Crítica: Django Livre por Alexandre Luiz

Django_Unchained_PosterMais do que uma revisão de gênero, uma revisão histórica. Assim foi Bastardos Inglórios, produção anterior de Quentin Tarantino que, além de tudo, trazia também o cineasta em ótima forma, demonstrando uma “maturidade” em sua técnica que ainda não havia sido explorada, mesmo em suas obras mais aclamadas. Assim, é óbvio que o anúncio de um novo filme traz expectativa; teria o diretor se superado novamente? Apesar de Django Livre ser um sucessor à altura do longa de 2009, alguns problemas de percurso o impedem de superá-lo.

Em outra história de vingança em um cenário de preconceito, o personagem-título (vivido de maneira cool por Jamie Foxx) é um escravo recém-libertado por King Schultz, um caçador de recompensas alemão (Christoph Waltz). Sim, a situação é de uma enorme ironia histórica. Depois de ajudar o matador a identificar três criminosos, Django decide acompanhá-lo e se tornar seu parceiro de “profissão” em troca de algum dinheiro e da ajuda de Schultz na difícil missão de resgatar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), escrava vendida para o perigoso fazendeiro Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). A trama é relativamente simples, mas Tarantino teima em expandi-la além do necessário, principalmente no terceiro ato.

Fazendo homenagens ao Western Spaghetti, o diretor começa seu filme muito bem. Ao acompanhar Django e Schultz em suas caçadas apresenta ao espectador, de forma muito peculiar, alguns absurdos tanto do gênero, quanto da época em que a história se passa (principalmente em seu comentário sobre o racismo). E nisso, Tarantino parece seguir mais a cartilha de Sergio Corbucci, que em 1966 realizou o Django original, do que de Sergio Leone, embora mais bem sucedido e competente, cuja visão do Velho Oeste era mais influenciada por clássicos de Hollywood do que por fatos históricos. Por isso, quando a dupla encara uma forma embrionária da Ku Klux Klan, os mascarados se tornam uma caricatura que destaca a estupidez de seus atos de perseguição. Já o caçador de recompensas alemão faz questão de deixar bem claro que, por mais estranho que possa ser, sua profissão é regulamentada, a mesma atitude do vilão de O Vingador Silencioso, considerada a obra-prima de Corbucci por expor a natureza cruel do assassino pago para caçar criminosos.

Os problemas começam com a entrada do vilão. DiCaprio faz um ótimo trabalho, explodindo sempre na hora certa, mostrando os dentes sujos quando sua mente deturpada fala mais alto e agindo de forma simpática para pegar o espectador menos prevenido. O problema é que mesmo assim a narrativa parece se tornar mais arrastada na segunda metade do longa. Proposital ou não, e há indícios no roteiro da opção de Tarantino em tornar uma boa parte do filme incômoda (afinal é justo neste momento que as barbaridades cometidas contra os negros se tornam mais evidentes), alguns minutinhos a menos teriam beneficiado melhor a estrutura geral. Vários diálogos entre Candie e Schultz parecem intermináveis, resultado, talvez, da escolha de situar Django Livre numa época em que as referências “pop” se limitavam à lendas germânicas, Beethoven e Alexandre Dumas (não à toa as conversas mais ‘Tarantinescas’ da fita, e que funcionam muito bem dentro do conceito que o diretor quer aplicar, especialmente à citação do autor de Os Três Mosqueteiros). Outra opção, que soa mais plausível, inclusive, é a ausência da montadora habitual do diretor, Sally Menke, falecida em 2010, sempre considerada a responsável pela fluidez de seus filmes, mesmo com tantos diálogos fazendo parte da história. De qualquer forma, um dos elementos mais festejados de Tarantino perde um pouco a força em Django Livre.

Mesmo assim, a nova produção consegue divertir. Há cenas hilárias (como a citada envolvendo a KKK), momentos de extrema violência e algumas sequências que unem as duas coisas, como já é o costume nas obras do cineasta como Kill Bill, por exemplo. Há ainda o comentário revisionista histórico, que faz parte do mesmo sentimento que gerou o clímax de Bastardos Inglórios, ou seja, a vontade de voltar no tempo e reparar momentos de estupidez da humanidade. Sem querer entrar na discussão gerada pelas declarações de Spike Lee, sobre Django Livre ser uma obra racista, vale dizer que em nenhum momento Tarantino corrobora com as acusações. Os brancos são mostrados como os imbecis que foram na época, e mesmo a caricata interpretação de Samuel L. Jackson faz sentido como crítica a uma figura criada pela História Norte-Americana (o famigerado Uncle Tom) para amenizar as barbaridades cometidas durante a escravidão naquele país. Não à toa, seu personagem é tão asqueroso quanto o vivido por DiCaprio. Mas, talvez, o diálogo que mais expresse essa vontade de “voltar atrás” seja entre Schultz e o protagonista. “Eu te libertei e agora sinto que tenho o dever de te ajudar”. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de História sabe que na maioria dos casos, depois da libertação dos escravos, os negros continuaram sendo mal-tratados e marginalizados. Demorou muito tempo pros brancos criarem consciência do dever que o caçador de recompensas sente quase que imediatamente.

Dentro deste contexto de comentário social, Tarantino ainda lança mão da violência feita para incomodar, quando mostra as barbaridades cometidas contra os escravos. E é igualmente interessante como o diretor equilibra isso com a violência estilizada mais ao seu gosto quando está filmando Django matando criminosos brancos. É proposital: você tem vontade de virar o rosto quando um negro é maltratado no filme e ri quando um branco é morto.

Mesmo sem muitas fontes para referências nos diálogos, Django Livre é uma enorme referência ao cinema de gênero, no caso o western. Para deixar isso bem marcado, a fotografia de Robert Richardson cria momentos típicos da iconografia de clássicos do faroeste. Escolhendo tons avermelhados no começo, quando o protagonista ainda sofre preso à correntes ou fazendo uso da neve como elemento da atmosfera narrativa, o cinematógrafo ainda confere cores quentes (geralmente relacionadas à lembranças confortáveis) nos rápidos flashbacks das boas memórias referentes à Broomhilda. Além disso, opera a câmera como se realmente estivesse rodando um filme italiano dos anos 60, com zoom brusco nos rostos dos personagens para completar as homenagens. Além disso, a trilha sonora vai de Morricone, Luis Bacalov e 2Pac (com esse último ligando a produção à cultura negra, mas soando um pouco estranho pela música não combinar muito com o que é mostrado na tela).

Mesmo sem criar seu melhor filme, Tarantino entrega quase três horas de diversão que ainda conseguem fazer refletir sobre os absurdos do preconceito. Sem a pretensão de gerar uma discussão séria sobre o assunto, o diretor se sai melhor que muitos de seus colegas que tentaram chocar o espectador com histórias melodramáticas e até mesmo tolas. Se Bastardos Inglórios dava sinais de maturidade, Django Livre até dá alguns sinais de cansaço, mas mesmo assim cumpre seu papel.

Alexandre Luiz

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