A Cauda do Escorpião : Um Giallo agressivo e insano de Sergio Martino

A Cauda do Escorpião : Um Giallo agressivo e insano de Sergio MartinoA Cauda do Escorpião é um filme de horror italiano que pertence ao movimento Giallo. Dirigido por Sergio Martino, tem uma história pautada no infortúnio de uma mulher cujo marido morreu em um acidente de avião, deixando ela como única beneficiária de uma apólice de seguro milionária.

Para receber o dinheiro, ela deve viajar até a Grécia, para assim conseguir arrematar o prêmio. A grande questão é que como o casal estava separado, a morte se torna bastante suspeita, a partir daí paira uma grande dúvida sobre a honestidade e idoneidade da esposa e para piorar uma série de estranhos assassinatos começam a permear a trama.

A questão primordial que envolve a obra é que todos os elementos narrativos não são confiáveis. É difícil mirar em algum ponto do roteiro que não seja levado por dubiedades. Há de se duvidar de todos os personagens e de todas as situações, já que além de ser um espécime gialli é também um thriller de suspense.

Lançado em 1971, a obra é bastante lembrada pelo protagonismo feminino. As moças ocupam a maior parte dos papéis de destaque, não há herói aqui, o que mais se aproxima disso são rascunhos de heroínas, fato esse que difere o longa da maioria dos seus primos, exceto claro Olhos Diabólicos de Mario Bava, que possui um caráter semelhante, mesmo que as personagens centrais das obras tenham perfis bem diferentes.

Essa é uma coprodução entre Itália, Espanha e Reino Unido. Foi filmado na Inglaterra, entre Hammersmith Bridge em Londres, Mayfair em Westminster, na Grécia, com cenas em Acropolis-Atenas, além de ter filmagens em Madri na Espanha e na capital italiana de Roma.

O longa se chamava originalmente como La coda dello scorpione. Em espanhol chamava La cola del escorpión. Em inglês era possível achar como The Case of the Scorpion's Tail, Scorpion's Tail ou Golden Poison Scorpion.

O roteiro é de Eduardo Manzanos de O Pistoleiro do Rio Vermelho e Matá-lo, de Ernesto Gastaldi de Libido e Meu Nome é Ninguém e Sauro Scavolini de No Quarto Escuro de Satã. O argumento é de Manzanos.

O produtor é Luciano Martino, que recebe o crédito de presents também. Sua experiência vinha de obras como Império dos Espiões em 1965, A Ilha dos Homens-Peixe e O Mercado de Veneza de 2004. Luciano obviamente é irmão do diretor.

Sergio Martino ficaria famoso por trazer um cinema agressivo, de muita sanguinolência e violência gráfica. Isso se vê especialmente em Torso, outro giallo, lançado em 1973. Antes de Cauda do Escorpião ele fez em 1969 Mil Pecados...Nenhuma Virtude e no ano seguinte A Volta de Arizona Colt.

A época mais prolífica do cineasta certamente foi o início da década de setenta, onde fez Lâmina Assassina ou O Estranho Vício da Senhora Wardh em 71, além de Todas as Cores do Medo e Quarto Escuro de Satã em 1972.

A narrativa inicia junto a uma música estridente de Bruno Nicolai, compositor de Django e Romeu e Julieta de Franco Zefirelli e claro, do também giallo Uma Lagartixa no Corpo de Mulher.

A trilha lembra mais fitas de faroeste e menos filmes de horror, mas ainda assim combina bem com toda a aura de mistério estabelecida pelo modo que Martino conduz o drama.

Embalada pela música aparece interprete de Lisa Baumer, a linda Ida Galli. Ela é a viúva da sinopse, mas diferente do que normalmente se assiste com alguém enlutada, ela não está triste, cabisbaixa ou melancólica. As cenas de introdução mostram ela passeando pelas ruas da Itália, despreocupada, como uma pessoa comum, que tem seus passos no calçadão registrados por uma câmera observadora, indiscreta e até acusadora.

Seu andar é filmado de maneira tão próxima e intima que se assemelha a uma perspectiva de filmagem em primeira pessoa. O diretor de fotografia Emilio Foriscot acerta em colocar o espectador na perspectiva de suspeitar dela e de todos os personagens que aparecem em tela.

A Cauda do Escorpião : Um Giallo agressivo e insano de Sergio Martino

Após a introdução as lentes de Foriscot continuam seguindo Galli. O diretor de fotografia era experiente, acostumado a trabalhar em obras de estilos diferentes como o drama Doce Horas de Vida ou a aventura O Pirata dos Mares. Ele empresta a sua versatilidade para mostrar de forma dramática a sua personagem central, para em breve, revelar ela em grandes apuros.

Lisa protagoniza cenas de amor, a maioria sendo mostrada de forma bastante branda. A transa é pouco reveladora, pouco apelativa e nada explícita, parece estar lá apenas para cumprir tabela ou para salvar alguma norma ou algo que o valha. Funciona tão somente para mostrar que a moça está envolvida em outros enlaces sentimentais, para além do marido.

O trecho de intimidade ocorre enquanto aparece a cena de um acidente aéreo, cujo voo tem origem britânica, tendo vitimado 35 pessoas. A montagem de Eugenio Alabiso é quase fantasiosa, parece um momento da imaginação de Lisa.

Fica claro também que o veículo é claramente uma miniatura, um brinquedo de qualidade baixa, que tenta se fingir como um avião de porte comercial, onde Kurt Baumer estaria à bordo.

A sensação que fica é que Lisa parecia saber que aquilo iria ocorrer, ou ela teve um presságio, um sentimento premonitório, ou ela estava se sentindo culpada, por um possível envolvimento com esse possível incidente.

Antes de viajar ela é enquadrada por um homem, que a persegue e exige dinheiro dela. O sujeito tenta extorqui-la, diz que tem informações sobre seus segredos, fato que o coloca automaticamente no hall de suspeitos para os futuros assassinatos.

Ela o ignora, atitude que não parece sábia, ainda assim ele não retorna à trama, já que a moça viaja e jamais volta a encontrar ele. Esse início ainda é estranho, já que aparece um homem ensanguentado no quarto dela, sem qualquer apresentação prévia.

O que o script deixa pensar é que esse é um momento de ilusão, possivelmente um devaneio, a manifestação das paranoias dela, já que não basta o trauma da morte ter ocorrido com alguém próximo, ela ainda se sente perseguida, isso em meio ao sentimento de viuvez precoce, que é bastante recente, diga-se.

Assim que chega a Grécia a moça é enquerida por um homem de aparência altiva, o senhor Peter Lynch, personagem do uruguaio George Hilton que é funcionário da seguradora Insurance International.

A função primária dele deveria ser a de investigar a possibilidade de alguma fraude, portanto ele deveria ser alguém discreto ao se aproximar. No entanto ele está longe de ser silencioso ou tímido.

Seu comportamento é bem enquadrado dentro do estereótipo de um stalker, que tenta parecer um sujeito que a encontra por acaso, mas que foi surpreendido por ela, que já sabia do seu trabalho, função etc.

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Hilton já trabalhava no cinema italiano, especialmente no filão dos faroestes. Esteve no clássico Tempo de Massacre de Lúcio Fulci, também em Com Sartana Cada Bala é Uma Cruz, e em outra obra de Sergio Martino, O Estranho Vício da Senhora Wardh.

Em um primeiro momento a trama parece que será movida e levada apenas por personagens femininas, já que toda agência parte de mulheres, que vivem seus dias sem pedir ajuda aos homens. O avatar disso certamente é Baumer, já que ela tem autonomia, anda sozinha e sem proteção.

Mesmo que sua índole seja discutida ao longo da trama, ela segue como ponto de confluência da história, até que enfim seu destino chega, exibindo ela como uma variante de Marion Crane em Psicose. Alfred Hitchcock não era influência somente para o cinema de Dario Argento, como foi em O Pássaro das Plumas de Cristal, aqui também se nota o desejo de Martino em colocar despistes na trama, pequenos enganos para deixar o espectador confuso. A personagem de Ida Galli nada mais é do que um MacGuffin, e acaba tendo a sua vida encerrada pouco depois de chegar o Velho Continente.

Esse trecho pode ser encarado como uma manifestação do moralismo típico dos filmes gialli, manifestado assim como forte punição na figura da mulher.

Motivos não faltam para essa lição, já que ela "ousava" ser sexualmente ativa, era lasciva, gananciosa. Há quem defenda - não sem alguma razão - que ela foi punida por ousar dizer que não dependia de homens.

Subtextos à parte, a trama segue com a interferência das autoridades. Como esse é um crime que rompeu fronteiras, John Stanley da Interpol é designado para o caso.

O sujeito é feito por Alberto de Mendoza, ator de tarimba, conhecido por seus trabalhos em El Jefe e Expresso do Horror. Ele passa a acreditar que Lynch pode ser o culpado pela morte da moça, mas não fica exatamente claro nem quais são as suas intenções, como ele foi designado para esse caso, se ele já acompanhava Baumer desde antes do assassinato ou se havia alguma perseguição prévia há algum dos outros personagens apresentados.

A verdade é que após a morte da mocinha, a trama sofre com uma ausência de protagonista, que dirá de um herói. A câmera acompanha Lynch, embora ele não seja exatamente o foco da trama e sim alguém que faz parte da maioria das movimentações.

Uma outra mulher toma o centro das atenções, Cléo Dupont, personagem da bela e veterana Anita Strindberg, se apresenta como candidata a par de Lynch.

Martino registra esse romance de maneira curiosa, com a câmera próxima, mas cheia de closes rápidos e dias vazios. Tanto Cléo quanto a sua relação com o Peter vão ganhando importância ao longo dos acontecimentos, tanto que em determinado momento ela se torna a nova protagonista da história.

A Cauda do Escorpião : Um Giallo agressivo e insano de Sergio Martino

As mortes acontecem de maneira surpreendente, inclusive sobre suspeitos, como a ruiva Lara Florakis, de Janine Reynaud. Os homicídios são bastante sangrentos, sempre ocorrem com o uso de armas brancas, especialmente com facas, registrados em boa parte deles com um efeito de câmera lenta que ajuda a demarcar a extrema violência que Martino propõe.

O assassino é tão rápido e poderoso que parece um ninja. Ele é leve e habilidoso, faz pensar que talvez seja uma mulher e não um homem de tão ágil e certeiro que é, parece até um bailarino.

Seus ataques são registrados de maneira criativa, algumas vezes com filmagem em primeira pessoa, registrando o seu ponto de vista, outras vezes colocando ele como objeto de cena, golpeando rapidamente as vítimas de sua clara misoginia, embora ele também mate homens eventualmente. O alvo preferencial são mulheres.

Depois de um ataque a Cleo, a polícia encontra um pingente de escorpião, trazendo à tona o símbolo que dá nome a obra. Stanley acusa Lynch mais uma vez, até leva a joia, para examinar sua origem.

O assassino é implacável, luta contra os outros homens de maneira selvagem, em determinado ponto ele corta um sujeito com uma faca, depois fere os olhos desse homem com vidro, para enfim enfiar a arma branca em seu peito. É rápido, silencioso normalmente, mas bastante imprudente também, já que quase é pego em algumas das lutas.

O filme tem muita variação de cenário, se aproveita bem dos lugares paradisíacos das localidades em que filma. Tem até cena de mergulho e exploração de corais. Isso dá dinamismo a história, embora irrite um bocado, já que atrasa bastante a conclusão do arco dramático.

Os momentos finais são expositivos, mostram um esconderijo dentro de uma caverna, embaixo de um mar grego, que é a base do tal vilão. Como a culpa em cima do personagem de Hilton foi tão martelada ao longo do filme, a surpresa inexiste para o público. Fica evidente desde muito cedo que ele é possivelmente o culpado.

Mesmo que a surpresa seja fraca, o filme vale pelo desempenho de Hilton e pela condição mental combalida do seu personagem, que é muitíssimo bem explorada. Ele caiu diante de um ataque próximo, seco, violento, envolvendo um arpão nele, à queima roupa, depois é derrotado pela mulher que jurava amar, além de ser cercado pela Interpol, que já o via como suspeito desde o momento um.

A Cauda do Escorpião é um giallo diferente, tendo uma fórmula que se diferencia dos seus pares do começo dos anos setenta. Apesar de bagunçado acaba misturando bem ao estilo de filmes thriller, além de possui personagens carismáticos, conta com boas atuações e muitas viradas. É sem dúvida alguma uma das melhores obras de Sergio Martino e um dos clássicos do gênero de Filme de Matança.

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