Jogos Mortais: O despretensioso filme que mudou o cenário de horror mundial

Jogos Mortais: O despretensioso filme que mudou o cenário de horror mundialJogos Mortais é um filme de horror que passa pela temática de assassinos em série, investigação policial, contém elementos de neo-noir e arranha a superfície de uma exposição de violência gratuita.

Hoje ele possui uma fama um tanto injusta, sendo encarado como uma exploração de violência gratuita, graças a suas sequências, tanto que é considerado por muitos como exploitation e como o tomo um do movimento conhecido como torture porn, embora tenha pouca tortura e explore pouco a dor de seus personagens.

Concebido como uma produção de baixo custo, o longa foi um laboratório no ideal de fazer terror no cinema dos anos 2000. Foi concebido por duas figuras importantes do cinema blockbuster atual, o malaio James Wan e o estadunidense Leigh Whannell.

O filme se tornou popular, tanto que é reconhecido não só com o nicho de amantes de filmes B, já que foi abraçado pelo público geral. Acabou se tornando a ponta de lança de uma franquia que vai chegar ao décimo volume em breve, mas o que se vê aqui é um experimento bem controlado nas demonstrações de nojeiras e violência.

As sequências certamente colaboraram para a sensação de que esse filme é extremamente agressivo.

Há sim uma crueldade atroz nas armadilhas pensadas pelo vilão e serial killer Jigsaw, mas não eram tão absurdas quanto ficaram. Na época, havia quem comparasse esse com obras como Se7en - Os Sete Crimes Capitais, e um pouco menos com outros thrillers policiais, que abordavam histórias de assassinos sanguinários, como Rios Sangrentos e A Cela.

Ainda assim, a obra chamada de Saw é sim a pioneira na onda de Torture Porn que invadiu os anos 2000. Sem ela dificilmente Eli Roth teria tanto sucesso na saga O Albergue. Vale lembrar que o termo cunhado pelo jornalista David Edelstein se refere a filmes sádicos, mas não necessariamente de horror.

Exemplo disso são os longas A Paixão de Cristo, que é um drama, e Irreversível, que mistura horror e suspense. Ambos são bem diferentes do que Wan fez aqui, tem em comum o uso da violência como mola narrativa.

É curioso como um projeto de amigos e estudantes de cinema ganhou tanta fama e sucesso. Os dois escreveram juntos um rascunho de argumento, com Whannell fazendo o grosso do trabalho, enquanto Wan pontuava com momentos de horror e medo. Ao terminar o exercício perceberam que seria caro rodar tudo aquilo, decidiram então desmembrar um trecho, filmar apenas uma armadilha, para assim demonstrar a possíveis investidores qual era a ideia inicial.

Escolheram a máscara que na versão longa, seria relegada a Amanda de Shawnee Smith, a famosa armadilha de urso invertida e filmaram com o que tinham a mão. Wan se encarregou da câmera e Whannell atuou.

Esse arranjo pode ter sido por acaso, mas é fato que se tornou uma constante, já que Leigh atuou e fez pontas em boa parte, enquanto Wan dirigiu quase todas as parcerias junto ao amigo.

Jogos Mortais: O despretensioso filme que mudou o cenário de horror mundial

Com o tempo, Whannell também dirigiria filmes, como Sobrenatural: A Origem, Upgrade e Mulher Invisível. Caso essa obra não tivesse dado certo, dificilmente ambos seguiriam carreiras em Hollywood, ao menos não tão bem quistas como são.

Com o curta finalizado, eles conseguiram pleitear um financiamento, mesmo que ainda fosse baixo. Foi ao menos condizente com as ideias dos dois. Isso só ocorreu graças ao fato da fita com o curta ter chegado até as mãos de Gregg Hoffman, que assinou como produtor do longa.

Hoffman fundaria a Twisted Pictures basicamente para rodar esse Jogos Mortais. Acabaria por ser a casa da franquia ao longo de todos os seus filmes e ramificações.

A Lions Gate Films distribuiu o longa também nos primórdios do estúdio, tanto que a grafia ainda não era unida, e seu logo era uma abreviação, a sigla LGF.

Hoffman estava em um período de baixa em sua carreira, trabalhou como supervisor musical em alguns filmes. Só havia produzido um filme, que vem a ser George, O Rei da Floresta 2, filme direto para vídeo, que já não contava com Brendan Fraser.

Ele se uniu a dupla Oren Koules e Mark Burg, acostumados a fazer filmes de drama como Um Ato de Coragem ou em série de comédia, como Two and a Half Men.

Aprovado o orçamento, a equipe começou as filmagens em galpão vazio, em Lacy Street, na cidade de Los Angeles. Naquele lugar fizeram da estrutura uma base, onde montaram todos os cenários, praticamente.

As cenas no banheiro foram gravadas de maneira cronológica, até para economizar com questões de continuísmo. Vale ressaltar que apesar de esse ser um filme barato, a equipe técnica acabou se tornando famosa. A maioria seguiu fazendo carreira em filmes de horror e eventualmente até em outros filões.

O cinematografo David A. Armstrong fez a fotografia dos seis primeiros filmes da saga Saw e trabalhou em Hellraiser Revelations.

Já o montador Kevin Greutert segue fazendo montagens em filmes como Umma e Toc Toc Toc: Ecos do Além, virou diretor também, assumindo a condução de Jogos Mortais 6, Jogos Mortais: O Final, Jessabelle: O Passado Nunca Morre e A Última Premonição.

Já o compositor Charlie Clouser trabalharia em outros filmes da franquia, mas também em Resident Evil 3: A Extinção, assim como nas séries Wayward Pines e American Horror Stories.

O longa se inicia de maneira claustrofóbica, com o Adam que Whannell interpreta acordando na água, dentro de uma banheira. Os momentos iniciais são tensos, se dão no escuro e até o simples acender de luzes assusta o personagem que acabou de despertar, assim como o espectador.

Depois das luzes atordoarem o personagem, ele é apresentado ao doutor Lawrence Gordon, personagem do veterano Cary Elwes. Os personagens estão isolados, em lugar sujo, isolado, incapazes de serem socorridos por qualquer pessoa.

São acompanhados apenas por um corpo ensanguentado e desacordado no meio do cômodo, cuja cabeça está virada para Adam. Os dois não tem nada, a não ser o tempo do isolamento e o desespero de perceber que a maioria de o plano de sair dali bem é infrutífero.

Os dois são postos ali por um motivo moralista. Aparentemente eles não utilizavam bem as suas vidas, foram ingratos com a dádiva que Deus lhe deu. Ambos além de serem postos em perigo de vida, ainda tem fatores importantes de sua rotina postos à prova, como parentes em situação de perigo, como é o caso do doutor, que é avisado que o montador de armadilha está em posse de sua mulher e filha.

Após se perceber em um ardil de Jigsaw, Gordon conta o que sabe sobre o sujeito de identidade incógnita que induz suas vítimas a se matarem, através de testes quase impossíveis de sair vivos, em armadilhas cruéis e elaboradas, que tem algumas falhas, mas que são difíceis de desbaratar.

Os responsáveis por investigar os casos são os detetives David Tapp (Danny Glover), Steven Sing (Ken Leung), são auxiliados por Kerry (Dina Meyer), investigadora especializada no assassino em série.

Os tiras vão até o doutor, no meio de um plantão onde ele ensinava residentes novatos. Curiosamente Lawrence passou por John, um paciente com câncer, moribundo, interpretado por Tobin Bell.

Nessa versão o ator mal aparece, faz essa participação e nada mais, fora uma ou outra referência, como muitos dos rascunhos da armadilhas, desenhadas ao lado do corpo do paciente.

Jogos Mortais: O despretensioso filme que mudou o cenário de horror mundial

Há duas belas armadilhas no início, a primeira, com um suposto suicida, envolve uma jaula com arames, que imitam as giletes que o personagem usou para se cortar.

Essa sequência foi editada de uma maneira acelerada a fim de disfarçar o visual, já que os arames eram de plástico. Se fosse ao ar da forma como foi filmada, daria na cara que aquilo era falso.

A outra foi um sistema, com um cofre, onde uma pessoa cheia de material inflamável tinha que procurar as combinações para abrir o segredo. Em seu caminho haviam cacos de vidro, espalhado pelo chão e ele deveria ir atrás disso apenas com uma vela iluminando tudo.

Essas armadilhas eram praticamente impossíveis de resolver e essa sensação é passada por todo o início. Só é dado que é possível sim fugir do destino ruim quando aparece Amanda Young, uma moça jovem, com tendências suicida, possivelmente adicta em drogas.

A personagem de Shawnee Smith estava presa a uma espécie de armadilha de urso, invertida, que abriria quando presa em seu rosto depois de um tempo. É dito que há uma chave no ambiente onde ela está, no entanto, para conseguir de desvencilhar daquilo, ela teria que cavar na barriga no corpo de um homem que estava ali com ela.

Antes dela ser posta para decidir entre a sua vida e a de outra pessoa, ela vê uma gravação, com um boneco branco, chamado Billy que expõe para ela as regras do jogo.

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Depois que ela se salva, o brinquedo pedala até ela, fala que ela tem chance de viver uma nova vida, longe de seus vícios, dando valor aos dias que lhe restam. Ao ser entrevistada pela polícia ela se diz agradecida.

Vale lembrar que o boneco foi projetado por Wan, e ele era tão barato que era controlado por uma linha de pesca. Passou a ter engrenagens mais elaboradas no decorrer da franquia, aqui ele era rudimentar.

Wan é sábio, dá pistas sobre quem é o assassino de maneira vagarosa. Há várias delas espalhadas pelo banheiro, onde mais da metade da ação ocorre, mas também preenche as lacunas da história nos flashbacks, especialmente ao mostrar como Tapp mudou, deixando de ser policial para se tornar apenas um obcecado pelo assassino. Também se notam muitas referências a filmes como A Noite do Terror (ou Black Christmas) em especial na cena do olho nas cortinas.

A parte emocional do filme recai na rotina modificada de Tapp, que após o insucesso em pegar o psicopata, acaba transformando sua vida em uma busca infrutífera pelo assassino.

Ele decora sua sala com recortes de jornal, que reportam os atos malvados do sujeito, tudo para vivenciar e se aproximar o máximo possível de seu alvo. Esses são os trechos que fizeram críticos e analistas compararem a Seven de David Fincher, fora também os ardis super inventivos, que fazem eco com os crimes do assassino dos pecados capitais.

A maior parte dos homicídios e assassinatos é sugerido e não mostrado. As pessoas são feridas e mortas, mas nunca aparece em plenitude, a edição corta antes da exposição. O impacto é maior justamente por permitir ao público que imagine os atos e não simplesmente veja. A tensão é criada a partir de conspirações e pela falta de confiança que os personagens têm entre si.

A privação de meios básicos de sobrevivência e de liberdade, a vigilância que eles sabem que sofrem, uma vez que percebem logo que estão sendo filmados. É difícil para os personagens não se entenderem como pessoas tapeadas o tempo inteiro e sendo assim é natural que eles pensem em tentar revidar.

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No terço final se desenrola a trama de Tapp, que vigia Alison (Monica Potter), a esposa de Lawrence e sua filha Diana (Mackenzie Vega). Não há como chamar essa de uma trama policial, já que ele foi expulso da corporação. Esse trecho se destaca mais por se desenrolar violenta e vorazmente.

Ao ter seus personagens colocados em situação de desespero, Elwes e Whannell tem seus dotes dramáticos postos à prova. Ambos desempenham o papel de pessoas que caem em condições extremadas, se mostram nervosos, sob efeito de grande stress e desempenham muito bem o seu papel.

Considerando que Jogos Mortais foi lançado no ano 2004, quase vinte anos atrás, é natural que o leitor já tenha visto ele. Ainda assim falaremos sobre partes substanciais do roteiro e sobre a grande vira, o plot twist.

Fica, portanto, o aviso de grandes spoilers nos próximos parágrafos.

Jogos Mortais: O despretensioso filme que mudou o cenário de horror mundial

O desenrolar dos fatos faz com que Lawrence haja de maneira nervosa, não aguentando mais a pressão.

Ele então decide fazer um torniquete, com sua camisa, pega a serra que encontrou no banheiro e corta o próprio pé. Após isso ele dá um tiro em Adam, basicamente para tentar ludibriar quem quer esteja vigiando os dois, para Jigsaw.

A trama tem alguns mecanismos estranhos, como a exploração de Zep Hindle (Michael Emerson), como vilão. Suas aparições iniciais já eram muito suspeitas, ele orbitava o cotidiano do Dr. Gordon e parecia encarar ele como alguém esnobe e digno de castigo.

A escolha por ele é óbvia e mesmo que parte da virada resida no fato de que ele também é uma vítima do vilão, faz pouco sentido ele estar ali. Ainda assim a condição que mais chama a atenção é que em uma situação limite, Lawrence se coloca em perigo real, já que ao cortar o próprio pé ele dificilmente não morreria no caminho, quando saísse do banheiro, isso se conseguisse levantar e abrir o portão, afinal, até cortar, ele não sabia como era a parte externa.

Lawrence ainda assim sai, antes que o homem que estava no centro da ação levane, se revelando como John Kramer, o personagem moribundo de Bell, que estava deitado estrategicamente voltado para o lado oposto ao seu oncologista que acompanhou o seu caso.

Quando ele desperta vem uma avalanche de lembranças, dos detalhes que passaram despercebidos pelos personagens e pelo público. Isso obviamente chocou todo o público, mas assustou mais ainda Adam, que não havia notado que o corpo ensanguentado não era um cadáver.

O grito inflamado de Whannell acontece graças a muitos motivos, ao fato do personagem ter percebido que deixou passar muitos momentos, graças a ter a noção de que a chave das correntes caiu pelo ralo acidentalmente, mas principalmente, por ter notado que a pessoa responsável por sua desgraça estava se fingindo de morta ao lado dele.

Ele fica desesperado por si, do lado de fora Lawrence certamente seria um alvo fácil, ainda mais na condição de pessoa sangrando e se arrastando. Dificilmente a ajuda viria e isso também ajuda a piorar o seu quadro de tristeza e de ciência da própria desgraça.

É uma pena que tenha tido sua fórmula tão esticada, no entanto, certamente ele é lembrado também por seus filhos bastardos, que inclusive, mudaram algum dos destinos de personagens. Muitos sofreram revisões ao longo das sequências.

Jogos Mortais é uma obra certeira e autossuficiente, é um produto redondo, um esforço grandioso de artesãos do cinema B e não tem qualquer pudor em ser um exploitation, mesmo que não seja tão agressivo quanto se pensa. Para todos os efeitos, está na história do cinema como um divisor de águas, que ditou tendências, sendo imitado e laureado até os dias atuais.

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