Telefone Preto e o retorno de Scott Derrickson ao Horror

Cercado de bastante expectativa, Telefone Preto é um dos filmes de horror mais aguardados de 2022. Adaptação de um conto de Joe Hill o longa traz Scott Derrickson na direção, Ethan Hawke como um maldoso sequestrador de crianças - cuja aparência é sinistra, como visto desde as artes promocionais - e um caso de rapto de menores que conversa bastante com um medo recorrente entre crianças e pais de todas as nacionalidades, raças e camadas sociais.

O longa mostra a história do pequeno Finney Shaw, um garoto interpretado por Mason Thames, que vive com seu pai viúvo e com a irmã, a curiosa e hiperativa Gwen de Madeleine McGraw. Os dois irmãos passam seus dias como crianças normais, jogando baseball com colegas de escola, transitando normalmente por uma vizinhança suburbana, arrumando brigas na escola.

A diferença primordial aqui para o dia a dia de qualquer outra criança é que ambos sabem que há um sujeito raptando crianças, que costuma pegar garotos de várias idades, sequestrando os mesmos para depois matá-los.

Eis que um dia, esse sujeito, vestido de mágico e interpretado por Hawke, encontra Finney e o leva, trancando-o enfim em um quarto com isolamento acústico, que possui apenas um telefone preto, desconectado da parede, que aparentemente tocará ao longo do período em que o menino ficará encarcerado, sempre com mensagens de alguém "de fora".

Essas informações ditas até agora não contêm spoilers, uma vez que estão na sinopse e foram amplamente exploradas no material de divulgação, portanto, se o leitor não quiser saber dos rumos da narrativa, é recomendável que só leia a partir daqui caso já tenha visto o filme. Se o mesmo não se importa com essas revelações, pode seguir também, evidentemente.

The Black Phone (2021) directed by Scott Derrickson • Reviews, film + cast • Letterboxd

O primeiro fator a se destacar é a trilha sonora, que imita os clichês do universo compartilhado de Invocação do Mal, pontuando sempre as emoções através da música que ou é bastante invasiva ou é repleta de instrumentos sintéticos.

Não é que esse aspecto atrapalhe muito a produção, mas ter cada susto (e são vários) antecipados por uma aura de que algo errado acontecerá é incômodo, previne quem assiste.

Tal qual ocorreu nos dois longas da saga A Entidade, esse também possui aparições de fantasmas, e diferente do visto no conto, os espíritos aqui são irritantemente expositivos, com uma maquiagem bastante caricatural e forçada, que se tornam ainda mais incômodas graças a interpretação fraca dos atores mirins.

The Black Phone film review | Hollywood Gothique

De positivo há primeiro o estabelecimento da normalidade, para logo depois mostrar que a família de Finney e Gwen não é exatamente comum. Seu pai, Terrence (Jeremy Davies) já é mostrado como um sujeito estranho logo de início, ostentando um corte de cabelo com mullets unido a uma calvície monstruosa e que se torna cada vez mais proeminente.

Além disso, ele se utiliza de um método de criação agressivo, batendo na menina graças as confusões que ela faz na escola, mesmo que sejam alterações banais e comuns a crianças na faixa dos dez anos ou mais.

Falta também a figura materna, que mais tarde no filme, seria justificada por uma tragédia bem grande. Vale ressaltar que essas questões não são aludidas no texto original, partem do roteiro de Derrickson e de seu contumaz parceiro C. Robert Cargill, e dada que a história é bem curta, esse tipo de artifício não é ruim, uma vez que dá peso e ajuda a entender a psique frágil do pai, que enxerga em sua filha um potencial de perda como foi com sua antiga esposa, embora claro não justifique a violência empregada.

The Black Phone Image Gallery - Preview Scott Derrickson's Horror Return

Das adaptações negativas há uma participação de James Ransone, que está presente em alguns filmes que Derrickson, que trabalhou inclusive como protagonista de A Entidade 2.

Aqui ele faz Max, um sujeito engraçado, de índole discutível, um alívio cômico que beira o patético e que lembra demais o delegado sem nome da franquia Sinister, inclusive no hobby de montar uma investigação própria, repleta de mapas, com linhas e fios pontilhadas onde as primeiras crianças foram sequestradas.

Obviamente que a polícia o ignora, afinal é exatamente o que parece: um sujeito louco, que sequer vem do local e que tenta ganhar notoriedade através de um trabalho investigativo que deveria partir das forças policiais e não de civis. Outra complicação reside no fato de que ele parece ser um sujeito esperto, mas é ludibriado numa facilidade abissal, age então como um clichê ambulante, que cai no cúmulo falacioso de associar a mentalidade tola com o uso indiscriminado de drogas.

É dado que os dois irmãos têm uma espécie de elo mental, com Gwen tendo uma percepção do metafísico que se assemelha a uma iluminação no estilo dos romances de Stephen King, o pai do autor Joe Hill.

Stephen King viu o telefone preto e o chamou de 'Stand by Me in Hell'

Isso ajuda a atalhar alguns dos sub plots, facilita que a trama evolua, mas também ajuda a derrubar a dualidade presente no original, deixando claro desde o início que o sobrenatural afeta esse universo.

Fato é que McGraw está muito bem, roubando a cena quando aparece, sendo a protagonista mais fácil de simpatizar. Thames também está bem, mas quase todas as espertezas de roteiro parecem destinadas a sua irmã na trama.

De positivo e inovador há o fato do sequestrador, que é chamado apenas de The Grabber, usar uma máscara diferente a cada tomada, mudando de expressão no plástico,de acordo com seu estado de espírito.

Hawke tem uma presença física bastante amedrontadora, e um trabalho vocal invejável, certamente seria difícil não se amedrontar com ele, ainda mais quando as vítimas são infantis.

O grave problema é que um sujeito tão ameaçador é apresentado com falhas que não condizem com essa postura de predador voraz.

O sujeito ou é confiante e arrogante demais em seus planos, ou não tem qualquer percepção de espaço, uma vez que Finney arranca grades, partes do chão, rebocos de parede e ele não nota. O homem chega ao cúmulo de municiar o rapaz com garrafas de vidro, que inclusive não são nem cogitadas como armas contra o raptor, fato que deixa o público com baixas expectativas em relação a inteligência do criminoso.

A utilização do telefone da parede como um canal de comunicação com o outro mundo é bem pensada, mas a utilização dos espíritos das vítimas varia entre o grotesco e o caricatural. É difícil levar a sério isso, muito mesmo, e nos últimos anos há dezenas de filmes e seriados de horror envolvendo crianças, inclusive It: A Coisa, que claramente parece uma referência para Derrickson aqui.

A maior das lástimas é que após receber tantas críticas a Doutor Estranho por parecer genérico, tanto o diretor quanto o roteirista voltam ao seu gênero de zona de conforto para basicamente soar genérico novamente, surfando na onda de outros produtos populares recentes.

Telefone Preto possui vários problemas, como exposição demais, credulidade da polícia em denúncias de crianças (que supostamente tem contato com o mundo espiritual), tiradas de humor deslocadas e protagonistas que não são tão icônicos quanto os vilões, mas esses pecados todos não soariam tão agressivos caso o seu terror não fosse tão derivativo e mal enquadrado. É uma pena que algumas boas atuações se percam em meio a uma trama tão repleta de marasmo e repetições e é de fato um potencial de texto legal de Joe Hiill desperdiçado.

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