Alone in the Dark é um filme subestimado e pouco lembrado entre os fãs de horror. Comandado por Jack Sholder, a história mira na rotina de um psiquiatra que assume trabalho em um instituto "diferenciado", que reúne no terceiro e último andar quatro pacientes violentos e perigosos, que eventualmente se soltam.
Vale lembrar que o texto conterá spoilers, uma vez que o filme já fez 40 anos de exibição seus fatos já puderam ter sido consumidos a exaustão.
Não há grandes surpresas a contar, mas caso o leitor prefira é recomendado ver o filme depois apreciar a análise, já que os rumos dramáticos meio que impedem a explanação sem maiores detalhes do que acontece e com quem acontece.
Esse foi o primeiro filme de horror da New Line, conta com Robert Shaye, sujeito que anos depois seria o detentor dos direitos da futura franquia A Hora do Pesadelo. Anos mais tarde, Sholder seria chamado para conduzir A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy, uma outra obra que teve seu real valor descoberto somente muitos anos depois de sua exibição.
A obra pode ser encontrada por dois nomes no Brasil, Noite de Pânico ou a tradução literal Sozinho no Escuro, em alguns lançamentos em mídia física, pode achar como Alone in the Dark mesmo, mas é mais difícil, até por conta da desambiguação com o jogo homônimo.
O elenco a disposição é bom e vasto, com veteranos como Jack Palance, Donald Pleasence, Martin Landau, além de outros notáveis como Dwight Schultz, que ganhou um carinho dos fãs de Star Trek por seu papel como o inseguro Tenente Barclay em Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, além de uma curiosa aparição de Lin Shaye, da cinessérie Sobrenatural do malaio James Wan.
Antes inclusive de mostrar o personagem Dan Potter de Schultz, há uma cena de introdução bizarra. O momento inicial beira o surrealismo, em uma lanchonete modesta de beira de estrada, que se torna palco de um surto do personagem de Landau.
O sujeito entra para se alimentar, e a atendente leva para ele um peixe cru. Se não bastasse isso, começa a chover, e o cozinheiro, feito por Pleasance aparece com um facão, recita um versículo da Bíblia e o ataca.
Esse momento sofre uma interrupção, que revela o óbvio: aquilo era apenas um sonho, ruim, o pesadelo de um homem cuja mente é conturbada.
Esse trecho isolado já é um bom exercício para a análise, mas Sholder segue seu drama, em alguns pontos tentando ludibriar o espectador sobre essa ser uma obra mais ligada ao sobrenatural, ao passo que também determina a urgência por olhar para os pacientes insanos.
No hospital The Haven, Dan Potter é recepcionado por Melody (Shaye), uma paciente insana, que acha que é recepcionista, dando a dimensão de que o lugar cujo nome é tradução de "refúgio" é bem diferente de outras instituições psiquiátricas.
Os métodos do doutor Leo Bain (Pleasance) são peculiares. Os internos ficam soltos, sem quaisquer amarras, transitam quase o dia inteiro sozinhos. Melody mesmo fica na frente do hospital por já ter trabalhado na recepção.
A ideia é tentar dar alguma rotina aos doentes, para que eles se recuperem sozinhos, através da normalidade da vida. Isso claro vira pretexto para uma tragédia que vai se avizinhando, de maneira bem óbvia.
Para além da ortodoxia, Leo é muito sanguíneo, gosta da abraçar, é um sujeito agregador e desatento. Em alguns pontos, parece até louco também, deixando explícito que talvez ele tenha poderes clarividentes, uma vez que pareceu prever a chegada do novo médico, no caso, Potter.
A família de Dan não se difere do comum. Ele é casado com Nell (Deborah Hedwall), tem uma filha criança, Lyla (Elizabeth Ward) e no decorrer da história, ele recebe sua irmã caçula, Toni (Lee Taylor-Allan), cuja rebeldia e estilo alternativo difere demais da situação quadrada do irmão.
De qualquer forma, por mais que sejam os familiares gente comum e ordinária, é conhecido deles que o terceiro andar do Haven possui pacientes diferenciados, então antes mesmo deles serem introduzidos, é conhecida sua fama.
Em algum ponto, o tal quarteto é apresentado. A liderança entre eles é militar, do Coronel Frank Hawkees (Palance), um ex-prisioneiro de guerra. Outro entre os mais velhos é Byron Sutcliff (Landau), conhecido como “Pregador”, lembrado assim por ter sido ministro religioso. Além de religioso, é conhecido também por ser piromaníaco.
O mais jovem (teoricamente) é Ronald Ester (Erland van Lidth), ou “Fatty”, um homem obeso de força descomunal matador de crianças, além de John Skaggs, o “Sangrador”, que nunca mostra seu rosto e toda vez que fica excitado quando está prestes a matar, sangra pelo nariz.
Eles são tão unidos que ficam na mesma cela a noite, deitados em camas lado a lado. Há apenas um funcionário nesse andar, e ele tem contato direto com os quatro, contado apenas uma parede retrátil, movida por eletricidade.
Por mais que Hawks pareça ser o mais tranquilo e resoluto entre eles, não demora a demonstrar paranoias. Ao se perceber sem seu antigo médico, o doutor Harry Mearton, ele deduz que Dan o matou.
No entanto, não é só dentro do Haven que ocorrem excentricidades. A cidade de Springwood parece estar mergulhada na insanidade. Toni quando chega ao lugar obriga a família a ir em um show de punk rock, onde toda sorte de doideira ocorre.
É nesse interim que a eletricidade cai, e os Potter vão para casa, com receio de deixar sua filha sozinha.
Um tempo depois é introduzido (de maneira suspeita, diga-se) um possível par para Toni, o solícito Tom Smith (Phillip Clark), personagem que guarda algumas estranhas contradições, a serem exploradas mais à frente na trama.
O roteiro de Sholders se baseia no argumento do produtor Robert Shaye e Michael Harrpster, e é repleto de tiradas irônicas, como uma fala da babá Bunky (Carol Levy), desejando que o blecaute não seja resolvido tão rapidamente por que é divertido.
Mas o que se percebe é que o povo de Springwood também tem uma predileção pelo bárbaro.
Populares furtam itens das lojas, se divertem saqueando, é perceptível a alegria aos olhos dos jovens ao liberar-se para praticar atos criminosos. Assistir as pessoas agindo assim, de maneira desonesta, desenfreada e inconsequente abre a dúvida de quem na cidade é realmente insano.
Entre os aspectos técnicos mais chamativos está a música de Renato Serio, com tons agudos que fortalecem os atos insanos dos detentos, dando gravidade a cada ato maléfico deles.
Quando ocorre o blecaute se nota o bom trabalho de fotografia assinado por Joseph Mangine, uma vez que a cidade parece ganhar outra personalidade na penumbra sem luz.
Uma vez livres, os quatro pacientes passeiam pelas ruas, se misturam em meio a multidão e se tornam ainda mais perigosos no breu da noite. Seguem seu caminho, movidos pela loucura, atrás do médico que eles mal conhecem, deixando um rastro de sangue por onde andam.
Curiosamente as regras de filmes de horror são respeitadas em alguns pontos e postas a prova em outros. Uma personagem fogosa morre logo depois de transar, mas outras pessoas que agem de maneira imprudente não são imediatamente punidas.
Alguns momentos de descontração e comédia fazem o filme perder força e ritmo, com piadas que ou são forçadas ou se estendem demais.
Falta também da parte dos personagens supostamente lúcidos o mínimo de prudência, seja na obviedade do fato que Bain deixa os pacientes livres demais ou da família que não percebe que não deveriam aceitar estranhos dentro da sua intimidade.
As mortes seguem violentas, há flechadas sobre um policial enquanto toda uma família assiste há um cerco em volta dos personagens, e um crescente de tensão que envolve o espectador.
Há de valorizar claro o desempenho de Schultz, que parece de fato um homem desesperado por sua vida e pela dos seus, mas a aura de desespero também ataca bastante Palance, que mesmo sendo mais contido e aparentemente seguro, demonstra a fragilidade mental comum a um homem preso em instituições desde muito tempo, mesmo com um passado onde dava ordens a muitos.
O mesmo pode se dizer de Landau, embora sua personalidade histriônica seja bem diferente da postura do ex-militar. Ambos se entregam demais e mostram porque tiveram carreiras tão longas. Revelam não uma, mas múltiplas faces, em entregas tão intensas que faz pergunta se esse desempenho não resulta em desperdício, dado que esse é um filme bem barato, B e de gênero, uma versão mais voltada para o terror de Um Estranho no Ninho.
Pouco antes do clímax, a grande pergunta proposta no longa segue sem resposta: quem são os insanos na história, os residentes do sanatório, os funcionários que seguem as ordens de Leo, os membros da banda punk e seus fãs ardorosos, a irmã do protagonista, as pessoas que saqueiam a cidade ou todos esses?
Como trata-se de uma história de trauma - o mais famoso clichê do cinema B – é fácil associar a loucura a todos os personagens, inclusive Daniel, que fracassa absolutamente em tentar ser o porto seguro dos Potter.
As cenas finais viram uma luta grotesca, com a família chegando ao cúmulo de matar um dos assassinos com um cutelo, depois que a pequena Lyla acerta o calcanhar dele com uma faca.
Noite de Pânico possui várias conveniências incomodas, algumas que não fazem o menor sentido de tão bizarras que são, mas em matéria de tensão não há do que reclamar. Sholder pode não escrever tão bem, mas sabe montar um filme assustador, que se vale do escuro para brincar com os medos comuns a humanidade, e que sabe utilizar bem os personagens que tem a mão.
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