Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasherComo esse ano teremos uma sexta-feira 13 logo em janeiro, achamos justo começar nossas resenhas com um esquenta, analisando obras relacionadas ao mito e ao vilão que Jason Vorhess foi, e para isso, nessa sexta anterior, resolvemos falar sobre Chamas da Morte, do original The Burning, também conhecido como A Vingança de Cropsy, como era chamado nas tardes do SBT.

O longa-metragem dirigido por Tony Maylam foi lançado em maio de 1981, no ano seguinte a Sexta-Feira 13 de Sean S. Cunningham, e tem várias histórias curiosas a respeito de sua produção.

Reza a lenda que o roteiro é bem anterior a Sexta Feira 13. Os irmãos Harvey e Bob Weinstein queriam um filme fácil de fazer e que fosse um sucesso garantido para alavancar o sucesso da Miramax no início dos anos 1980.

Inspirados em O Massacre da Serra Elétrica e Halloween: A Noite do Terror, decidiram pegar a base a lenda urbana de Cropsy, que era contada nos acampamentos nos arredores de Nova York e fizeram o seu filme.

De positiva, há a participação do mestre dos efeitos de maquiagem Tom Savini, que se recusou a trabalhar em Sexta-Feira 13 Parte 2 por não crer que ter Jason como vilão seria algo digno, e embarcou nesse.

Seu talento é bem empregado nas mortes que o assassino produz e nos efeitos de maquiagem tanto dos mortos quanto nos ferimentos causados.

De negativo há a participação de Harvey Weinstein, não só como produtor, mas também o principal idealizador do projeto, sendo creditado até como o argumentista do filme.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

Visto atualmente, certos trechos da narrativa são lidos como complicados, uma vez que um dos personagens do acampamento onde a história se passa tem por mania bisbilhotar as garotas de forma lasciva, assistindo elas nuas, tomando banho.

Por mais invasiva que seja essa atitude de Alfred (Brian Backer), não se dá tanta importância a essa atitude. Fosse lançado atualmente certamente ele seria encarado como é: um assediador que pratica voyeurismo.

Tendo em vista os escândalos envolvendo Harvey, esse trecho envelhece bem mal.

Da parte da história, não há muita invenção. A sinopse envolve um momento no passado onde meninos do acampamento Blackfoot tentam assustar o zelador, Cropsy, vivido por Lou David.

Ao pregar uma peça enfiando uma caveira cheira de vermes e com velas dentro, o sujeito acaba acidentalmente queimando boa parte do seu corpo, quase morrendo no ato em si e até na hora dos cuidados.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

A cena de incêndio é um bocado bizarra, primeiro porque o zelador tem um sono tão pesado que não percebe um menino entrando e até esbarrando nele. Segundo que ele fica nervoso e puxa a caveira com fogo e tudo para cima de si de forma quase ilógica.

Ele acorda então no hospital st Catharine, uma semana depois do ocorrido. Os enfermeiros comentam entre si que preferiam morrer a ficar como o paciente, fato que ajuda a fomentar a expectativa sobre como está o rosto do personagem, que só aparece no final, mas o seu braço é sinistro de podre.

Logo ocorre um avanço no tempo, de cinco anos depois, e ele é liberado para viver, apesar da aparência. Já é um milagre ele estar vivo.

Ter sido vítima do acaso aparentemente foi algo poderoso para ele, uma vez que ele se tornou uma máquina de vingança, com pústulas e queimaduras bem pontuadas pela maquiagem especial de Savini.

Ele se reergue do hospital e vai até a cidade munido de uma vontade assassina. Há um cuidado da parte da fotografia assinada por Harvey Harrison em mostrar que o ponto de vista dele é turvo, graças ao incidente e possivelmente a pele que cai sobre os seus olhos.

O desenrolar da violência é lento e gradual, mas também pontual. Ele é um homem agressivo, que age de maneira revanchista com os sexualmente ativos, emulando até características do clássico do suspense e pré-slasher A Tortura do Medo.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

Cropsy demora a matar depois da primeira vítima, só matando novamente passada metade do filme, estabelecendo assim uma nova rotina de atos pecaminosos.

Mesmo a lenda a respeito de seus feitos é dita apenas com 40 minutos de exibição, ou seja, o espectador passa quase todo o filme só na espera para que a violência retorne.

O acidente tirou dele mais do que sua feição normalizada, uma vez que ele também está traumatizado, insano. Tal qual os bons assassinos seriais da ficção, sua motivação é ligada à loucura, e nada mais.

Sua primeira morte pode ser encarada apenas como a manifestação de uma defesa legítima, já que a prostituta tentou pegar a tesoura antes dele, mas claramente ele foi na intenção de matar.

Aqui também se percebem semelhanças com outro tipo de filão do horror: os Giallo, filmes de assassino do cinema italiano.

As referências estão tanto na questão de esconder o rosto do homem violento - embora fique claro quem faz o mal, ao contrário de filmes desse tipo onde o mistério impera na identidade do assassino - assim como o uso de luvas, que aqui, é meramente uma escolha estética, para não assustar as vítimas logo de cara.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

Fora Cropsy, quase todos os personagens são genéricos, a começar pelo protótipo de herói que o monitor Todd faz. O personagem de Brian Matthews é o sujeito maduro, cheio de boas intenções, que tenta contornar até as atitudes criminosas dos internos - incluindo o ato de Alfred - mas na verdade, esconde um passado complicado.

O roteiro de Peter Lawrence e Bob Weinstein não tem tanto subtexto, o máximo que se pode inferir a ele é a condição de lidar de maneira mais adulta com a condenação do pecado original, já que a sexualidade da juventude pode ser encarada como a matriz da necessidade que os jovens têm em tentar aparecer.

Eles se exibem uns para os outros e nisso, se descuidam, tal qual fizeram os monitores de Crystal Lake em 1957 com o pequeno Jason, e como foi com o cuidador do antigo acampamento, cinco anos antes.

Mas obviamente que isso é apenas sugerido - se muito - e não desenvolvido. O que importa de verdade é que os rapazes querem brincar, zoar, e Todd protege alguns dele com uma paciência que claramente é perigosa, dada as questões de possíveis assédios.

Como se demora bastante até o assassino atacar novamente, há quase meia hora de momentos de pura curtição, onde os personagens agem como em comédias juvenis tais quais Porkys e Picardias Estudantis.

Nesse interim, alguns personagens são apresentados, inclusive com gente no elenco que ficaria famosa, como a oscarizada Holly Hunter, além de Jason Alexander, que seria George Costanza em Seinfeld.

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Há uma cena bem tensa, próxima do primeiro assassinato no campo, onde Woodstock espera por algo.

O super close no interprete Fisher Stevens dá a dimensão do quanto ele era novo, já que dá para perceber em detalhes a sua pele repleta de acne.

Aqui há poucos jovens com aparência de adulto, e isso dá veracidade ao filme, tal qual foi com Acampamento Sinistro, lançado dois anos depois desse.

Em algum ponto, os internos mais velhos fazem uma excursão de barco, que duraria dias. Depois de acampar a noite, na fogueira, Todd conta a história de Blackfoot, o antigo acampamento de quando era novo, que foi consumido pelo fogo.

Sua descrição de Cropsy é bem maldosa. Definindo como beberrão, preguiço e sádico, ele supostamente gostava de machucar os meninos, e a vingança que deu errado era tão somente para assustá-lo.

Se percebe que o filme não é cínico, as pessoas choram pelas mortes, e isso é incomum, em filmes de matança. O máximo de choro que normalmente rola sãos as lágrimas por correr o risco de morrer.

A arma do vilão é peculiar e icônica, um tesourão de jardinagem, objeto fácil de achar e de manejar, mas que consegue ser tão assustador quanto um facão estilo machete ou um machado.

Cropsy tem bastante trabalho porque além de matar os que decidem praticar sexo, ainda se dedica a roubar as canoas, obrigando os acampados a construir uma jangada, que eles de fato constroem.

O sujeito não se sente agradecido por seguir vivo, mas ele quer buscar o justiçamento, olho por olho.

É na jangada que ocorre a cena mais agressiva, violenta e que põe mais a prova o talento de Savini. A tensão criada lentamente, com a música de apreensão aumentando ao longo do caminho, e é fechada com uma sequência de golpes certeiros, que abafam a pele e os gritos dos garotos, com um gore engenhoso.

Visualmente é um momento ímpar, incluindo dedos arrancados, cortes no rosto e na testa das vítimas. O assassino é certeiro e muito habilidoso em sua revanche.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

A sequência é das mais memoráveis, e é louvada até os dias atuais dentro do nicho de fãs de Slasher Movies, com uma violência irreal típica do cinema especulativa e de gênero feito no pós-Nova Hollywood.

Mas The Burning possui fragilidades, como o longo pescoço falso de Eddy, que denuncia o quanto o efeito não funcionou, sendo até mais precário que a cena de morte de Kevin Bacon em Sexta Feira 13.

A música de Rick Wakeman, tecladista do Yes é bem característica, psicodélica e repleta de tons agudos, que demarcam a sensação de indignação da parte dele, e de estranhamento dos que veem seu estado pós estadia no hospital.

A trilha foi menos utilizada do que poderia, vale a pena ir atrás das músicas separadas do filme de tão boas que foram, e não é como se Maylam abrisse mão dela de forma deliberada, é que a música ou a ausência dela são fatores que assustam aqui.

O filme foi montado por Jack Sholder, anos mais tarde, dirigiu Noite de Pânico e A Hora do Pesadelo 2. No entando o que se vê aqui são vários problemas, tanto em relação a ritmo, como na continuidade, claramente a produção não calculou bem alguns pontos.

Tem uma moça assassinada que é colocada no final com um recorte muito mal feito que repete a cena de assassinato dela.

Cropsy é uma força da natureza, mais forte fisicamente até do que Michael Myers. O que não o matou aparentemente o fez mais forte. Seu visual depois de pronto não agradou Savini, pois não resultou como ele imaginou, possivelmente porque se afastou demais de uma face humana, parecendo uma máscara mal encaixada e derretida.

Chamas da Morte: o clássico apagado do cinema de panteão slasher

Maylam não era exatamente um iniciante, vinha da experiência de dirigir documentários esportivos, mas em ficção não tinha tanta experiência e isso se percebe nos erros crassos cometidos, no continuísmo e nas colagens malfeitas de vítimas em cenários que nem cabem.

Boa parte dos personagens tem destaque, mas outros tantos são como gado, apenas carne para o abate, sem falar que o filme tem um ritmo arrastado, em alguns pontos é bem parado e sem a trilha de Wakeman.

Chamas da Morte ao menos tem belas mortes, um número considerável de corpos, e um vilão que mesmo tendo uma caracterização mediana se comparado a outros trabalhos de Savini ainda sim tem um vilão icônico e brutal, com um motivo dúbio para se vingar.

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