No Quarto Escuro de Satã : Um filme psicótico e uma bela parceria de Sergio Martino e Edwige Fenech

No Quarto Escuro de Satã : Um filme psicótico e uma bela parceria de Sergio Martino e Edwige FenechNo Quarto Escuro de Satã é um giallo que passeia por diferentes estilos narrativos. A obra mistura elementos de filmes de psicopata, de suspense e thriller erótico é lembrado por sua protagonista Edwige Fenech, o filme é lembrado por ser dirigido pelo mestre dos gialli Sergio Martino e por ter em seu elenco a dupla Anita Strindberg e Luigi Pistilli.

Baseado livremente no conto O Gato Preto de Edgar Allan Poe, o filme segue a tradição dos filmes italianos de terror dos anos 1970, misturando o sobrenatural com assassinatos, luxúria e uma espetacular direção de fotografia de Giancarlo Ferrando, que investe em uma atmosfera e cenários que remetem ao estilo barroco, fora os elementos típicos de histórias policiais.

Lançado em 1972, narra a história de um casal em crise, onde um escritor, seu gato preto (de nome Satanás) e uma socialite convivem com brigas terríveis e em planos violentos do par vivido por Pistilli e Strindberg.

Em algum ponto da trama a sobrinha do escritor chega a cidade, para bagunçar ainda mais esse cenário de conto erótico, adicionando assim mais acusações e mais tensão sexual para todos os envolvidos nessa trama.

A direção é do já citado Sergio Martino, o argumento é de Luciano Martino e Sauro Scavolini. O roteiro é de Ernesto Gastaldi, Adriano Bolzoni e Scavolini. Produzido por Luciano Martino.

O filme estreou na Itália em 18 de agosto de 1972. Em Taiwan saiu em 31 de janeiro de 1974, no México em 23 de outubro de 1975, em Barcelona na Espanha em 16 de junho de 1980.

O título original, Il tuo vizio è una stanza chiusa e solo io ne ho la chiave, é uma referência ao giallo anterior de Sergio Martino, O Estranho Vício da Senhora Wardh, em que a mesma frase aparece em uma nota misteriosa aparentemente enviada por um assassino.

O termo é forte, traduzido para o português ficaria algo como "O seu vício é um quarto (ou cômodo) fechado e somente eu tenho a chave" algo confessional, erótico, íntimo, típico das histórias de amores e prazeres proibidos.

No Quarto Escuro de Satã : Um filme psicótico e uma bela parceria de Sergio Martino e Edwige Fenech

O Termo foi usado na Alemanha, Itália e Japão. Em países como Canadá, e África do Sul, foi nomeado como Your Vice Is a Locked Room and Only I Have the Key. O filme possui outros nomes em inglês, como Excite Me, Eye of the Black Cat e Gently Before She Dies.

Em francês é chamado Ton vice est une chambre close dont moi seul ai la clé, na Grécia possui três nomes: O pyrgos ton dolofonon, To mystirio tis mavris gatas e Ο πύργος των δολοφόνων.

No México tem o singelo nome Gentilmente antes de morir, na Eslovênia era Tvoja pregreha je zaklenjena soba in le jaz imam kljuc, na Iugoslávia era Tvoj porok je zakljucana soba no idioma sérvio. Em Portugal e Espanha se chamava Vícios Proibidos.

O longa foi rodado em Roma, no Elios Film e nos Elios Studios em Lazio. As locações foram em Montagnana, Páduae em Villa Lugli, Bresseo, Teolo, Padova, ambas em Veneto.

O estúdio que produziu o longa foi a Lea Film, distribuíram a Border Films em versões dubladas no Reino Unido, a Titanus nos cinemas italianos, enquanto a Cinefear lançou o filme em VHS nos Estados Unidos.

Sergio Martino dirigiu Mil Pecados...Nenhuma Virtude, A Volta de Arizona Colt, O Estranho Vício da Senhora Wardh, A Cauda do Escorpião, Todas as Cores do Medo, depois fez Torso, Crocodilo, a Fera Assassina, A Ilha dos Homens-Peixe, Keruak: o Exterminador de Aço e 2019: Depois da Queda de Nova York. Participou do texto de filmes como Tubarão Vermelho.

Luciano Martino produziu A Cauda do Escorpião, Todas as Cores do Medo, Espírito Santo, O Justiceiro, Ouro Maldito e As Lágrimas de Jennifer.

Sauro Scavolini escreveu Johnny Yuma, Eu Lavrei Tua Sentença, A Cauda do Escorpião e Todas as Cores do Medo.

Gastaldi tem dezenas de filme em seu currículo, mas na época vinha de Que Assim Seja, Trinity, Ouro Maldito, As Lágrimas de Jennifer e A Morte Caminha à Meia-Noite.

Adriano Bolzoni escreveu vários westerns como Por Um Punhado de Dólares, Mister X, Os Violentos Vão Para o Inferno e Encontro com a Desonra, esse último dirigido por ele.

Fenech é conhecida por Samoa, a Rainha da Selva, Na Corte de Sua Majestade: Deliciosos Pecados, Top Sensation, O Refúgio do Prazer, Sedentas de Amor, Le Mans - Atalho para o Inferno.

Ela é lembrada especialmente por sua beleza, fato que a credenciou a participar de fitas mais quentes. Além das já citada, haviam obras com nomes sugestivos, tais como As Noites Quentes de Don Juan e os gialli Cinco Bonecas pela Lua de Agosto, O Estranho Vício da Senhora Wardh e As Lágrimas de Jennifer.

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A narrativa inicia com uma abertura conceitual, no que parecem ser movimentos de duas pessoas, em uma cama, acompanhada pela música instrumental do compositor experiente Bruno Nicolai.

Logo depois é mostrada uma festa, onde estão pessoas da alta roda, inclusive Luigi Pistilli, que faz o desbocado e genioso escritor Oliviero Rouvigny.

Na sua cena de introdução, ele faz um número agressivo e vergonhoso, humilha sua mulher, Irina (ou Irene de acordo com algumas traduções), interpretada pela atriz sueca Anita Strindberg. Ele a obriga a tomar vinho, simplesmente por que pode fazer isso e ela é submissa a sua ordem intempestiva e grosseira.

Em seu número sexista, ele faz a esposa sair do recinto, envergonhada, mas não pára por aí, já que aproveita para também agredir Brenda, sua serviçal, uma mulher preta interpretada por Angela La Vorgna. O homem a trata como um pedaço de carne, como um objeto. A humilha, mas a deseja e a consome.

Ele é mostrado então como um alguém que é ridículo, preconceituoso, mas é incapaz de não se sentir seduzido por ela.

Ele é um homem sem limites e sem pudores, que é freado por praticamente nada, só pausando suas atitudes autoritários quando todos os jovens começam um coro, iniciar o por uma das meninas e abrilhantado pelo striptease de uma delas.

Depois de chorar, Irina resolve ir até o marido, vestida com roupas da mãe do sujeito. Ela é recebida com desconfiança, primeiro pelo gato negro de olhos amarelos, que estava em seu colo. Também é bizarro o fato de que Brenda levanta, de uma posição que se assemelha muito a de um ato de sexo oral.

Oliviero fere o rosto de Irina. Bate com força, depois que a esposa xinga a mãe dele de louca e sanguinária, em um momento onde ela parece só falar aquilo para atingi-lo e não por realmente acreditar nisso. O casal está em uma crise tão grande que esse tipo de ofensa se torna algo normal e corriqueira.

Eles fazem sexo, no recinto, com Brenda saindo para não presenciar o ato. Os dois tem o belo retrato da mãe como testemunha, no alto da parede do cômodo.

A comunidade louva demais Oliviero, os homens querem ser como ele, as mulheres são encantadas por sua pessoa e pose, todos leem os seus livros, que aliá, estão esgotados. Há uma boa construção de mitologia em torno de sua figura, mesmo que seja ele um sujeito cínico.

No entanto, o que chama mais a atenção é o estado de nervos da esposa dele. Irina é alguém complexa, uma pessoa sofredora, que sofre toda sorte de abuso e que tem a auto estima tão baixa que se sente incapaz de revidar as violências que sofre.

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Todas as sensações e percepções remetem a estranheza e principalmente ao cinismo, mesmo quando se trata da melancolia da personagem feminino.

Esse adjetivo cínico também se encaixa bem no momento da primeira morte. Uma das moças que flertava com o protagonista, chamada Fausta (feita pela atriz siciliana Daniela Giordano de A Cidade do Crime) acaba sendo atacada, enquanto procurava por ele.

Levanta uma lâmina estranha, curvada, como uma pequena foice, ameaça ela depois o ataca. A polícia vai até a mansão do romancista, liderados pelo inspetor Farla, do romano Franco Nebbia de Torino Violenta, junto a Vittorio, de Bruno Boschetti o acompanha.

A garota foi aluna de Rouvigny, teve um caso com ele no passado, ao menos segundo as fofocas. Por isso ele se torna suspeito, mesmo que obviamente não haja provas que eles tiveram um affair, não da parte da polícia pelo menos.

A polícia não acredita em uma morte acidental, mas nada podem fazer contra Oliviero, já que seu álibi era de que ele estava em casa, com sua esposa.

A única pessoa que o viu foi Irina, por isso, Farla tenta arrumar mais testemunhas, até cita as rodas da Camping Mondial. Segundo o casal, ninguém mais estava lá.

A esposa obviamente mentiu, ajudou ele a se safar de suspeitas. Ele se atrasou, mas disse a ela que foi por conta de um pneu furado. Ela responde que nada perguntou a ele, mas vai verificar se ele falou a verdade, para logo depois ser flagrada por ele novamente, sendo agredida de novo. É sem dúvida uma relação abusiva

Essa é uma produção que usa e abusa da nudez das mulheres. Aparentemente, há uma ideia de referenciar a morte como momento posterior a exploração da sexualidade, tal qual seria com os slasher movies lançados na década seguinte. Brenda é vitimizada logo após se exibir para a câmera, fatiada na porta da frente da casa, enquanto Irene e Oliviero estão em casa.

Ao invés de ouvir a esposa, o escritor decide ocultar o cadáver, para não gerar mais suspeitas, contrariando o conselho de chamar a polícia. Até tem lógica, afinal, ele é suspeito.

Curioso que apesar da frieza do homem e do perigo iminente - afinal, o assassino chegou bem perto dele e de seu par - o escritor não parece culpado, tampouco parece ter sido ele a cometer o assassinato, seja ele ou um capanga.

Ainda assim a movimentação é bastante suspeita assim como todos os flertes em volta da casa. Um serviçal do camping elogia as pernas de Irene, a própria esposa não parece ter grandes pudores, já que usa pouca roupa, exibe decotes o tempo inteiro. Essa é uma casa liberal, claramente.

Em meio ao receio, o casal vai até a estação de trem, receber a sobrinha de 20 anos, Floriana. A menina se convidou para ir, em momento claramente inoportuno, mas eles não a encontram, dão de cara com uma prostituta, Giovanna, de Enrica Bonaccorti

A personagem de Edwige Fenech apareceria do lado de fora, como mais de 30 minutos passados. Curiosamente é ela a pessoa a receber o maior faturamento do elenco, mesmo que só entre em cena decorridos mais de 32 minutos de filme.

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Depois que a sobrinha chega, revelam que o nome do gato é Satanás. O felino era o animal de estimação de Ester, a tia dela e ex-esposa de Oliviero.

O nome do animal foi possivelmente uma inspiração para os animais de Dona Clotilde, a Bruxa do 71 da vila do Chaves.

Esse é um filme curioso e avançado em certas pautas. Acaba mostrando Oliviero como o possível alvo sexual de sua sobrinha, também tem coragem de mostrar uma relação lésbica, que é mostrada em detalhes, fugindo de um flerte apenas platônico.

Depois de ser atacada por Satanás, Irene é consolada por Floriana, que protagoniza com ela um momento de ternura, em uma sequência íntima, embalada pela música romântica de Nicolai, onde se vê pouco do ato sexual em si, mesmo que todo o resto do filme cuide de sexualizar as mulheres.

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Martino morde e assopra, faz uma obra que apela a misoginia em seu assassino, mas que dá vazão a formas de carinho entre mulheres também.

Não há motivo para ser ingênuo, isso também faz parte da ideia de fetichizar as personagens, mas a sequência foi ressignificada por parte dos espectadores do espectro queer, que normalmente consideram que Irina não ama seu marido e sim a esposa do mesmo, portanto, o maior enlace do filme é entre duas mulheres, possivelmente lésbicas encubadas.

A sequência que envolve a prostituta Giovanna começa bem. Ela ouve algo estranho, em seu quarto. Se assusta com as bonecas barulhentas do cômodo e vai ver o que é. Acaba sendo ferida, de uma maneira que denuncia o baixo orçamento para efeitos especiais.

O vendedor, Dario, de Riccardo Salvino, retorna. Em alguns momentos, ele flertou com Brenda e com Irina, também tenta a sorte com Floriana. A leva em uma competição de motocross, depois tem com ela, em cima de um celeiro, sob a vigilância do tio da mesma.

O casal e a sobrinha têm momentos dignos de triângulos amorosos, entre desrespeitos, momentos nonsense, como quando Irene acha um saco cheio de olhos de ovelhas e acredita ser de gente, embora fossem apenas comida para o gato - e a cena que Oliviero arranca a camisa da sobrinha, mostrando o belo colo da moça.

Tudo é construído para soar dúbio, até os momentos mais tolos.

A mulher pega o marido trabalhando, em cima de uma máquina de escrever, onde havia um papel, que descrevia métodos de morte. Irena confunde o rascunho do novo livro com o desejo do homem e encerra a sua vida.

Floriana a manipula, quer as joias de Ester, decide então ajudar a esposa a esconder o corpo do marido. Viram cúmplices no sexo e no crime.

A máquina passa a bater as mesmas palavras, revenge (ou vingança em português) repetidamente, algumas vezes, em caixa alta, destacadas no papel. Vale lembrar que apesar das semelhanças com O Iluminado de Stanley Kubrick, esse foi lançado antes do filme clássico e também do livro que Stephen King escreveu.

Um personagem anteriormente mostrado, Walter, de Ivan Rassimov, retorna a trama, com visual diferenciado. O ator italiano tinha experiência em fitas como Mundo Canibal e Roma Armada, aparece disfarçado, obviamente ligado aos crimes.

A revelação dos planos das mortes é dada de maneira meio óbvia, com pouco suspense, no entanto, os planos do criminoso são atrapalhados por Satanás, que acaba denunciando aos policiais, onde está o corpo de seu tutor, mesmo que estivesse ele também morto.

Esse trecho divide opiniões e gera muitas discussões. Os investigadores foram atrás desse momento graças a uma interferência sobrenatural? Teria a mulher culpada se entregue sem perceber?

Esse mistério ajuda a temperar o final de No Quarto Escuro de Satã, destacando ele como um filme de atmosfera diferenciada, um giallo que se confunde com thrillers eróticos e que não possui nenhum personagem digno de torcida, sendo todos absolutamente odiáveis e exacerbadamente humanos. É de certa forma um bom retrato da vida como ela é.

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