Hagner) consegue cometer uma gafe tremenda, já que troca o seu nome, a chama de Katie, a antiga namorada.
O método do chefe da família
A rotina de Christopher passa por defender seus ideais, fingindo que está tentando se comportar. Ele gosta de defender as pessoas em situação de flagelo, se sente superior aos outros por conta disso, claramente.
Sempre que tem oportunidade age para defender sua postura e para louvar o próprio caráter e coragem. Há um prazer quase sexual nisso.
Ele acaba sendo impertinente, mas como os outros personagens são piores que ele, é difícil não ficar do lado dele. Mesmo quando ele parece cagar regra, é difícil não achar que está correto, especialmente ao bater de frente com Abbie, que costuma proferir toda sorte de notícias falsas, retiradas das piores fontes possíveis.
Os dois primeiros terços do filme são resumidos em uma comédia baseada no incômodo, depois há uma virada e ambas as partes são igualmente divertidas, interessantes e inesperadas, cada uma a sua forma. Nem mesmo a chegada da irmã Alice e seu par Clark (Jay Duplass) que está doente, aplaca isso.
O dia das graças:
No dia do feriado a ação começa com um plano sequência sensacional, sobre como estão montando a ceia. Barinholtz e seu cinematógrafo Cary Lalonde brilham demais, ainda mais se considerar que o ator e diretor estão no centro da ação nesse momento.
A câmera transita entre a preparação dos legumes, o temperar e assar do peru e todo o trabalho, que é capitaneado por Chris.
Como era esperado, a ceia vira uma grande briga, por que Christopher não aguenta manter o silêncio, ainda mais depois de saber de violência contra pessoas que não assinaram o juramento. Parece a perfeita tradução do que é uma reunião familiar de fim de ano no Brasil e termina com ele brigando até com a esposa, que também assinou.
O comentário do texto resulta em uma crítica social foda, que descortina a vida de um homem que está certo, mas que é tão intransigente em sua razão, que acaba parecendo um paladino dono da verdade.
A partir daqui falaremos sobre os trechos finais, que contém, obviamente, spoilers sobre as viradas. Leia após ver o filme.
A interferência, sessão com spoilers
Em determinado ponto, um grupo de agentes da lei interrompe o cotidiano tenso da família, após a grande briga do dia anterior.
Vestidos como se fossem policiais, dois agentes da CPU (Civil Protection Unit) aparece. Essa é uma unidade de proteção a civis, parece ser uma nova agência, instaurada pelo presidente da república, para coibir os cidadãos que não assinaram a petição de juramento leal.
Os dois são os agentes Peter Yoon Barber de John Choo e Mason Burco de Billy Magnussen. Apesar de parecerem calmos, a presença deles torna a situação em algo ainda mais tenso do que foi visto antes.
A situação escala e evolui muito rápido.
Os dois agem como se fossem parte do clichê de dupla policial onde um é calmo, educado e bonzinho, enquanto o outro é nervoso, violento, cruel e muito insano, no entanto, os dois são exagerados dentro desse clichê, sobretudo Mason, que não tem qualquer receio de ter invadido a privacidade da família.
Ele se recusa a sair, contesta os direitos de Christopher em sua casa e o afronta no lugar que deveria ser o de autoridade para o cidadão.
É a óbvia referência as autoridades invadindo o particular do homem comum, o avatar exagerado dessa péssima sensação.
Entre humilhações, brigas físicas e uma confusão tremenda, a família se vê presa em uma situação de solução praticamente impossível. Os vinte minutos finais tratam de momentos de desdém, ameaças e troca de impropérios entre os dois pretensos machos alfas.
O texto de Barinholtz é muito afiado, consegue mostrar que apesar do pedantismo do protagonista, havia motivo para ele se preocupar. Vale demais assistir o filme, sobretudo o final, mesmo.com a exposição dada aqui.
Mesmo nessa situação limite, Chris quer se provar alguém honrado e acima do bem e do mal. A forma como ele afirma que essa "não a América que ele ama" grita pedantismo, mas funciona diante do público estadunidense, que é a quem é veiculado e mirado o filme.
Os 20 minutos finais são muito loucos, Choo atua bem demais, mesmo que tenha poucos momentos de tela, enquanto Magnusson brilha, sendo absolutamente inconsequente e imprevisível, o papel mais inesperado e brilhante da obra.
No final fica uma dúvida se na verdade, o que aconteceu no filme não era um teste para Chris, que era a única pessoa nas redondezas que não se submeteu ao juramento.
As atitudes finais fazem discutir o seu discurso e a sua postura como um "americano liberal", mostrando que em uma situação de desespero, onde precisa proteger a si, aos seus e sua liberdade, ele não se diferenciaria de um republicano reacionário.
O Juramento é uma comédia pouco conhecida, pontual, divertida, com muito comentário social e crítica para todos os lados. Flerta com o cinismo, propõe que o cidadão médio dos Estados Unidos é muito letárgico e conformista, mesmo os que são supostamente revoltosos e esfrega que todo o povo sofre com as suas hipocrisias particulares, embora o dedo acusatório maior esteja voltado para os desmandos autoritários de um governo reacionário, como o que foi eleito nesse 2024.
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